Numa entrevista concedida ao «Diário de Notícias», Saramago disse: «Portugal acabará por integrar-se na Espanha». E assim, breve, à sua volta, os homens de cultura ficaram em choque: porque uma coisa é fugir por medo, passados que são séculos de história, outra é anunciar algo que nunca será uma escolha e que, como soberania importada de fora, com cumplicidades cá dentro, acaba como retrato da traição. Algumas das reacções a este mergulho em direcção à jangada de pedra, mostram fundamentada indignação: porque Saramago tem uma «dívida para com a língua portuguesa», move-se numa rodilha de azedumes ligados à «ortodoxia marxista-leninista» Mais: «uma provocação deve ser motivo de reflexão» e a mim ocorre-me dizer que uma provocação deve ser antecipadamente reflectida, sobretudo como neste caso, dada a sua importância e os créditos de quem a soltou. Apesar das suas intervenções, quando convidado pela televisão, revelarem um contido apreço pelos problemas do homem e da criação, sem derrapagens deste tipo, nota-se que o desconforto de Saramago em relação a Portugal emerge aqui e além numa espécie de elipses ou de ardilosas metáforas. Saramago é agora acusado de ser incapaz de defender Portugal»
Martins da Cruz, Ministro dos Negócios Esrangeiros de Durão Barroso, foi talvez quem mais reagiu à frase da Saramago. «A visão de Saramago é uma visão do século XIX e não do século XXI. É muito fácil odiar Portugal no estrangeiro, o que é difícil é defender os interesses de Portugal no estrangeiro, e isso o sr. Saramago é manifestamente incapaz de fazer». Nesta linha de abordagem à insólita situação, também houve reacções de muitos intelecuais e escritores, como Vasco Graça Moura ou Manuel Alegre. «Ele tem a responsabilidade de ter ganho o Nobel da Literatura com a língua portuguesa», disse o poeta Manuel Alegre. «Saramago concebe a realidade como sendo gerível com uma engenharia de racionalidade» (considerou Graça Moura). Por muito que a medalha do Nobel notabilize um homem, neste caso um português, isso confere-lhe mais deveres perante a língua e a Pátria donde se alcandorou a esse galardão, do que direitos enviesados, má fé, arrogância, eufemismos perversos. Os direitos de expressão têm de ter sempre em conta os outros -- e, em casos assim, menor sensacionalismo e profunda reflexão sobre a hipótese formulada. Por mim, na raiz do meu ser e da minha língua, da nossa cultura e considerável antiguidade, muito teria para dizer a Saramago (apesar das minha deficiências e das fragilidades não usufruirem o benefício dos media), pois considero que o escritor contraiu uma grande responsabilidade a vários níveis. Portugal honrou-o, perdoou-lhe muitas sinuosidades, conversou civilizadamente sobre os valores humanos e a necessidade da arte. A caricatura da «Jangada de Pedra», Portugal voltado para a América e a Espanha com as suas feridas voltadas para a Europa, a cicatrizar, não tem necessariamente que deslizar para o sul. E era melhor a ideia de que essa ruptura servisse para ligar de novo os dois continentes, voltando assim a uma certa verdade original. Saramago deve reflectir, partindo de dentro de si mesmo e fazendo auto-crítica. Nas pedras de Lanzarote. Observando as condições capazes de permitirem saudavelmente o enxerto de uma coisa na outra. E a lembrar-se da humilde grandeza com que escreveu «Levantado do Chão».
4 comentários:
Um homem que escreve sem pontuação, arrisca-se a ser mal-interpretado, João...(risos)
Honestamente, penso que ele exerce esse paradigma, como forma de prevenção.Não obstante a sua boa qualidade literária, é um escritor precário, sem o nível do galardão que lhe foi atribuído.Bom para ele e mau para a cultura, eu não ter feito parte da comitiva que o elegeu.
- Martins da Cruz disse: «É muito fácil odiar Portugal no estrangeiro...»
- Manuel Alegre disse: «Ele tem a responsabilidade de ter ganho o Nobel da Literatura com a língua portuguesa.»
- Graça Moura disse: «Saramago concebe a realidade como sendo gerivel com uma engenharia de racionalidade»
- João Rocha de Sousa disse: «Por muito que a medalha do Nobel notabilize um homem, neste caso um português, isso confere-lhe mais deveres perante a língua e a Pátria onde se alcandorou a esse galardão, do que direitos enviesados, má fé, arrogância, e eufemismos perversos.»
Miguel Baganha disse: « Um homem que cospe no prato onde come, não é digno de lá voltar a comer.»
De todas as citações, gosto mais da última.E acredite ou não, João...ao exprimir-me desta forma, tive em muito boa conta os direitos deste escritor de opiniões controversas e sensacionalistas.
E a "pontuação" final é:
Rocha de Sousa(1)
José Saramago (0)
Vencedor por K.O.- João Rocha de Sousa
Bela tareia, tioJoãonosso...
Um abraço, e até breve!
Miguelsódela
Vejo Portugal deitado num divã de consultório psiquiatrico em busca de identidade e de uma boa dose de auto-estima!
Portugal (Portugueses) tem de ACREDITAR mais no seu valor, na sua cultura, na sua História... Gostar mais dele próprio e deixar de lado o PROZAC.
Boa tirada tionosso
Gostei muito da forma como expôs aqui o Saramago. Sei o que pensa em relação a este homem como escritor. ;-) deixa muito a desejar...
Um beijinho
danieladomiguelsobrinhasua
Gosto demasiado destes pontinhos de prosódia que enfeitam os textos para me dar bem com o «saramaguês»... e mais confesso que me obriguei a ler vários livros do nosso Nobel só depois do prémio. Ele sabe que foram as suas ideias que lhe deram o galardão, não o facto de ser exímio no verbo. Por isso abusa no fim da estrada, parece-me natural, inteligente como é.
Queria aqui referir uma opinião de um tio meu, por afinidade, a quem sempre muito prezei por ser uma pessoa muito esclarecida, que tinha uma simpatia extrema por nuestros hermanos. Dizia ele, há quarenta anos atrás, que o 1º de Dezembro nunca deveria ter existido e nós seríamos agora um grande país, com uma História de se lhe tirar o chapéu!
Aceitar isso hoje, é demasiado para mim, sentir-me-ia a filha amada a quem retiram a mãe adoptiva, mas lá que o meu tio Luís tinha razão, ai isso tinha! Quanto mais não fosse não andaríamos sempre a lamentar-nos, envergonhados de nós, do nosso sol, das nossas praias, dos nossos rios, teríamos ficado com alguma ALEGRIA!!!
De facto... não percebo se será senilidade, ou tão somente pensar que a medalha lhe dá o direito de dizer o que lhe sai da boca...
... com todo o respeito que ele me merece, era bom que ele nos explicasse melhor...
Um abraço
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