domingo, novembro 12, 2006

EM BUSCA DAS MARCAS PRINCIPAIS


Durante a nossa vida, no longo percurso dos dias e dos anos, somos tentados a procurar uma relação próxima, sensível e explicável, com as coisas. Mas, no fundo, a realidade que nos envolve é muito mais complexa do que parece na deriva pelo tempo: os velhos vão sentindo que já não procuram as pequenas coisas e sentem o peso da espera, o dia da morte, essa noite inexplicável que torna a própria actividade profissional um sonho breve. Então os velhos limitam-se ao jardim do bairro, vendo os pombos desfocados batendo desfocadamente as asas - e, conforme a situação ou a temperatura, abotoam e desabotoam os botões do casaco.

Há qualquer coisa nas minhas memórias que talvez tenha a ver com esse quadro do corpo e do tempo: a pedra preciosa de um brinco da minha companheira tombou para a carpete e tornou-se invisível. Começámos a esgaravatar aquele universo obscuro e a certa altura julguei haver encontrado a pedra. Cá cima, à luz plena, a pedra não passava de um pequeno fragmento de pão seco. Nem jóia, nem sinal de Deus, nem anunciação da morte.

Com as fotografias de que dispomos nesta brevíssima reflexão vemos dedos impróprios para tocarem o início do infinito. Até a própria ideia de deus apenas espreita, como palavra, no canto de uma revista que foi temporariamente afastada do seu lugar a fim de que o pão seco nos adie a espera.

1 comentário:

naturalissima disse...

"...vemos dedos impróprios para tocarem o início do infinito. Até a própria ideia de deus apenas espreita, como palavra, no canto de uma revista que foi temporariamente do seu lugar a fim de que o pão seco nos adie a espera."

Que palavras deixarei aqui?
Sensibilizou-me este breve momento.