sexta-feira, julho 21, 2006

A CULPA DE DEUS


para um ensaio sobre o livre arbítrio
Após a pausa que sublinha as primeiras deglutições, eu próprio saboreando o deslisamento do café pelo esófago, agradeço a intervenção de Jerónimo, sublinhando que em parte ela servira de introdução à nossa possível conversa sobre os meus textos, o método empírico mas baseado numa lógica de acasos e estatísticas decisivas, a ideia de uma procura multidisciplinar nas fontes e na informação retida, uma pesquisa ética e estética também, tudo isso em torno da possibiulidade de haver sinais plausíveis, embora relativos, sobre o homem enquanto projecto e prática de Deus, ou seja, a natureza da condição humana, a sua origem, o anátema do livre arbítrio como arbitrariedade antecipada do Criador ou consequência de uma Criação afinal limitada, quase cega, destituída da bondade inifinita a montante do caminho universal e responsabilizadora das escolhas humanas a jusante dessa complicada via, o risco da vida, a fronteira da nossa consciência perante a falta de qualquer dimensão cósmica mensujrável, Coisa indeterminada, efectivamente sem nome, mesmo que lhe aceitemos a transcendência e a absurdidade ao falarmos do que suspeitamos pertencer-lhe. Não é do meu interesse, com este trabalho e os cruzamentos de indormação que ele implicou, entre memórias, tragédias ou perdas irreparáveis, atingir a orla falsamente inteligível do mundo, um sinal furtivo da eventual construção de tudo em volta. O meu trajecto tanto pode ser científico como subjectivo e poético, mas não é fixável, no seu termo, em tabelas conhecidas, em iniciações de base, tecnicamente provadas. O devaneio onde circulam lembranças da guerra, dos afectos, da doença e da miséria, acontece marcado a fogo pela angústia de ser, do ser, observando os ditos e convenções de um pensamento ainda epidérmico, inevitavelmente parecido com o dos meus semelhantes. Pode lembrar uma viagem, esse devaneio, a gestação caótica e mesmo infundada na longa espera dentro da Arca de Noé, o Dilúvio cercando a nossa indescritível fragilidade, enquanto muitos dos recolhidos, mais novos, se instruíam (ou se instrumentalizavam) escrevendo bíblias, invenções para o Antigo Testamento e símbolos ajustáveis aos actos ensurdecedores de um Deus impaciente, contraditório, ainda exigindo sacrifícios e proibições sem sentido. Quando choviam rãs do céu, ou outras coisas assim, os sinais da vontade de Deus, em nada explicados, obrigavam os médiuns sacerdotes a imaginar uma legitimidade para cada horror. O desconhecido, mil vezes mais oneroso e complexo do que a nossa actual ignorância, podia por isso mesmo ser abordado a partir do medo e de abusivas interpretações, sempre as menos dispendiosas - desde o efeito dos astros sobre a terra até às práticas de uma cultura mágica, entre nomadismos e guerras tribais, tendo em vista, mais trade, a conquista do território na lógica de uma produção sedentarizada, pela definição de uma ancoragem assente em grandes defesas e no sacrifício da inocência.
OOO
Extracto do livro «A CULPA DE DEUS», de Rocha de Sousa, que se encontra em vias de ser lançado pela Editora Tartaruga, do Porto.

6 comentários:

Choninha disse...

Haverá culpa de uma entidade que não existe? Existe? Deus! ...

Anónimo disse...

rocha de Sousa
O livro indaga apenas a condição de Deus: se é omnisciente e omnipotente - consciente de tudo, toda a história, no mesmo instante - então é responsável pelo mundo. Se não for assi, ou não existir, a culpa recai sobre o próprio homem

AnaGarrett disse...

Sem Deus a nossa Sociedade deixava de ter razão de existir.
O Homem deixaria de acreditar no futuro.

Gostei muito do post sobre A Memória dos Livros.

naturalissima disse...

Ana Garrett

Existindo ou não Deus, a huamnidade tem de acreditar sobretudo nela própria. ASSUMIR AS SUAS RESPONSABILIDADES.
Eu tenho de acreitar em mim, tu tens de acreitar em ti.
Tens de lutar para comer, para viver, lutar pela tua felicidade interior , não estando dependente somente de UM DEUS. Tens de ser tu responsável por cada acto teu na sociedade onde vives. Tudo isto, estando Deus presente ou não, consciente ou não.

Daniela

Miguel Baganha disse...

Caro João,
cheguei aqui pela mão de sua sobrinha Daniela, onde tomei conhecimento de que um livro seu será em breve publicado.
Sendo Deus, um tema eternamente actual e algo que me fascina particularmente, aguardarei ansiosamente a sua publicação.

Gostei deste seu espaço... voltarei sempre que possível.

Tomara que o livro se esgote...

Um abraço,

Miguel

jawaa disse...

Deus não existe, foi uma invenção do Homem para racionalizar os seus instintos, impor a sua espiritualidade e dominar as outras espécies.
Resta-lhe agora recuperar a sua humildade, reinventar-se, que Deus sozinho não o faz sair deste impasse...