quinta-feira, julho 29, 2010

MUSEU DO CÔA COM GRAVURAS AFUNDADAS

MUSEU DO CÔA

O MUSEU DO CÔA será inaugurado amanhã, sexta-feira, 30 de Julho. A grandeza e originalidade deste projecto, além de todo o parque cuja visão de futuro e abertura ao conhecimento dos testemunhos civilizacionais da humanidade enobrece o país dos Descobrimentos, não parece capaz de resistir à crise, uma vez que, tanto quanto se sabe hoje, 29, só a Ministra da Cultura presidirá ao decorrer da cerimónia. Mas não é isso o mais importante. O mais importante (e desconcertante) é o sinal enganador com que as autoridades nos presenteiam: uma inabalável exposição temporária de gravura («Gesto e Inscrição»), com obras coleccionadas pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento. São 38 trabalhos, entre os quais nove artistas portugueses, nomeadamente Pedro Cabrita Reis, Fernando Calhau, José Pedro Croft, Julião Sarmento, Michael Bibertein, Alberto Carneiro, Carlos Figueiredo, Ângelo de Sousa e Francisco Tropa.


Sendo o Museu e o complexo do Côa uma forte realidade que marcará muitos reconhecimentos de vários períodos relativos aos riscos iniciais, à emergência encantatória da arte na marcha evolutiva do Homem, terrível é o modo como os portugueses de hoje, abúlicos e manipulados pelos que julgam ser vértices da nossa inteligência, parecem incapazes de um gesto de indignação perante aquela não escolha de obras, todas de artistas respeitáveis, conhecidos sobretudo fora da gravura que nos honra, embora capazes de surgirem ali, sem regra nem abertura, pois a sua reputação curricular não os classifica como gravadores e nem é sábio Portugal fazer-se notar no início deste património com nove artistas apenas, no quadro de uma omissão irreverente e descuidada da verdade. Nem sequer é preciso ir muito longe para nos tornarmos maiores: ali faltou a coragem de nomear objectivamente GIL TEIXEIRA LOPES, BARTOLOMEU CID e DAVID DE ALMEIDA. Esta nota precisa de que se diga haver muitos mais gravadores portugueses da época moderna, mas, dedilhando as ranhuras dos antiquíssimos desenhos que nos distinguem, mais atrás e justamente poderíamos chegar ao ponto de distinguir outras figuras de outros tempos, espíritos que nos honram ainda, bem como a nossa fecundidade criadora, a arte que tanto esquecemos e dividimos. É grave que o hábito de usar cassetes modernas mas irremediavelmente afundadas além das outras faça com que as instituições próprias inaugurem este importante património com um gesto de pequenez, incapaz de se tornar velame de 500 ou lâmina da primeira implantação de um povo de pouca força, mas cuja diáspora, hoje, vale bem um resto de indignação perante arranjos com este perfil, nem crise nem sonho, gente enfim disfarçada, sem convencimentos, gente borboleta, de breve vida, nomes de ontem e de agora colocados no canto de nada, como se o mundo não os tivesse visto antes de nós mesmos. Bom era que abrissem os museus tumulares, nos quais há património de gravura que bem poderia (aqui) fazer a ponte entre a grandeza de um fragmento da nossa verdade artística específica e o horizonte longínquo no qual tanta gente retratou tantos animais, entre o desejo e da esperança.

3 comentários:

Miguel Baganha disse...

O Museu do Côa, expõe algumas obras de artistas portugueses, referenciando a gravura, para efeito da inauguração , isso está bem, não se discute. O que está mal, uma vez que a exposição centra o seu olhar na gravura (talvez em jeito de celebração com as pinturas/gravuras rupestres que tanta polémica geraram), é o facto de artistas como Bartolomeu Cid dos Santos, David de Almeida e Gil Teixeira Lopes terem sido excluídos duma lista cujo topo deveria ser ocupado pelos seus nomes.
Já devíamos estar mais que imunizados face às disparatadas ou fraudulentas opções artísticas com que os orgãos administrativos deste sector nos têm premiado. No entanto, a indignação continua a surgir sempre que tais incongruências acontecem: este caso vem despertar a minha revolta, de há muito, para com as imensas injustiças de que os artistas portugueses (dentro do seu próprio país e desde sempre) são alvo. No passado, muitos foram os artistas que se exilaram em países estrangeiros, ditos da moda, tentando fugir às sentenças castradoras dos estetas e políticos portugueses, almejando sucesso - um reconhecimento justo, e em "tempo regulamentar" e não póstumo.
Desconheço o projecto da exposição, se é que ele existe, mas o paradoxo acontece no preciso momento em que a exposição "afunda" as figuras cimeiras da gravura contemporânea portuguesa. É possível que hajam razões de "peso" para tal escolha, não sei: como você diz e diz muito bem, meu bom amigo: «as artes da nossa contemporaneidade pertencem a um movimento que se tornou global, onde as mudanças sócio-políticas se repercutiram de forma intensa no plano artístico, não sendo possível, por vezes, separar uma acção artística de uma demonstração política».

Será que foi isto que aconteceu aqui, João!?...

Portugal, é um país com História, tendo protagonizado feitos inenarráveis e espantosas descobertas que mudaram o Mundo, mas hoje este mesmo país é a antítese de si próprio: navega, enfim, ao sabor dos ventos manipuladores da Europa, por rota incerta, incapaz de descobrir novos caminhos e ancorar em terra firme.

jawaa disse...

Já que mais se não pode fazer, agite-se a bandeira da indignação. É o que resta a quem assiste à politização de tudo e ao cada vez mais desconhecimento da História deste povo grande.
Por que é que as pessoas não são humildes o suficiente para pedirem ajuda a quem sabe?

Maria João Franco disse...

«as artes da nossa contemporaneidade pertencem a um movimento que se tornou global, onde as mudanças sócio-políticas se repercutiram de forma intensa no plano artístico, não sendo possível, por vezes, separar uma acção artística de uma demonstração política».

Penso que é isto mesmo!
Estamos na "crosta"-? deste lamaçal cuja crosta se torna dia a dia mias dura e quando fossilizarmos de vez a "nata" virá fazer-nos companhia.

Um abraço Professor!
A sua lucidez ofusca muita gente...

Saudades!
Maria João Franco