terça-feira, julho 01, 2008

NARCISA DOUBLE LIVE ou Ana Teresa Vicente


Esta exposição de fotografias de Ana Teresa Vicente mostra o lado mais profundo desta forma de registo e expressão, domínio onde a tecnologia abriu novos espaços de pesquisa, o que é notório, aliás, nos exemplos aqui apresentados. Aqui, uma jovem licenciada (Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa) trabalha uma encenação das coisas, dela mesma, em confronto com o espelho. O espelo ele mesmo. O espelho que resulta de uma janela e dos olhares que a atravessam e retornam. Ana Vicente pode questionar a distância, entre portas, ou projectar-se no espelho sem que a atitude narcísica se consolide, antes explica o Outro por fragmentações do real, detalhes, essa espécie de invisibilidade que continua existente epois da apropriação do visível.
Um dos problemas hoje recorrentes concentra-se na realidade e na aparência do corpo, dilatando-se a relação entre o sujeito e a sua imagem. A arte contemporânea, fracturante, legitimou diversos modos de aceder ao imaginário e de trazer para o espaço da realidade. O mito de Narciso, em vez de nos amarrar a um processo de auto-contemplação, desdobra-se num plano de múltiplas alucinações, entre o que se julga ver e a dimensão do sonho.
Ana Teresa Vicente, com as suas belas fotografias, chama-nos a atenção para muitas coisas, do projecto mimético, cara a cara, pelo espelo, o encontro com o Outro, ilusão que tem vindo a centrar-se na edificação da bra em superfície. Nesse sentido, cita Roland Barthes quando ele nos fala da ideia de Spectrum ao abordar o sentido de uma fotografia: «assim que permito ser fotografado, torno-me num espectro, numa sombra» As velhas fotografias dos nossos avôs, algo desfocadas em sépia, são agora mais verdaeiras do que no tempo em que eles viveram, tempo em que ainda desconhecíamos a sua verdadeira natureza de fantasmas. Memória para o futuro, tais apropriações dependiam e dependem de actos de encenação. E a nossa criação de novos duplos, após esse reencontro, tudo liberta e tudo irrealiza em ordem a outra invenção do real.


fotografias de Ana Teresa Vicente

5 comentários:

naturalissima disse...

Trabalhos curiosos e muito interessantes, pela forma como são registados,... em ambientes magnificos, de carga emocional e metafisico muito fortes... O personagem, espirito solto, mas que não deixa de estar preso a lugares frios e degradantes.
Expressão muito bem apanhada, como se de pesadelos se tratasse; ou de um filme de terror...
Gostei de conhecer.

Continuação de uma boa semana
beijinhos
Daniela

jawaa disse...

Interessantes imagens;
obrigada pela ajuda na descodificação.
Bom fim de semana.

Unknown disse...

LOGO QUE VI ESTES TRABALHOS...LEMBREI-ME DA FRANCESCA WOODMAN. ARTISTA DOS ANOS 70...GRANDE FOTÓGRAFA...COM UM TRABALHO NOTÁVEL E PERTURBANTE! É CERTO QUE TEMOS SEMPRE INSPIRAÇÕES EM ALGUÉM...AQUI PARECE-ME ...EXCESIVO.
MARIA DE FREITAS

Unknown disse...

Doutor Rocha de Sousa,

Foi com enorme prazer e emoção que li o seu texto relativo ao meu trabalho "Narcisa (Double Life)".
Queria agradecer-lhe todo o interesse demonstrado, bem como as cativantes palavras que lhe dedica!
Noutra nota, deixo-lhe o endereço do meu portefólio, onde poderá ver as duas séries que compõem este trabalho: www.anateresavicente.carbonmade.com

Com os melhores cumprimentos,

Ana Teresa Vicente

Miguel Augusto disse...

As fotos são muito ao "estilo" das "Fotografias de Dentro e de Fora" de Jorge Molder em 1978/79...deja vu...