Uma figura de relevo da Igreja Católica, em declarações reiteradas, tem insistido publicamente que o Holocausto não passa de uma manipulação contra a História, nunca aconteceu, devendo estimar-se em cerca de duzentos ou trezentos mil os judeus mortos nas repressões e incidentes da 2ª Guerra Mundial. Personalidades de todo o mundo, e de muitas áreas do pensamento humano, têm, por sua vez, protestado com laminar indignação perante este incidente que já nem cabe no que de mais retrógado persiste nas próprias elites do Vaticano. O silêncio de omissão mantido pelo Papa vem, mais uma vez, ensombrar o seu pontificado: o que se lhe exige é o cumprimento do seu poder sobre a hierarquia dos seus cardeais e bispos, entre o rigor das atitudes e a sensata ligação delas ao senso dos cléricos no seu território evangelhico. As vozes insistem em que o Papa repreenda o pronunciante, as suas palavras, a sua distorcida visão da História e do mundo. Tarde, sem maiores consequências de esclarecimento para com a sua comunidade religiosa, julga-se que o Papa terá, enfim, proibido a propalação daquele discurso sem base no mais sólido conhecimento adquirido e provado sobre aquele aterrador crime contra a humanidade. Será que devagar se vai ao longe? O Papa será um precioso teólogo mal assessorado por entidades humanistas? Como é que o mundo poderá tomar contacto mais ilustrado e visivel com as posições de Bento XVI em circunstâncias desta natureza?
Eluana sofreu um acidente de viação há dezassete anos, tendo ficado inutilizada para esta vida a que chamamos de humana e pela qual a ciência se tem batido estoicamente, obtendo resultados cada vez mais avançados, num assombro tal que os seus intérpretes chegam a cometer actos de tão grande quanto absurdo zelo. Primeiro com a conivência da família, agora já perante o desespero de comunidades inteiras, os médicos têm mantido a vítima, durante todo este tempo de dezassete anos, ligada às máquinas e por tanto em estado vital, letárgico, sem qualquer percepção das coisas e de si própria, um sopro mecânico capaz de simular, em sinistro prodígio, a aparência do sono.
Sempre que este assunto se coloca às sociedades, perante casos hediondos de sofrimento e de «prolongamento» dos sinais vitais das vítimas, nada ou apenas isso, mesmo perante casos de morte cerebral confirmada, a maior parte das pessoas vinculadas à religião, no nosso caso a Igreja Católica e a sua insustentável concepção do Universo, reagem muito mal à paragem de assistência mecanizada, com ajuda suave para evitar longos e inúteis sofrimentos em indivíduos cuja morte não está a ser anunciada, está a ser camuflada. Esta atitude é hoje impensável e alguns casos célebres, sobretudo de um tetraplégico em Espanha, despertaram a reflexão sobre a vida e a morte, a relação entre o homem e Deus. A Igreja, que condena o aborto mesmo em casos muito controversos, que renuncia a todos os métodos contraceptivos insinuando a mera funcionalidade reprodutiva dos casais, também aqui, sem base nos pressupostos teosóficos, éticos, humanistas, e mesmo apenas religiosos, se opõe a qualquer prática de eutanásia (rigorosa e assistida) para que os casos de mortes arastadas e de um sofrimento clamoroso sejam evitados.
Muitas perguntas se podiam fazer aqui. Porque há decisões deste tipo que são contraditórias, dos
próprios princípios sobre a vida, sobre a solidariedade, sobre os direitos humanos em ordem à qualidade da vida e do próprio prazer. Se o casal constituído por um homem e uma mulher, rejeitando todos os métodos contraceptivos, excepto aquele que se diz natural (Ogino), procura dar ao mundo filhos desejados e nunca o consegue por causa de um incidente de infertilidade feminina ou masculina, que diz a Igreja a estes exemplares seguidores da doutrina? Há sempre a inacessível máxima que nos assegura «serem insondáveis os desígnios de Deus». Num caso destes, em certa aldeia no norte da Europa, o padre consultado poderia ter respondido: devem comportar-se consoante a lei de Deus, apesar do vosso incidente, o qual a Deus se deve. Já ouvi contar esta história passada no Alentejo (é lá que tudo tem o contexto sócio-cultural adequado, diz a maioria dos falantes). Nesse caso, o padre consultado disse apenas: «desenrrasquem-se.» E os «pobres de espírito» insistiram: «Mas a gente não sabe desenrrascar uma coisa destas». O pároco, de nariz avermelhado, agora com ar mais bondoso, disse: «Em verdade, como sabeis, os casais, com a regra da Natureza ou a abstinência, cumprirão uma procriação limpa de pecado e apoiada pelo senhor. Mas como vocês não podem ter filhos segundo a regra, isso significa certamente que Deus os presenteou com uma vida conjugal feita só de prazer».
Ali perto, nessa zona, havia um rapaz que tratava sozinho da mãe, cuja vida se reduzira a uma respiração incerta e muda. A senhora sofria imenso, gemendo todo o tempo, e o filho, ao ouvir falar na eutanásia legalizada na Holanda, também resolveu consultar o padre. Este explicou-lhe, pelas suas próprias palavras, naturalmente enviesadas, escudadas pelo pecado, em que consistia a eutanásia. O rapaz coçou a cabeça e perguntou ao seu pastor: «Então, se a minha mãe está a sofrer tanto e já nem vive, só respira, os médicos podem deixá-la morrer devagarinho, sem dor?» O padre ergueu as mãos e colocou-as, com força, sobre os ombros do moço. Então disse, com forte determinação: «Não, meu filho, médicos são homens como nós. E isto não é um caso que caiba aos homens. É só tarefa de Deus»
2 comentários:
O problema é que Deus está demasiado velho, retrógado e senil: totalmente incapaz de deliberar.
Está mais que na hora do Homem O ajudar nas suas tarefas e atenuar o sofrimento de milhões de pessoas que passam a vida a morrer um dia de cada vez.
Um abraço,
Miguelproeutanásico
Os homens apropriaram-se demasiado da Vida para entregarem a Morte nas mãos de Deus.
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