Quando mais envolvido pela vida me senti, nas fases tipificadas do desenvolvimento do corpo, da razão e das emoções no quadro abrangente da consciência, mais me fui apercebendo das pressões desajustadas que se exerciam sobre mim. Há nesse encontro com as coisas e os factos, à medida que nos damos conta dos efeitos do exterior sobre nós, uma brutal exigência de descoberta e de entendimento do real, através do imperativo de fazer escolhas espúrias, quer para fora de nós, quer sofrendo os embates de fora sobre a nossa própria condição humana.
a menoridade das campanhas eleitorais
O povo português é, em geral, gravemente deficitário em apetências informativas, formativas e empreendedoras. Grande parte da população segue com minúcia e conhecimento de causa o processo anual dos campeonatos nacionais e internacionais de futebol. São raros os adolescentes que apostam na matemática, salvando a sua espécie de tabelas estatísticas vergonhosas, tanto mais que, simultaneamente, conhecem uma vasta percentagem de jogadores de futebol, dentro e fora do país, alimentando fidelidade canina por clubes, a par de desenvolverem elevado nível de saber acerca de tácticas e estratégias naquele domínio. Se, na matemática, ainda podemos responsabilizar certos professores, nomeadamente pela escassa invenção metodológica, já no caso do futebol o problema não se põe, porque não há professores e as aulas são de livre escolha. Ora este desporto, longo como na sua prestação, e hoje corrompido por atitudes competitivas nada saudáveis, perto da violência gratuita, implica uma excessiva manobra financeira, enquanto indústria do espectáculo, sendo claramente certo, até pelo peso logístico, que não vale a mítica atenção que as próprias autoridades lhe conferem. Governos, comunicação social, instituições nacionais específicas, todo esse mundo móvel, manobrador de interesses e de teorias do sucesso, cava no tecido social assimetrias delinquentes, seguidas de mistificações paralelas e da perda continuada de valores do gosto e da cultura.
Tendo tudo isso em conta, numa generalização aos mais impensáveis espaços do país, acontece que vivemos um momento crítico da nossa história, o qual nos obriga a questionar a natureza das chamadas campanhas eleitorais a decorrerem entretanto, pelas quais se decidirá a constituição da Assembleia da República e do Governo. O que sucede nas campanhas, mediante o debate de programas e formas ainda muito ruidosas de esclarecer o eleitorado, vai marcar profundamente o futuro próximo e de médio e longo prazo da vida dos portugueses. Se empreguei atrás o termo menoridade, dirigido às acções empreendidas pelos partidos e pela comunicação social, é porque entendo, como muitos outros cidadãos, que os factos estão carregados daquele sentido, indiciando uma estratificação das estruturas partidárias, um congelamento de ideias, com maus intérpretes da expressão discursiva, maus programas, em trabalhos conduzidos fogosamente antes do próprio começo oficial das campanhas. As forças político-partidárias, beneficiando amplamente de cobertura televisiva e do uso desse meio para debates entre todos os representantes superiores de cada agrupamento, não afirmam um projecto transformador do país e das consciências bloqueadas, antes tratam de mastigar restos de história, factos sem importância, sonhos medíocres e sempre votados à mera estratégia para ganhos numéricos de votos. O que tem acontecido nos debates da televisão é bem o sintoma agudo de que o o problema de um projecto nacional, capaz de tornar credíveis certos avanços anunciados para o futuro, não se renova nem ganha nitidez, porventura iludindo um maior balanço (simétrico) dos investimentos e dos proveitos, sempre em áreas vitais e onde são escassas as indicações quanto à defesa da qualidade nos vários níveis de ensino e seus objectivos, também quanto à problemática das estruturas urbanas, à importância dos direitos na habitação, suas regras e harmoniosa ocupação do território, ligando as coisas à inqualificável obtusidade de um plano capaz que deveria aclerar uma justiça de rosto humano, menos litúrgica, menos burocrática, tendo ainda em conta a paragem laminar da exploração do imobiliário, especulável e derrotista relativamente à vida quatidiana, a par da reinvenção do tecido produtivo, da sua distribuição geográfica, dos seus efeitos plurais ou inovadores, algo que refundasse o sistema industrial, a escala das empresas e dos grupos, vocações, prioridades, numa decisiva estratégia a favor da permanência e contra mobilidades caras ou desgastantes, precriedades sem o menor respeito humano.
Parece que os políticos e as centenas de comentadores que se multiplicaram nos últimos tempos não tomaram ainda consciência de que o nomadismo dos seres humanos foi queimando etapas sem glória enquanto os eixos civilizacionais, direccionando etnias e tribos, consolidaram a urbe, as redes de comunicação, a relativa homogeneidade das nações em visíveis áreas de conquista, geologicamente relacionadas com cada evolução; e assim grandes grupos se sedentarizaram em bases de criação e resposta às necessidades colectivas. Tal estabilidade, mesmo perante as transformações da revolução industrial, revelou-se de boa prestação, inventiva, aquietando os homens no estudo e construção do seu habitat, sem que a velocidade e as guerras de interesses dúbios acabassem por diluir o desenvolvimento dos saberes e a disponibilidade conferida à edificação de diferentes patrimónios.
Isto não se refere à mobilidade técnica e cultural de massas que se deslocam pelo mundo, abarcando tanto o desejo de conhecer lugares e pessoas como a cumprir relações profissionais. Nenhum destes viajantes circunstanciais (usufruindo de maior riqueza e respostas de serviço) promovem hoje indústrias ligadas ao lazer e à procura lúdica. E nenhum deles se desaloja do emprego e das suas raízes: não voltam à sua terra para dormir debaixo da ponte e procurar emprego precário por três meses apenas, na esperança desbotada de mudar de trabalho, ao acaso da oferta, bem longe da sua casa arrendada, aliás caríssima, e dos amigos e dos restos de tardes serenas fruídas não há muitos anos.
Tendo tudo isso em conta, numa generalização aos mais impensáveis espaços do país, acontece que vivemos um momento crítico da nossa história, o qual nos obriga a questionar a natureza das chamadas campanhas eleitorais a decorrerem entretanto, pelas quais se decidirá a constituição da Assembleia da República e do Governo. O que sucede nas campanhas, mediante o debate de programas e formas ainda muito ruidosas de esclarecer o eleitorado, vai marcar profundamente o futuro próximo e de médio e longo prazo da vida dos portugueses. Se empreguei atrás o termo menoridade, dirigido às acções empreendidas pelos partidos e pela comunicação social, é porque entendo, como muitos outros cidadãos, que os factos estão carregados daquele sentido, indiciando uma estratificação das estruturas partidárias, um congelamento de ideias, com maus intérpretes da expressão discursiva, maus programas, em trabalhos conduzidos fogosamente antes do próprio começo oficial das campanhas. As forças político-partidárias, beneficiando amplamente de cobertura televisiva e do uso desse meio para debates entre todos os representantes superiores de cada agrupamento, não afirmam um projecto transformador do país e das consciências bloqueadas, antes tratam de mastigar restos de história, factos sem importância, sonhos medíocres e sempre votados à mera estratégia para ganhos numéricos de votos. O que tem acontecido nos debates da televisão é bem o sintoma agudo de que o o problema de um projecto nacional, capaz de tornar credíveis certos avanços anunciados para o futuro, não se renova nem ganha nitidez, porventura iludindo um maior balanço (simétrico) dos investimentos e dos proveitos, sempre em áreas vitais e onde são escassas as indicações quanto à defesa da qualidade nos vários níveis de ensino e seus objectivos, também quanto à problemática das estruturas urbanas, à importância dos direitos na habitação, suas regras e harmoniosa ocupação do território, ligando as coisas à inqualificável obtusidade de um plano capaz que deveria aclerar uma justiça de rosto humano, menos litúrgica, menos burocrática, tendo ainda em conta a paragem laminar da exploração do imobiliário, especulável e derrotista relativamente à vida quatidiana, a par da reinvenção do tecido produtivo, da sua distribuição geográfica, dos seus efeitos plurais ou inovadores, algo que refundasse o sistema industrial, a escala das empresas e dos grupos, vocações, prioridades, numa decisiva estratégia a favor da permanência e contra mobilidades caras ou desgastantes, precriedades sem o menor respeito humano.
Parece que os políticos e as centenas de comentadores que se multiplicaram nos últimos tempos não tomaram ainda consciência de que o nomadismo dos seres humanos foi queimando etapas sem glória enquanto os eixos civilizacionais, direccionando etnias e tribos, consolidaram a urbe, as redes de comunicação, a relativa homogeneidade das nações em visíveis áreas de conquista, geologicamente relacionadas com cada evolução; e assim grandes grupos se sedentarizaram em bases de criação e resposta às necessidades colectivas. Tal estabilidade, mesmo perante as transformações da revolução industrial, revelou-se de boa prestação, inventiva, aquietando os homens no estudo e construção do seu habitat, sem que a velocidade e as guerras de interesses dúbios acabassem por diluir o desenvolvimento dos saberes e a disponibilidade conferida à edificação de diferentes patrimónios.
Isto não se refere à mobilidade técnica e cultural de massas que se deslocam pelo mundo, abarcando tanto o desejo de conhecer lugares e pessoas como a cumprir relações profissionais. Nenhum destes viajantes circunstanciais (usufruindo de maior riqueza e respostas de serviço) promovem hoje indústrias ligadas ao lazer e à procura lúdica. E nenhum deles se desaloja do emprego e das suas raízes: não voltam à sua terra para dormir debaixo da ponte e procurar emprego precário por três meses apenas, na esperança desbotada de mudar de trabalho, ao acaso da oferta, bem longe da sua casa arrendada, aliás caríssima, e dos amigos e dos restos de tardes serenas fruídas não há muitos anos.
a precariedade do trabalho e o nomadismo apenas
destróem a verdadeira grandeza do espírito humano
A governação estratificada da Madeira, detida pela reeleição de um só homem, parece a alguns corresponder à estabilidade e à bondade da permanência de que falei aqui. Este homem, assim reclinado, fumando em delícia o seu charuto, é justamente o sinal contrário daquilo que se abordou atrás: os períodos de governação ou gestão de certo tipo de instituições devem ser limitados, pois o vício de tal acomodação comporta prejuizos diversos para a comunidade. Um aluvião pastoso, desvitalizado ao longo de anos, não se compara a uma terra firme e diversa onde os homens podem recriar processos técnicos e sociais de (digamos assim) sólida estabilidade.
Numa tentativa de globalização que pode criar massificações e homogeneidades cancerígenas, o mundo dá sinais de inquietação, apesar das populações, habituadas a consumir, se sujeitarem à moda do transitório, do emprego precário, dos recibos verdes, da mudança de casa, da fragilidade dos conceitos e das práticas, tudo a reduzir-se pela bitola rasca da competitividade.
Não sabem nada dos seres humanos, os senhores que anunciam com desvelo convicto e algum ênfase, a sua força: o lugar para sempre é conceito antigo. Hoje a mobilidade comanda a regra. As novas gerações não vão mais, e ainda bem, estar presas a famílias sedimentadas, a raízes de nascimento e memórias risíveis. Hoje tudo muda, tudo se troca, não haverá mais a pasmaceira do emprego fixo e da carreira garantida.
Perante estas vozes, algumas das quais, fingindo operar nesse sentido, nos roubaram em escalas monumentais, deveremos abreviar o seguinte: um professor do secundário, sujeito a mudar de escola e de terra todos os anos, viu agora a sua ansiedade aquietar-se por quatro anos; a seguir, mudará como dantes, perderá raízes recentes, amigos, alunos, sonhos. Estes homens e mulheres são o exemplo da injustiça social das sociedades modernas. Um professor só fará uma boa prestação se tiver tempo, estabilidade e permanência para estar com os seus, para investigar e descobrir novas estratégias pedagógicas. Um dia poderá escolher, por si mesmo, uma mudança que corresponda a um projecto próprio. De outra maneira, empurrado como as caravanas dos circos, virá a soçobrar muito antes da idade da refroma, se ainda houver reforma, porque há muitos organismos económicos e políticos que, de um momento para o outro, comem tudo à sua volta -- e se calhar em nome do progresso. Progresso, contudo, não é soma de lixos e de bens de consumo, perecíveis.
E o resto que se preconiza não passa desta nova versão da exploraçlão do homem pelo homem, de tão má memória. As empresas escolhem trabalhadores novos, de preferência pouco qualificados para poderem receber honorários de cão. Os mais velhos nem portas entreabertas encontram. Depois, flexibilizando tudo, um emprego dura três meses, com honorários abaixo do mínimo nacional, e poderá dar acesso a um novo patamar, do quel se transitará para o contrato. Tudo eufemístico ou abusado: cada vez mais os primeiros três meses se transformam em precariedade. E o trabalhador vai arranjar curriculum noutra empresa ou noutra cidade -- e só será um verdadeiro homem do século XXI se tropeçar nos meses e nos anos desta maneira, cada vez mais vazio e sem acesso ao desenvolvimento social e cultural. Vai ficando na orla das massas. E todos nós bem sabemos como essas multidões podem ser destruídas com uma simples pressão periférica: absurdas e cegas e mudas, cairão em cascata, aos montes e de lado. Dos que morrerem não falará a história. Os sistemas de crescimento actuais não se traduzem em mudanças qualitativas: a esquizofrenia espalhou-se por todo o lado, da América à China, passando pela perfumada e decadente Europa. Além dos exemplos aqui ilustrados, qualquer de nós, seriamente, pode arranjar centenas e centenas de precariedades, pobreza e pestes.
Numa tentativa de globalização que pode criar massificações e homogeneidades cancerígenas, o mundo dá sinais de inquietação, apesar das populações, habituadas a consumir, se sujeitarem à moda do transitório, do emprego precário, dos recibos verdes, da mudança de casa, da fragilidade dos conceitos e das práticas, tudo a reduzir-se pela bitola rasca da competitividade.
Não sabem nada dos seres humanos, os senhores que anunciam com desvelo convicto e algum ênfase, a sua força: o lugar para sempre é conceito antigo. Hoje a mobilidade comanda a regra. As novas gerações não vão mais, e ainda bem, estar presas a famílias sedimentadas, a raízes de nascimento e memórias risíveis. Hoje tudo muda, tudo se troca, não haverá mais a pasmaceira do emprego fixo e da carreira garantida.
Perante estas vozes, algumas das quais, fingindo operar nesse sentido, nos roubaram em escalas monumentais, deveremos abreviar o seguinte: um professor do secundário, sujeito a mudar de escola e de terra todos os anos, viu agora a sua ansiedade aquietar-se por quatro anos; a seguir, mudará como dantes, perderá raízes recentes, amigos, alunos, sonhos. Estes homens e mulheres são o exemplo da injustiça social das sociedades modernas. Um professor só fará uma boa prestação se tiver tempo, estabilidade e permanência para estar com os seus, para investigar e descobrir novas estratégias pedagógicas. Um dia poderá escolher, por si mesmo, uma mudança que corresponda a um projecto próprio. De outra maneira, empurrado como as caravanas dos circos, virá a soçobrar muito antes da idade da refroma, se ainda houver reforma, porque há muitos organismos económicos e políticos que, de um momento para o outro, comem tudo à sua volta -- e se calhar em nome do progresso. Progresso, contudo, não é soma de lixos e de bens de consumo, perecíveis.
E o resto que se preconiza não passa desta nova versão da exploraçlão do homem pelo homem, de tão má memória. As empresas escolhem trabalhadores novos, de preferência pouco qualificados para poderem receber honorários de cão. Os mais velhos nem portas entreabertas encontram. Depois, flexibilizando tudo, um emprego dura três meses, com honorários abaixo do mínimo nacional, e poderá dar acesso a um novo patamar, do quel se transitará para o contrato. Tudo eufemístico ou abusado: cada vez mais os primeiros três meses se transformam em precariedade. E o trabalhador vai arranjar curriculum noutra empresa ou noutra cidade -- e só será um verdadeiro homem do século XXI se tropeçar nos meses e nos anos desta maneira, cada vez mais vazio e sem acesso ao desenvolvimento social e cultural. Vai ficando na orla das massas. E todos nós bem sabemos como essas multidões podem ser destruídas com uma simples pressão periférica: absurdas e cegas e mudas, cairão em cascata, aos montes e de lado. Dos que morrerem não falará a história. Os sistemas de crescimento actuais não se traduzem em mudanças qualitativas: a esquizofrenia espalhou-se por todo o lado, da América à China, passando pela perfumada e decadente Europa. Além dos exemplos aqui ilustrados, qualquer de nós, seriamente, pode arranjar centenas e centenas de precariedades, pobreza e pestes.