segunda-feira, julho 14, 2008

S.VICENTE, AS PRAIAS DO FIM DO MUNDO

fotografia de Paulo Barata (fragmento)


Lá para o fundo
das terras do fim do mundo,
as de perto,
pertode S. Vicente,
orladas de rochas onduladamente,
há praias em concha plana
que são breves desertos
escondidos pela Natureza
entre abismos de falésias fracturadas,
brancas e lisas enseadas,
curvas largas, lentas, em belos sedimentos
sempre afagadas pelas marés subindo.

Há gaivotas que voam devagar, rindo.
Há murmúrios das águas saltando, abauladas,
sobre as rochas baixas, redondas, faseadas,
paisagem rasa e geométrica,
cascos e barcos outrora partindo,
barcaças, depois traineiras, sem braços nem velas,
sempre a velha aventura do mar nas tardes belas,
sempre a falésia do promontório, vigilante,
e as vozes soltas dos pescadores rasurados,
peixe de rede, lulas à candeia, polvos com tridente,
ninguém antes nem depois do retorno à muralha.
Há horas assim, muitas, com sardinas saltando na malha,
ou tentáculos estendidos nas canas a prumo,
crucificados, feridos,
lagosta dos pobres nos dias seguintes,
petisco depois das lides.
e olhares de longe, do cimo da falésia,
como quem espera o fim das marés
e o direito de usar as asas de da Vinci
para pousar no anfiteatro dos deuses,
poucos, solitários, já destituídas de transcendência
ou de asas próprias de cada ascendência.

E então, nas praias desertas, mal habitadas,
um milagre aconteceu.
Não era um deus com asas de madeira,
nem Ícaro, nem da Vinci.
Era apenas um jovem saltando do alto da falésia
pendurado num belo e leve pano de riscas coloridas,
pássaro brincando, subindo e descendo
em traços de curva perfeita,
por vezes tão baixo que tocava o mar,
logo voltando a subir, a subir,
até desaparecer na quina das altas rochas a prumo.
As gaivotas, suaves,
seguiam-lhe de longe o milagre do rasto.

2 comentários:

jawaa disse...

Magnífico poema.
Um abraço(quase)de Cabo Verde

fernanda f disse...

Lindo.