terça-feira, março 04, 2008

DERIVA DA JANGADA DE PEDRA

JOSÉ SARAMAGO

Estabelecido na ilha espanhola de Lanzarote, José Saramago, prémio Nobel Português, tomou a iniciativa de aderir à Plataforma de Apoio a Zapatero, o líder do PSOE que se recandidata a um novo mandato. Trata-se, bem vistas as coisas, de uma opção política estranha, sobretudo tomando na devida conta o facto de que este escritor é um dos mais distintos militantes de base, há várias décadas, do Partido Comunista Português. Com efeito, somada esta intervenção com outras demonstrações do tipo de afecto que Saramago mitigadamente nos confere, a posição que assumiu parece permitir que os seus concidãos se interroguem, nomeadamente como aconteceu no blog «resistir» (próximo dos sectores intelectuais comunistas portugueses) pelo artigo de Cristóbal Garcia Vera intitulado «A discreta deriva de José Saramago para a outra margem». E mesmo nessa perspectiva, os argumentos são brandos: evocar o facto de que Zapatero, apesar de haver retirado as tropas espanholas do Iraque, foi um fiel aliado dos EUA na guerra global contra o terrorismo, parece pouca coisa para reparos ou indignações. Nem isso, nem o facto do exército espanhol continuar ocupado no Afeganistão, com aumento de efectivos. Para o jornalista Cristóbal Garcia, importa também o facto de muitos considerarem o mandato de Zapatero pouco louvável para os cidadãos em geral, não tendo havido a melhoria da situação do país, em termos de bem-estar, como referem os seus correligionários. São aqui introduzidas outras observações negativas, e graves, sobre o que terá acontecido entretanto, incluindo a saúde e a educação no país vizinho. «Com a injustificada vénia que costuma conceder-se aos ícones da esquerda (escreveu Cristóbal), o escritor português tem protagonizado um paulatino processo de deiritização, com episódios especialmente infelizes» E aponta a posição tomada por Saramago junto ao grupo PRISA, numa das suas mais agressivas campanhas contra o governo cubano ou a sua desqualificação da guerrilha colombiana das FARC como meros bandos armados, atitude que provocaram as primeiras críticas isoladas contra o Nobel Português. (1) Estas questões, entre outras, não inquietaram os intelectuais portugueses, nem mesmo, seriamente, o Partido Comunista. Mas essa aparente indiferença, num país onde se faz capa larga a pequenos casos do dia-a-dia da política, teria aqui uma grandeza superior se não acontecesse pelas piores razões do nosso redutor comportamento sócio-cultural. Muitas das atitudes de José Saramago, cujas mágoas interiores são insondáveis, devem-se mais ao seu mal disfarçado azedume pelas críticas e avaliações soprando, breves, entre nós, do que por uma guerra política contra personalidades do país que adoptou como país de acolhimento, aliás bem mais generoso do que Portugal em termos de benefícios materiais e largueza das mediatizações. O rectângulo onde Afonso Henriques iniciou um reino historicamente importante não vale pela sua dimensão, nem pelas suas mazelas, mesmo que o reivindiquemos maior do que Lanzarote. A grandeza que Saramago deveria reconhecer-nos é aquela que nobilita (sem bajular o poder) o seu livro «Memorial do Convento». Talvez essa seja a sua melhor obra, e tem Portugal nos feitos, na raiz, no povo e no sangue. Ter-se-á Saramago enganado ao virar a esquina, durante a cegueira branca que laboriosamente descreveu numa das suas obras posteriores ao Nobel? O seu amor por Vilar não explica tudo, nem ausência, nem impaciências, nem descrenças. Portugal está na língua em que ele se exprime e seria porventura mais natural, em jeito de referência dignificante, que reflectisse sobre as suas raizes, que se empenhasse publicamente, sem desvarios, no aprofundamento da natureza desta sua Nação, a do Convento e das Caravelas, a de hoje, na Europa, pobre, discutível, mas digna de ser olhada e pensada pelo seu primeiro Prémio Nobel em literatura. Apoiar o PSOE seria, com natural justificação, um recado a sua mulher, sem interferência pública no aparentemente seu país de culto. Imaginem que o rei, como na Venezuela perante outra personagem, lhe dissesse: «Esses são casos da nossa conta. Porque não te calas?

(1) em referência ao artigo de Cristóbal e ao tratamento do assunto no Diário de Notícias 3.03

1 comentário:

jawaa disse...

Pois.
Não sei como comentar Saramago.
Penso algumas vezes no «nosso» Nobel, como professora (também como mãe). Não me restam dúvidas de que ele ama Portugal e a sua língua acima de tudo.
Foi como um menino de rua que entrou na escola e cresceu sem o apoio familiar, cheio de dificuldades, mas com empenho. Não superou ainda a sua mágoa de não ser igual aos outros, os colegas não esquecem a sua origem, não lhe reconhecem o valor que tem e ele não perdoa.
Porque encontrou uma professora amiga - mas estrangeira - que elevou a sua auto-estima, ele tudo faz por ela, e ela tem muita força.
É justíssimo o que lhe pede o meu amigo, mas o carinho e o apoio vêm-lhe sempre do outro lado... e ele não vê mais nada.
Entende por que eu disse antes que também ele tem o direito de sentir-se amado sem reservas pelos seus? O amor faz milagres, mas tem de saber dizer-se que se ama.
Não se pode dar, sem receber.