quarta-feira, março 07, 2007

DO ESQUECIMENTO AOS LEILÕES DE ARTE


Esta imagem corresponde a um leilão de arte, no qual, perante uma grande tela de Sousa Lopes, as cabeças do público parecem (maliciosamente) integradas na pintura pelo fotógrafo. Há quem considere que os leilões de arte constituem um modo de redistribuir muitas obras plásticas pela sociedade. Ora todos sabemos o que se passa com as «indústrias da cultura» e a hipocrisia, disfarçada de falsos saberes e tráfico de influências, actividades que enlameiam os mercados desta área. Em boa verdade, os leilões permitem que os ricos vendam obras a outros ricos ou que alguns «nobres» em decadência passem o seu património cultural a meia dúzia de milionários. A peça que vemos na imagem tem as dimensões de 2,72 por 3,54m. É uma pintura a óleo, com um tema de festas religiosas, e foi vendida a um particular, para espanto de muitos, por 125 mil euros.
Quem era Sousa Lopes, afinal? Um pintor que nasceu em Leiria, no ano de 1897, e veio falecer 65 anos depois, em Lisboa, durante 1944. Como outros do seu nível, por vezes surpreendentes, é tratado com alguma negligência. Anísio Franco, historiador de arte do Museu de Arte Antiga, entende que Sousa Lopes «é conhecido da história da arte, mas tem sido pouco estudado e mostrado». Maria Aires Silveira, conservadora do Museu do Chiado, anota que, apesar de tudo, «não se pode dizer que o pintor seja pouco conhecido. A verdade é que não tem havido grandes exposições e é natural que o grande público não o conheça. Mas não é uma figura desconhecida»». Estas impressões, obtidas de uma reportagem do jornal Público, deixam-me estupefacto. Afinal quem conhece ou não conhece Sousa Lopes? Como se pode falar desta forma de gente cujo trabalho foi longo e fez parte de uma área em geral pouco acalentada pelo país, sobretudo pelos governos e pelos próprios museus? E agora, emergindo do quase esquecimento, uma obra desta autor, «A Procissão», é vendida por 125 mil euros, o que produz algum desconforto. «Não sei o que dizer», considera Aires Silveira: «Esta obra pertence à linha de um naturalismo tardio, muito próximo das peças de Malhoa. É muito ensolarada, com um jogo de sombra e luz muito marcado. Mas está dentro do naturalismo de tendência folclórica. Trata-se de um tema bem ao gosto português. Teve muito sucesso e foi muito apreciada pelo público da altura». Mas os conhecedores desta matéria continuam sem explicar o montante atingido pela obra. A conservadora do Museu do Chiado, embora «não saiba o que dizer», pensa que talvez as largas dimensões da pinturam possam abrir algum indício revelador. «Deve ter-se em conta que é uma obra de grande dimensão. Aguenta-se bem na grande dimensão».Estes comentários são verdadeiramente ensurdecedores. Anísio Franco solta-se: «Inexplicável? Não é nada inexplicável. É uma bela peça para uma obra de Sousa Lopes. Têm surgido poucas obras de arte à venda; por isso, no contexto do mercado de antiguidades português, é explicável!»
E assim vão as coisas das artes e dos mercados, o desentendimento dos naturalismos tardios e coisas assim, mesmo quando toda a gente sabe (nas esferas administrativas) que não houve em Portugal, durante décadas e décadas, até por snobismo, uma vasta retrospectiva de obras de autores deste género, com Malhoa e tudo, por forma a se estabelecerem melhor as verdadeiras grandezas. Importaria saber se outrora o público respeitava e visitava, como se insinua, um Sousa Lopes ou um Malhoa. Pelo menos para se perceber melhor os estímulos «milagrosos» que levaram multidões a esperar horas e horas para puderem ver e deificar Souza Cardoso. 1
1 Adaptado, quase ficcionado, de uma reportagem de Teresa Firmino publicada no Público de 7.03.07

3 comentários:

naturalissima disse...

Tiomeu,
já não é surpresa os seus comentários em relação às minhas fotografias. Estou numa linha diferente para já, mas nunca deixarei de apresentar o que tem sido nos posts anteriores.
Com tudo, continuo a ser eu mesma, com o meu olhar, com as mesmas curiosidades, e procurando sempre melhorar nos tratamentos de imagem.

Vim lêr a sua última postagem, falando de um artista que só o conheço de nome e não a sua obra. Aprendi mais um pouco, não só da existência deste homem, como também a forma como é muitas vezes dirigida e solucionada as obras de arte deste País.
O Miguel é bem capaz de saber argumentar melhor este tipo de situações, pois está por dentro deste mundo muito especial.

Deixo-lhe um beijinho
Daniela

naturalissima disse...

tiomeu
o que digo aqui é que para mim, os seus comentários são sempre coerentes e que são sempre tão só seus, que já não me surpreende! Não sinta frieza nas minhas pelavras.
Já foi tudo esclerecido, mas não pude deixar de realsar aqui neste seu espaço, a minha admiração e respeito por si e o quanto é importante cada palavra sua como ajuda no crescimento daquilo que pretendo desenvolver.
O Miguel é outra pessoa neste momento que me tem dado apoio para dar continuidade a este meu lado mais artistico... aliás deve já ter visto e sentido nas palvras que deixou no meu blog.
Portanto, só posso me considerar uma sortuda, ter junto de mim pessoas fantasticas como o tio e o Miguel.

Um beijinho com carinho
Daniela

jawaa disse...

Como mto bem diz, as indústrias das culturas proliferam para o bem de poucos, enquanto a cultura definha pela distância entre a Arte e as disciplinas de H. da Arte ministradas nas escolas deste país...