quinta-feira, julho 24, 2014

CPLP + GUINÉ EQUATORIAL + GODOT




A presença de Portugal na CPLP «esteve em risco», caso não tivesse dado carta verde à entrada da Guiné Equatorial, confidenciou à Comunicação social uma fonte do Governo conhecedora das negociações. Depois de anos de resistência portuguesa, e com a cimeira de Díli a aproximar-se, as negociações tornaram-se mais difíceis. Dilma Rousseff e José Eduardo dos Santos, presidentes do Brasil e Angola, forçaram a entrada. Com uma ameaça: se Portugal tivesse insistido em dizer não, os outros países ameaçavam formar «união jurídica, uma união PALOP mais o Brasil», explicou a mesma fonte. Um exemplo ilustra a determinação de Dilma nesta recta final do processo: o Brasil «queria que a Guiné Equatorial ficasse já com a presidência da CPLP», na cimeira desta semana em Díli. Teodoro Obiang Nguema «nasceu do demónio e alimenta-se do medo de um povo medroso». Sentado no Centro Cultural Espanhol, em Malabo, capital insular da Guiné Equatorial, Luís Nzó, 49 anos, não cala as críticas ao Presidente que governa o País com mão de ferro desde 1979, entre várias acusações de violações de direitos humanos, torturas e assassínios de opositores. «Pode escrever o meu nome. Morto já estou eu porque não posso desfrutar da minha vida. Eu já morri», diz Luís, que nasceu na terra natal do Presidente, Mongomo. Já foi exilado, voltou em 1990, confiante no início do processo de democratização e envolveu-se na vida partidária. Foi preso e agora está sem emprego, a viver numa barraca no centro de Malabo à espera da queda de Obiang. 
De etnia Fang, a mesma do Presidente, Luís é duro nas acusações e deseja que Obiang seja castigado pelos crimes que cometeu pelo próprio povo «e não que esperasse pela sua morte». O tema da sucessão está presente nas conversas das ruas da capital, entre apoiantes e opositores. O chefe de Estado tem como um dos vice-presidentes o seu primogénito Teodoro Nguema Obiang Mangue, conhecido por Teodorín. «Se o filho ficar no poder será muito pior e mais complicado para todos nós», desabafa Damien, morador no centro da cidade, o Centro Cultural Espanhol, em Malabo, capital insular da Guiné Equatorial. 


Memória selectiva da ditadura
Luís oferece-se para percorrer as zonas mais pobres de Malabo e mostrar a outra face do país. No dia seguinte, aparece vestido com uma t-shirt com uma foto de Francisco Macías, o ditador derrubado por Obiang em 1979. As organizações internacionais de direitos humanos consideram o regime de Macías como uma das ditaduras mais brutais de África, com a morte de milhares de opositores, a destruição do sistema de ensino e de todo o sistema produtivo (encerrou roças de café e cacau e chegou a proibir a pesca). Mas para Luís, «a ditadura foi sempre a mesma. Ele [Obiang] era quem fazia as coisas». Obiang, sobrinho de Macías, passou a ser o principal responsável militar da ilha de Bioko (antiga Fernando Pó), onde estava a capital política, quando o ditador foi para a sua terra natal, Mongomo, no início da década de 1970.
Alguns elogios ao antigo ditador ouvem-se na rua, por oposição ao actual presidente. Desempregado há sete anos – «apenas por ser da oposição», diz – Andrés Ondo Mayie recorda que «Francisco Macías tinha um dom natural para falar com as pessoas» mas «não tinha decisões próprias», porque quem «decidia tudo era a sua mão direita», Obiang. Maye não tem dúvidas: «Macías ditava mas apenas porque era o chefe de Estado» e «foi melhor Presidente porque ajudou a construir infra-estruturas e telecomunicações». Além disso, «Macías sabia que havia petróleo mas exigiu que fossem empresas e técnicos guineenses a fazer a investigação», ao contrário do governo actual que «está a colocar o dinheiro todo nas mãos dos estrangeiros».
Apesar de tudo, o desejo de democracia levou-o a colaborar no golpe de 1979. Ainda guarda cicatrizes no corpo de um estilhaço de bala mas Maye diz-se desiludido com Obiang e mesmo com a independência, tendo em conta a «miséria em que o povo vive hoje». Durante o tempo colonial, «ganhava-se pouco, mas chegava para colocar os filhos a estudar na escola e os encarregados das quintas até conseguiam pô-los em Espanha».
Hoje Mayie, o antigo professor de hotelaria, com curso de Marbella (Espanha), diz que o país vive «em medo permanente». Assim se explica o receio das fotografias que existe em todo o território. São proibidas fotos e as pessoas reclamam quando um estrangeiro fotografa na rua. «Pode até ir preso. Há casas fotográficas mas não há quem tire fotografias porque as pessoas têm medo», diz.

Medo é pilar do regime
Luís Nzó diz que os guineenses que permanecem no país vivem «paralisados pelo medo». É esse «medo aterrorizador» que bloqueia qualquer tentativa de derrubar o regime. A isso soma-se a desorganização dos opositores e a ausência de recursos militares, porque o exército é liderado e controlado por elementos do clã presidencial, Esangui. O líder do único partido da oposição com assento parlamentar (um lugar em cem eleitos), o Convergência para a Democracia Social (CPDS), concorda e diz que o regime assenta parte da sua sobrevivência no medo. «A ditadura assenta sobre três pilares»: a pobreza, a ignorância e o medo. «O regime começou por empobrecer a população e deixou os cidadãos completamente dependentes do poder», começa por explicar Andrés Esono Ondó. Depois, a prioridade é a «desinformação e a ignorância». O «regime procura cultivar a ignorância e, apesar do petróleo, não constrói escolas para formar as pessoas, porque sabe que as escolas não ensinam apenas conhecimentos, mas também dão uma educação cívica e social». Resta o medo. «O regime não apenas marginaliza, também tortura e assassina. A política é a morte. Um cidadão que queira fazer política corre o risco de sofrer prisão, torturas e mesmo a morte», diz o dirigente, que esteve preso «várias vezes». Quando são as eleições, «obrigam-nos a votar publicamente no partido do poder» e os «guineenses estão incapazes de reagir ao que estão a sofrer».

1 comentário:

Anónimo disse...

Este caso - já um facto - é absolutamente lamentável, ilustrando a atual falta de autoridade cultural e até moral do país fundador da CPLP. Compreendo e apoio as dinâmicas da língua portuguesa - embora com reticências, sigo o acordo ortográfico, mas a CPLP deixa de fazer sentido no momento em que a língua portuguesa passa a critério secundário (ou terciário) e a diplomacia - a política, no seu pior - passa a critério principal. Por estas e por outras, o iluminado Ministro Crato, no seu claríssimo "eduquês" foi já ensaiando uma aproximação ao Mandarim. Não vá a China, um dia destes, requerer o visto gold da CPLP alegando que os macaenses falam português.
Sérgio Reis