terça-feira, julho 17, 2007

O ENXERTO DE SARAMAGO

Saramago, Prémio Nobel
da lingua portuguesa

Numa entrevista concedida ao «Diário de Notícias», Saramago disse: «Portugal acabará por integrar-se na Espanha». E assim, breve, à sua volta, os homens de cultura ficaram em choque: porque uma coisa é fugir por medo, passados que são séculos de história, outra é anunciar algo que nunca será uma escolha e que, como soberania importada de fora, com cumplicidades cá dentro, acaba como retrato da traição. Algumas das reacções a este mergulho em direcção à jangada de pedra, mostram fundamentada indignação: porque Saramago tem uma «dívida para com a língua portuguesa», move-se numa rodilha de azedumes ligados à «ortodoxia marxista-leninista» Mais: «uma provocação deve ser motivo de reflexão» e a mim ocorre-me dizer que uma provocação deve ser antecipadamente reflectida, sobretudo como neste caso, dada a sua importância e os créditos de quem a soltou. Apesar das suas intervenções, quando convidado pela televisão, revelarem um contido apreço pelos problemas do homem e da criação, sem derrapagens deste tipo, nota-se que o desconforto de Saramago em relação a Portugal emerge aqui e além numa espécie de elipses ou de ardilosas metáforas. Saramago é agora acusado de ser incapaz de defender Portugal»

Martins da Cruz, Ministro dos Negócios Esrangeiros de Durão Barroso, foi talvez quem mais reagiu à frase da Saramago. «A visão de Saramago é uma visão do século XIX e não do século XXI. É muito fácil odiar Portugal no estrangeiro, o que é difícil é defender os interesses de Portugal no estrangeiro, e isso o sr. Saramago é manifestamente incapaz de fazer». Nesta linha de abordagem à insólita situação, também houve reacções de muitos intelecuais e escritores, como Vasco Graça Moura ou Manuel Alegre. «Ele tem a responsabilidade de ter ganho o Nobel da Literatura com a língua portuguesa», disse o poeta Manuel Alegre. «Saramago concebe a realidade como sendo gerível com uma engenharia de racionalidade» (considerou Graça Moura). Por muito que a medalha do Nobel notabilize um homem, neste caso um português, isso confere-lhe mais deveres perante a língua e a Pátria donde se alcandorou a esse galardão, do que direitos enviesados, má fé, arrogância, eufemismos perversos. Os direitos de expressão têm de ter sempre em conta os outros -- e, em casos assim, menor sensacionalismo e profunda reflexão sobre a hipótese formulada. Por mim, na raiz do meu ser e da minha língua, da nossa cultura e considerável antiguidade, muito teria para dizer a Saramago (apesar das minha deficiências e das fragilidades não usufruirem o benefício dos media), pois considero que o escritor contraiu uma grande responsabilidade a vários níveis. Portugal honrou-o, perdoou-lhe muitas sinuosidades, conversou civilizadamente sobre os valores humanos e a necessidade da arte. A caricatura da «Jangada de Pedra», Portugal voltado para a América e a Espanha com as suas feridas voltadas para a Europa, a cicatrizar, não tem necessariamente que deslizar para o sul. E era melhor a ideia de que essa ruptura servisse para ligar de novo os dois continentes, voltando assim a uma certa verdade original. Saramago deve reflectir, partindo de dentro de si mesmo e fazendo auto-crítica. Nas pedras de Lanzarote. Observando as condições capazes de permitirem saudavelmente o enxerto de uma coisa na outra. E a lembrar-se da humilde grandeza com que escreveu «Levantado do Chão».

4 comentários:

Miguel Baganha disse...

Um homem que escreve sem pontuação, arrisca-se a ser mal-interpretado, João...(risos)

Honestamente, penso que ele exerce esse paradigma, como forma de prevenção.Não obstante a sua boa qualidade literária, é um escritor precário, sem o nível do galardão que lhe foi atribuído.Bom para ele e mau para a cultura, eu não ter feito parte da comitiva que o elegeu.

- Martins da Cruz disse: «É muito fácil odiar Portugal no estrangeiro...»

- Manuel Alegre disse: «Ele tem a responsabilidade de ter ganho o Nobel da Literatura com a língua portuguesa.»

- Graça Moura disse: «Saramago concebe a realidade como sendo gerivel com uma engenharia de racionalidade»

- João Rocha de Sousa disse: «Por muito que a medalha do Nobel notabilize um homem, neste caso um português, isso confere-lhe mais deveres perante a língua e a Pátria onde se alcandorou a esse galardão, do que direitos enviesados, má fé, arrogância, e eufemismos perversos.»

Miguel Baganha disse: « Um homem que cospe no prato onde come, não é digno de lá voltar a comer.»

De todas as citações, gosto mais da última.E acredite ou não, João...ao exprimir-me desta forma, tive em muito boa conta os direitos deste escritor de opiniões controversas e sensacionalistas.

E a "pontuação" final é:
Rocha de Sousa(1)
José Saramago (0)

Vencedor por K.O.- João Rocha de Sousa

Bela tareia, tioJoãonosso...

Um abraço, e até breve!

Miguelsódela

naturalissima disse...

Vejo Portugal deitado num divã de consultório psiquiatrico em busca de identidade e de uma boa dose de auto-estima!
Portugal (Portugueses) tem de ACREDITAR mais no seu valor, na sua cultura, na sua História... Gostar mais dele próprio e deixar de lado o PROZAC.

Boa tirada tionosso
Gostei muito da forma como expôs aqui o Saramago. Sei o que pensa em relação a este homem como escritor. ;-) deixa muito a desejar...

Um beijinho
danieladomiguelsobrinhasua

jawaa disse...

Gosto demasiado destes pontinhos de prosódia que enfeitam os textos para me dar bem com o «saramaguês»... e mais confesso que me obriguei a ler vários livros do nosso Nobel só depois do prémio. Ele sabe que foram as suas ideias que lhe deram o galardão, não o facto de ser exímio no verbo. Por isso abusa no fim da estrada, parece-me natural, inteligente como é.
Queria aqui referir uma opinião de um tio meu, por afinidade, a quem sempre muito prezei por ser uma pessoa muito esclarecida, que tinha uma simpatia extrema por nuestros hermanos. Dizia ele, há quarenta anos atrás, que o 1º de Dezembro nunca deveria ter existido e nós seríamos agora um grande país, com uma História de se lhe tirar o chapéu!
Aceitar isso hoje, é demasiado para mim, sentir-me-ia a filha amada a quem retiram a mãe adoptiva, mas lá que o meu tio Luís tinha razão, ai isso tinha! Quanto mais não fosse não andaríamos sempre a lamentar-nos, envergonhados de nós, do nosso sol, das nossas praias, dos nossos rios, teríamos ficado com alguma ALEGRIA!!!

Maria disse...

De facto... não percebo se será senilidade, ou tão somente pensar que a medalha lhe dá o direito de dizer o que lhe sai da boca...
... com todo o respeito que ele me merece, era bom que ele nos explicasse melhor...

Um abraço