terça-feira, outubro 23, 2007

JOGOS POUCO INOCENTES *

Rodrigo Guedes de Carvalho
Comecemos por uma questão que tem muito a ver com as perversões do sistema editorial e pouco a ver com a literatura: o sistema que consiste em fazer passar por literárias umas pequenas histórias, nas quais se agitam umas figuras astuciosas chamadas «personagens». Tais formas de representação mais ou menos derivadas de um realismo triunfante alimentam-se de ninharias sentimentais, de um psicologismo primário, ou então da reconstituição histórica. Esta fabricação de livros em larga escala e com grande alarido tornou-se bastante permiciosa a partir do momento em que colonizou o espaço público e forneceu uma «imagem» completamente inócua da literatura. Neste sistema, a literatura é exclusivamente o romance, e nada mais existe. Um sinal eloquente deste estado de coisas é a generalizada aberração gráfica das capas dos livros. A fotografia de tipo jornalístico com alguns maneirismos artísticos tornou-se regra e já começa a invadir as capas dos clássicos que vão sendo reeditados. Neste sistema, a figura demasiado pública de Rodrigo Guedes de Carvalho ocupa uma posição de risco - a do jornalista de televisão que escreve romances - na medida em que corresponde a um estereótipo do escritor destinado a um sucesso fácil, isto é, ao sucesso que, no campo literário, nunca se converte em«capital simbólico». Serve este excurso para dizer que Canário responde a exigências que o subtraem ao contexto demasiado «profano» de onde emerge e não se deixa incluir no vasto parque de atracções criado pelo sistema mediático editorial.
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Este extracto do artigo «Jogos pouco inocentes» (revista Actual/Expresso) da autoria de António Guerreiro* aborda um problema cada vez mais grave no nehócio dos livros, roda de jogos e sorteios entre tráfico de influências, em que alguns talentos são ostensivamente espezinhados e outros, por lugar e circunstância, se situam no Sistema (em desordem) das editoras que se gabavam de descobrir qualidades e editar obras de referência. Neste livro, diz António Guerreiro, é muito visível o contraste entre aquilo de que o autor é capaz e os lugares onde vacila.

4 comentários:

Anónimo disse...

sr. rocha de sousa, já tinha visitado o seu blog algumas vezes, ainda que não tivesse cá deixado a minha marca.
mas fiquei sinceramente emocionada com o seu comentário no meu blog. foi exactamente isso, um sopro, aquilo que escrevi. sem pensar.

quanto ao assunto por si abordado, confesso que o preconceito me levou a olhar um pouco de lado para a obra do rodrigo guedes de carvalho. mas tenho também bastante curiosidade em conhecê-la, mais agora depois de ter lido o excerto que aqui publica.

um abraço.

Rui Caetano disse...

ESta questão é mesmo muito pertinente.

jawaa disse...

Não vejo como reverter esta situação...

Carla disse...

Uns tem tudo com quase nada...
Outros não tem nada, com quase tudo...
Bjx