segunda-feira, julho 28, 2008

A INFORMAÇÃO REDUTORA, DESDITOSO AMANHÃ


Leio habitualmente as crónicas de Clara Ferreira Alves na revista Única, do Expresso. É raro não estar desse lado da escrita, da forma de ver o mundo, nas admiráveis imagens sobre situações em invulgares derivas pelo mundo. Desta vez (26. 07. 08), Clara intitula o seu texto com a expressão SPAM LUSITANO. «Uma boa parte do que se publica nos jornais é Spam. Spam é lixo electrónico, a quantidade inesgotável de mails e mensagens sobre coisa nenhuma, avisos e alertas desnecessários, indignações de rodapé e comentários de nada». Em torno disto, nos diversos graus de operacionalidade, os milhares de milhões de dólars gastos assaltam qualquer noção de bens verdadeiros e de segurança no caminho para o futuro. Toda a vigilância sobre a consciência é inútil: o lixo retorna com enormes propriedades de ser hiperexplicado e eufórico, denso de infiltração no que pode ser a nossa identidade mais profunda e verdadeira.
«Existem novas leis: a imagem sobrepõe-se à palavra, a palavra tem de estar dividida e segmentada em parágrafos e pedaços, com destaques, de modo a prender a atenção. Na luta infernal pela atenção dispersa do ouvinte, leitor, espectador, tudo tem de ser hiperexplicado ou, em alternativa, sensacional e disfórico. Uma vez convenientemente digerida nos intervalos de outras informações que competem entre si, a informação não chega a ser hierarquizada nas nossas mentes e tudo é igual a tudo, na grande teoria da indiferenciação cultural que gera a nossa indiferença. Só o aberrante, o pais austríaco que manteve a filha prisioneira durante 24 anos, ou o grandioso, a Espanha ter ganho o Europa 2008, ou o catastrófico inovador, o tsumani na Ásia que matou 250.000 pessoas, ou o criminoso policial, o desapareciento de Madeleine McCann, provoca a nossa intenção não dividida.Todo o resto cai em saco roto, e não nos espanta ver em rodapé de um noticiário pimba de televisão a notícia 180 mortos no Iraque em atentado terrorista, porque a notícia que devia ser importante tornou-se secundária. O terramoto da China foi completamente engolido nas nossas televisões pelo futebol e os desígnios insondáveis de Scolari».

Valerá a pena transcrever mais? Os telejornais podem abrir com notícias de um negócio de compra de jogadores de futebol e os factos internacionais pulverizam-se a todo o instante. Mesmo as nossas realidades comuns e incomuns passam ao formato e ao conteúdo dos tablóides mais grotescos. Clara Ferreira Alves termina um parágrafo esclarecedor com a segunte frase:«o major Valentim é mais importante do que as tropas portuguesas no Afeganistão?». A mediocridade toma conta do nosso espaço físico e cultural como o maior dos derrames de crude sobre países inteiros. A brutalidade de tudo isto acontece na própria estrutura em que nos movemos, numa completa dependência de um único (e esgotável) meio de produção de energia. A deriva de quotidianos concentrados no consumo grosseiro, nos espectáculos megalómanos, nas bandas que ensurdecem toda a gente em parques carregados de 30 a 40.000 pessoas, a eleição sacra dos desportos radicais e a pompa luxuosa como por vezes são apresentados, tudo isso bloqueia a qualidade plural de direitos que acabamos por atirar para o caixote do lixo. Os cérebros atrofiam-se, o corpo incha, a indiferença pelo sofrimento cresce. Os dietistas e coordenadores de ginásios inventam a maravilha de um corpo afinal cada vez mais obsoleto, mesmo que capaz de sobreviver mais anos. A própria farmacologia tornou-se, à escala global, um horror de propaganda e duplicações terapeuticas desnecessárias. Tudo se distende em deformação manipuladora, em informação castrante, em diluições das identidades nacionais. A civilização, assente em tais pressupostos de crescimento, e não de medida ou bom senso, finge organizar-se mas tende para a implosão.

Perguntava um senhor de bengala a um menino da rua: «Bom, agora que já comeste o bolo diz-me lá o que é que queres ser quando fores grande?
E ele, com a esperteza amarrotada: «Jogador de futebol»

2 comentários:

Miguel Baganha disse...

Pois é, tiomeu, tudo o que acaba de referir não é mais do que a mediocridade mundial a assumir um papel de destaque neste mundo «pimba» e materialista de identidade perdida.
Onde o valor intrínseco, não passa de um verbo de encher.

Vai valendo ( pelo menos par mim )o livre arbítrio do " zapping "...

Zap, zap, zap... - Ena, que programa bestial está a passar agora no canal "construpintar"!!!...

" A sério? "

- Sim, poeta.
É um programa cultural,
Onde se vai discutir a
BELEZA NO APODRECER.

" Isso parece-me interessante...
Será que vão falar na
M.Ferreira Leite? "

- Não sejas parvo, poeta.
O tema é sobre:
«Os belos velhos, velhos e silenciosos».

" Agora fiquei curioso. "

- Anda daí,
Vai começar agora mesmo...

---------------- * ---------------

Bom, Tiomestre... acho que vou aproveitar a dica e seguir aqueles dois. Se fosse a si, fazia o mesmo!

Gostei de o lêr.

até já... abraço-o com saudade,


Miguelzap

naturalissima disse...

Muitas escolhas tiomeu, mas todas elas iguais... com as diferenças de serem algumas, piores do que outras.
A Sociedade é formada por todos nós, logo acabamos por ser cumplices quando consumimos (assumindo) e/ou produzimos este LIXO todo.

Cabe-nos a nós fazer a verdadeira escolha. E isto parte da nossa formação de base. Onde a educação cultural partindo de casa, nos leva a ver e sentir o mundo de forma aberta, livre para melhor seleccionarmos o mau do bom, do que é que nos pode dar mais como humanos, como individuo perante o mundo em geral.

Pessoas como o tiomeu, não deixa de ser um excelente exemplo disto.
Oferece-nos sempre, TAMBÉM AQUI, neste espaço virtual, conteúdos variadissimos de grande qualidade.

E agora vou de mão dada com o Miguel :)

beijinhos muitos
nada de pimbalhada... hahaha...

DanielaBaganha