domingo, dezembro 07, 2008

MANOEL DE OLIVEIRA,CEM ANOS E 77 DE CINEMA

Manoel de Oliveira
Manoel de Oliveira, português, atingiu, sem incidentes de maior, aos cem anos de idade, setenta e sete anos de actividade no cinema, como realizador. É uma situação verdadeiramente singular, sobretudo porque, além da idade, este artista continua em plena actividade, tendo na última década realizado mais de um filme por ano. Internacionalizado e consagrado, com diversos prémios, tornou-se um dos símbolos maiores da arte que, pelas suas mãos e pelo seu olhar, começou longe, com «Douro, Fauna Fluvial». É o mais idoso cineasta do mundo (e a trabalhar), não tendo planos, segundo diz, para deixar de dizer a palavra mágica «acção!». Trata-se de um «destino» de assombro, em especial se pensarmos que se trata de um português, cidadão deste pequeno país, sem largueza de território e de gente para pensar ou frequentar as artes. De início também Manoel Oliveira passou por longos períodos de espera, ao que se somava a áspera encenação do seu cinema quando da maioridade possível. Longos planos fixos, uma direcção de actores inaceitável ou inexistente, ideias fulgurantes discutivelmente inseridas na teia do discurso, arrastamentos vários, luzes patéticas. Os franceses enamoraram-se bem depressa por este tipo de expressão cimatográfica, sobretudo por uma tradição cultural compatível e porque, não percebendo a língua portuguesa, pasmavam diante de monólogos ditos no mais embaraçado estilo liceal. Saiu até à mitificação, incluindo a invulgaridade da origem e a cada vez mais nítida proposição temática sobre Deus e o Homem.
Manoel de Oliveira vai passar o dia em que festeja o seu centésimo aniversário, quinta-feira, a trabalhar na rodagem de mais um filme: Singularidades de uma Rapariga Loura, inspirado no conto de Eça de Queirós. A crítica estrangeira não lhe poupa elogios. O Director da Cinemateca Portuguesa chama-lhe «um prodígio». E as mais altas personalidades do Estado associam-se à homenagem nacional. Somos frequantemente assim, ou oito ou oitenta. Isto acontece noutros sectores das artes, como se sabe, tudo é mau à partida; mas basta passar Badajoz, acenar em Madrid, expor-se em França, onde a curiosidade supera a inveja, e logo os ventos trazem o princípio da fama. Assim tivemos um Prémio Nobel da Literatura, comparências em Veneza, Cannes, Berlim. Os prémios de Cannes viabilizaram o cinema novo português, as rotas do mundo começaram a abrir-se aos artistas plásticos, escritores, aos músicos, aos poetas. Temos produções de raro valor nesses campos e mal sustentados pelos jovens comedores de bandas ruidosas e espectáculos de grande presença, não de grande valor.
Manoel de Oliveira, seja como for, fez um tirocínio com algumas dores; mas, quando começou a levantar voo nunca mais parou, nem o tempo nem a morte deram por ele.

3 comentários:

jawaa disse...

É o golpe de asa que possibilita mais azul.
Portugal no mundo por boas razões, finalmente.

Miguel Baganha disse...

Não, João.Aqui neste artigo, a antítese não tem lugar.
Não me atrevo a contestar, muito menos a desmentir o seu juízo sobre o Manoel de Oliveira. Este realizador jurássico, com efeito, é excelente e singular na classe a que pertence, além de afortunado pela longevidade da sua existência, enquanto homem.

Gostei do "abanão" que o João dá aqui aos responsáveis pelas artes, ao referir que é necessário uma opinião da Europa para a consagração dos nossos artistas. Pela razão evocada, muitos artistas de raro valor estão ainda numa interminável fila de espera. Talvez quem sabe, à espera de Godot... ( eu sei para que servem as reticências, mestre! ) ;-)

Com a devida justiça, ambos trouxemos à memória dois grandes artistas portugueses. Porém, apenas uma pequena mas vital diferença os separa: um, morreu afogado mesmo pertinho da praia, o outro é capaz de nadar, nadar e nadar, desafiando os limites da resistência física e desconhecendo quando irá parar. Em suma, é isto que nos motiva, que nos move. Uma procura incessante, dia após dia atrás de algo que preencha o lugar da dúvida.

Tomara que o tempo e a morte(especialmente esta)também não dêem por si, Pré-OcleJoão.

Um abraço,
Pré-neveuMiguel

bettips disse...

Como ouvi/pensei ontem: não são os grandes industriais, os políticos de passagem, os banqueiros, que ficarão para a posteridade.
Estes são os verdadeiros embaixadores, nossos!
Abç