quarta-feira, julho 05, 2006

continuação da postagem anterior






a exploração do grande plano com
forte aproximação expressiva



SEGUNDO EPISÓDIO
linguagem e identidade

O vocabulário qualificativo usado e desenvolvido na área da linguística estendeu-se, não por culpa dos seus cultores, a um significativo número de campos artísticos, o que lhes conferiu estatuto científico, mais afinidade entre os diversos modos de formar, do desenho ao cinema, da pintura à televisão. Passou a ser usual falar-se de linguagem gráfica ou de discurso pitórico. Sendo certo que esta adopção de terminologias se usou noutros tempos e com menos rigor, a verdade é que ela cria pontes funcionais entre disciplinas, entre meios de expressão cuja nomenclatura tem outro intuito. O que parece certo é que esta trasladação linguística acaba com frequência por desaguar num oceano poluído, onde podemos a todo o momento encalhar em coisas estranhos vogando nas águas. A contingência destas permutas e pequenos desastres (uma espécie de globalização nas designações do mundo das artes) parece irreversível, e é bom dizer que, salvo casos patéticos, as escolhas daqui derivadas, bem como as suas aplicações, não tornaram redutoras nem a essência de cada campo nem a sua legibilidade analítica.
Com a televisão - e a novelística que produz- este problema seguiu um caminho idêntico: fala-se sem pudor no discurso televisivo e no maior ou menor número das suas adjectivações. Mas a televisão, em sentido corrente, e porque nela se resolvem, com efeito, exemplos de comunicação articulada temporalmente, suporta bem o entendimento de linguagem, embora se trate de um meio, muito rico de efeitos, que alberga e difunde várias linguagens do domínio audiovisual. A simplificação da televisão enquanto linguagem já não é tão líquido na pintura, ou em formas de expressão de suporte fixo, intemporais, sem uma linha narrativa digna desse nome, mesmo quando o adopta, tradutora de valores do espaço mas imóvel durante toda a sua contemplação, a despeito dos sentidos de tempo e de mobilidade visual ou formal que os espectadores podem eventualmente accionar na sua deriva. E entretanto deve dizer-se que uma das grandes questões da televisão é o factor tempo, algo que se torna determinante no espírito da telenovela. Tempo de programas, tempo e ritmo das formas, tudo aquilo que os aficcionados chamam linguagem específica da televisão. Claro que, dada a relação aparelho/recepção, algumas questões se colocam: o uso mais frequente dos grande e médio planos, a menor percentagem de planos gerais, com menos incidência estatística no caso das novelas quando estas se desenrolam sobretudo no interior de arquitecturas e similares. Os mesmos aficionados defendem, para a narrativa de televisão, um ritmo veloz, a curta duração dos planos, a dinâmica e possível simplicidade da história, a clareza do discurso.
Uma dogmatização deste género não pode aplicar-se indiferentemente ao mundo das novelas: nesse caso, tudo conta como nas outras artes narrativas, a vertigem não é regra, a curta duração dos planos só se aplica á funcionalidade do discurso, o tempo tem de resultar psicologicamente de tudo o que interessa aos temas e aos assuntos, ao sentido de tudo isso. A viagem de um personagem num elevador, pronto a saltar no andar que escolheu, disparando o seu revolver, é psicologicamente mais longa se o realizador estudar e pretender transmitir a expectativa e a ansiedade da situação. Uma viagem dessas, mas de regresso e se nada aconteceu, pode parecer calma e curta, mas todos sabemos que o elevador leva o mesmo tempo tanto num caso como no outro.
Fora da problemática da novela (coloquemo-nos aí, por instantes) tudo na televisão gira à volta da publicidade: um dos maiores inventos do século XX, na comunicação auciovisual, só funciona com toneladas de publicidade, na lógica selvagem dos mercados incontrolados, sob a ditadura alucinante das audiências (todas manipuladas), enquanto os «responsáveis» por cada estação insistem (sábios) que a grande menoridade dos conteúdos corresponde apenas ao gosto do público, o que grosseiramente é falso. As escolhas do público sobem e descem, nunca evoluindo, em função de necessidades geradas de fora, são conquistadas pelos mais básicos truques de expectativa e apelo ao nosso plano animal. Está demonstrado que a publicação de duas telenovelas em paralelo, sem recurso à psicopatia, funcionam junto do público, a seu tempo, com maior apelo pela de melhor nível geral, da produção à realização, actores, intencionalidade profunda, grandeza humana dos personagens. O público sai facilmente da desnecessidade com que somos brindados todos os dias e deixa-se conquistar por outros produtos contrariamente de qualidade insofismável. Como no cinema, onde um filme de acção pode estar cravado de milhares de planos curtíssimos, enquanto outro, reflexivo e tematicamente mais difícil, pode decorrer com planos por vezes de grande duração e ser louvado. Cuiriosamente, desde séries televisivas («O Pão que o Diabo Amassou») até filmes longos que já passaram na televisão (Bergman e Tarkosky, por exemplo) contra os quais não consta que tenha havido levantamento de massas. Todos sabemos, de resto, que o cinismo dos roteiristas de programação televisiva se empanham em publicar grandes obras do património fílmico da humanidade, e mesmo teatro sério, a partir da madrugada, frequentemente entre as 24 e 1,30 horas.
O problema, para a educação dentro e fora da Escola, é esse: a televisão, podendo ser por natureza um meio de linguagem autêntico, pedagógico e cultural, ainda não conquistou, vivendo em permanente competição de subprodutos, a sua verdadeira identidade.

1 comentário:

jawaa disse...

A escola foi para os mais velhos a grande referência das suas vidas; a televisão já deveria ter tomado consciência de que ela é hoje a referência dos mais jovens. Há uma entidade reguladora da Comunicação Social. Como forçá-la a actuar no melhor sentido?
É reconfortante encontrar quem se debruce sobre estes assuntos.