Deixo cair o jornal no chão. Não havia nele nem um bocadinho de estrada, bem um bocadinho de brisa, só restava um princípio de náusea. Náusea, presumo, daquilo que nos vai rodeando a cabeça, presas as pernas e o tronco. Parecem consolidados os desconfortos da revolução institucionalizada, desencantos de um cerco «global» cuja invenção só podia ter saído de zarolhos utópicos. Desde o vamos cantando e rindo até o avante, camaradas, avante. O convívio e a partilha não são apenas actos de afecto, são também caminhos da inteligência associada à emoção/razão. Se uma pequena comunidade disputa um resto um resto de carapau ou a ordem de quem põe o caixote do lixo na rua, onde nem sequer é recolhido, a desgraça será ainda limitada mas já anuncia guerras como as do século XX. O que deveremos então pensar dos 127 países da União Europeia, agregados por tratados e alçapões, fingindo que acreditam numa ordem falsamente generalizável, apesar das brumas repetidas todos os anos, entre deveres, obrigações e dívidas? As fracturas estão à vista com a universal derrapagem do capitalismo (dos mercados), trafulhices bancárias em cascata, o colosso americano, sob o manto esperançoso de Obama, ficando por instantes de joelhos e com muita gente a mudar de casaca. Coisas da grandeza e da ganância, dir-se-á. Então e a velha Europa, estreita nos deslizamentos obscuros ou descarados, bem depressa a comparar o caso da Grécia com o de Portugal: um manga de alpaca da UE a bolçar para o mundo a esquemática parecença do que se passa nos dois países, acicatando os mercados (especuladores) a venderem e a comprarem restos da nossa última hepatite. A Alemanha e a França, entre perdões generosos desde 1948, depois das guerras que fizeram e de terem sido salvos por estrangeiros, criam agora os seus pactos de consistência, mais desenvolvimento, mais pompa em carros negros. E assim, embora por vezes não pareça, borrifam-se para quem ainda está fora da zona euro mas se alistou na Europa. Ou para outros, como nós, cuja «memória do esquecimento», embora queime a alma, não evita os devaneios crescentes das viagens em massa, de cultura e recreio, os consumos aberrantes, os negócios globais, a diluição progressiva da identidade de cada povo, a colonização redutora quase toda feita de hambúrgueres, de súbito um 11 de Setembro num tempo civilizacional cada vez mais onírico, a meio dos pântanos, tempestades naturais, céus tóxicos na consequência cega das indústrias vorazes e invasores.
«A CANGA»
Bordalo Pinheiro
Portugal, que ficou mais ou menos pobre depois da má gestão após os Descobrimentos, e mesmo durante esse período, nem sequer fez o nojo dos seus 9.000 mortos da chamada guerra colonial. Fecharam-se as bocas, rezam os velhos pais de um norte pedregoso e que, felizmente, ainda não se parece com a Madeira, enquanto Lisboa concentra todas as casacas virtuais de governos em bicos dos pés, mitigando a salvação dos desastres, por milhões de euros, junto de grandes escritórios de advogados, serviços caríssimos mas que ajudam a enconrir as multidões entrevadas dos ministérios, a aumentar a dívida, a omitir centenas de institutos cujos objectivos não são promulgados e nos quais praticamente ninguém acredita, pesar das carreiras públicas que por essa via pululam na capital. Para além do gesto rapace dos construtores civis e dos tais institutos mais ou menos obscuros, seria talvez útil, quanto à poupança decretada por Bruxelas, começar a extinguir tantas partes em que o governo se divide e multiplica, publicando o efeito de tais decisões e descarregando a papelada naquela Bélgica central em ordem á memória futura. Porque a justiça não vai tratar disso tão cedo, os dinheiros escassos passam-lhe ao lado, ao lado das secretárias, enquanto os juizes encapelados têem em diagonal 14.000 páginas de um só processo e continuam vinculados a morfologias e metodologias velhas, litúrgicas, insensatas. Por isso lá se afundou a Justiça numa paraplegia considerável, e basta, para se ver tal coisa, reparar na grande evidência fo Titanic/Casa Pia. E entretanto de nada nos serve ter um Primeiro Ministro com nome extraído da cultura clássica, Sócrates, igual ao do filósofo que inventou a Alegoria da Carverna. E não é que, entre ressonâncias ininteligíveis, viemos parar ao limite da mesma, sombras e sombras passando, golpes baixos ou altos, deitando por terra (ou quase) o governo, todos fazendo da luta partidária a mais grosseira das inconsciências sobre o respeito que nos devia merecer a história e a gestão das coisas. Se calhar é preciso inventar uma democracia que não viva de expedientes, de falsos cosmopolitismos sempre a virar em provincianismos. Sobre a simples vigilância e renovação da frota automóvel do Governo, os nossos escritores de televisão poderão, a todo o tempo, fazer romances dos caminhos secretos de muitas coisas. Dos carros aos caminhos secretos dos projectos, vida e morte dos sobreiros arrancados aos milhares, haveria muito a dizer sobre as comunicações e os monopólios das energias catastróficas, privadas, semi-privadas, geridas, como os bancos, na linha de dezenas de milhares de euros por mês, fora os prémios de milhões, fora aí de um património que não se sabe donde vem e para que serve. Melhor ainda seria pagar a dívida macionalizando as marinas do país, com apropriação «revolucionária» dos milhares emilhares de iates que por lá existem: vendidos aos países emergentes resolviam muitas coisas. E a dívida deles poderia ser paga em prestações suaves por um período de 300 anos. Isto resulta apenas de um breve diagnóstico da crise nacioanal (e do mundo). Mas eu não sou o Madina Carreira, cada vez mais parecido com o simpàtico Mr. Magoo, que arrasa tudo e todos, apoiado em mapas e gráficos, trabalhos de casa. Eu gosto muito de o ouvir, mas não chega a nenhum saber construtivo. Perguntaram-lhe outro dia: «então, perante essa situação, que resoluções tomaria para as resolver? E ele: «Eu? Eu deixava ir tudo abaixo, bater no fundo». E riu-se. É uma figura muito respeitada e não tem sonre as costas os boatos em volta do Primeiro Ministro, histórias obscuras que já permitiriam vários filmes policiais e mesmo de terror. Os títulos até são sugestivos. «Face Oculta» poderia tornar Portugal num país de magiais visitáveis. O nosso jornalismo, diz Sócrates, é de espreitar à fechadira. Ele acha que a privacidade tem de ser respeitada e as escutas e sua publicação vão contra esse direito. Mas o que se escreveu representa a imagem espreitada? E o som ouvido?
A MÁSCARA
aquecido e os parlamentos pirosos. Dos nossos deputados europeus, vejo-os mais por cá do que tenho notícias deles estarem lá. Enchem a televisão de balbúrdias, onde todos dizem todos o mesmo e ao mesmo tempo. O Ruído é inabalável. As flores da nossa mais funda reflexão passa pelas dezenas de comentadores políticos, sem nada para resolver o mal que acusam, com grande relevo para Rebelo de Sousa, Vitorino, o inefável Pacheco Pereira, esse também um pouco por todo o lado, à espera de que o PSD reapareça. Pacheco lidera A Quadratura do Círculo, mas por mero desprespeito pelas regras do diálogo. O Eixo do Mal, onde a gritaria atormenta a vizinhança, pode salvar-se da negatica pela prestação de Clara Ferreira Alves, naturalmente quando a deixam falar. Mas é um grupo engraçado, tolo mas engraçado, um grupo que ainda não percebeu estar em vias de se afundar a um sopro (atrás da fechadura) do Primeiuro Ministro. Mas enfim, salve-se quem puder. Falarei com a Clara quando todos estivermos no Inferno, onde teremos mais companhias: Louçã, Portas (por causado Independente), a líder Manuela Ferreira Leite (por causa da verdade rasutada), Sócrates (por ter descido o déficit) e falta ainda escolher um membro do Partido Comunista: o Comité Central insiste no colectivo. Vão todos.
2 comentários:
Aproximamo-nos de um final triste.
Será que valerá a pena ter esperança?
Há quem diga que é a última a morrer.
Ramalho Eanes disse para a televisão que Portugal ainda não está preparado para viver a verdadeira Democracia. Que por tudo e por nada entra em pânico, fica em estado de choque.
Eu acho que já ninguém sabe o que diz e o que vai realmente a acontecer.
É tudo uma grande palhaçada. Ou como diz o Jardim: vivemos num autêntico carnaval.
E claro sendo ele o Rei... hahahaha
Daqui deste Norte pedregoso, saúdo-o, estimado amigo. Já sentia falta das suas magníficas e incisivas reflexões escritas.
Ao que parece nada ficou esquecido nesta caricatura global.A realidade possível, detalhada, um sarcasmo mordaz e apropriado ao estado das coisas. Tudo feito com uma elegância e lucidez raras tocada levemente pelo talento do grande Bordalo Pinheiro.
«Ora toma!»
_______________________
- Vês como eu tenho razão, poeta?...
" Sim, é como dizes no novo post:
-Estamos está cada vez mais presos a uma "falsa liberdade", fazendo sempre o que os outros determinam indirectamente.-"
- Claro!
O consumo exacerbado e a ambição desmedida confirmam-no.
" Sim... mas posso
Pedir-te uma coisa?... "
- Claro, o quê?
" Não atires mais pedras
Para cima do teu Hippie... "
____________________________
Um abraço, João!
Enviar um comentário