quarta-feira, março 30, 2011

MORREU ÂNGELO DE SOUSA, PINTOR SUCINTO


pintor Ângelo de Sousa

Sempre que passava por Lisboa e me encontrava na Brasileira ou na S.N.B.A., dizia-me: «Olá, estás bom?» Claro que não esperava pela resposta porque tinha mais coisas engatilhadas para exprimir: «não tens pintado, o ensino é uma porra. Estás cansado? Olha que porra, então a gente não vê as carradas de lixo que transportas para a pintura?» Lembro-me de responder: «Tens toda a razão, vê lá, eu a produzir poética de lixo e tu a limpares esse lixo até te comsolares com uma simples linha oblíqua, de alto a baixo, na tela.». E ele, sarcástico: «Olha como ele está esperto...» Ganhámos esta guerra jocosa no dia em que nos defrontámos na minha prestação de provas de agregação universitária e eu o surpreendi diante do seu ar enfim sério, desafinando por vocação nas últimas palavras da sua argumentação. Disse mais tarde, a alguém no Porto, que o tipo ( o tipo era eu) o tinha surprendido, quer pela natureza das provas, quer pela fundamentação das respostas, sem esperas nem tibiezas. Há tempos, escreveu-me e os postais dos seus convites trazaiam agora uma reconfortante nota de humor e de amizade.


Ângelo de Sousa, vítima de uma doença grave, estava afastado da actividade artística há vários meses. Como hoje se diz no «Público», Ângelo foi «um dos protagonistas da contemporaneidade artística portuguesa, destinguindo-se sobretudo pelo seu experimentalismo e pela procura incessante de novas linguagens». Esta citação do jornal foi obtida do director do Museu de Arte Contemporânea de Serralves, João Ferandes. Mas Ângelo de Sousa é claramente interior aos atrevimentos vanguardistas de Fernandes, com quem podia conviver na partilha de coisas insensatas sobre os «modelos» do tempo moderno e a sua revolução contra o lixo, a favor de um simples risco que tanto macula um monumento como o assinala para a história das escolhas. Para sintetizar o sentido da obra de Ângelo de Sousa, coisas como Algumas formas ao alcance de todos, deve acentuar-se que ele desenvolvera um importante estudo sobre as cores, aliás só usadas de esguelha ou por magníficas sobreposições nos quadros da sua geometria secreta. Ângelo de Sousa morre com 73 anos, nasceu em Moçambique, em 1938. Frequentou a Escola Superior de Belas Artes do Porto (1955) onde se formou em Pintura. Integrou, na década de 60, o grupo dos «Quatro Vintes»: artistas que tinham obtido, ao abrigo dos inflaccionismos daquela Instituição, a classificação de 20 valores, Armando Alves, Jorge Pinheiro e José Rodrigues. É depois disso (e da ironia disso) que Ângelo criou uma obra pessoal e única, que amadureceu expressando-se principalmente na pintura, embora ele também desenvolvesse outras disciplinas de índole artística, desenho, esultura, fotografia, e cinema e vídeo. Foi bolseiro da Fundação Gulbenkian para frequentar importantes escolas de Arte inglesas. Leccionou na ESBAP,depois FBAUP.

2 comentários:

Miguel Baganha disse...

Este artista do "minimalismo radical" riscou hoje o seu último traço na tela da vida. Não me assumo como um adepto da sua obra, do seu olhar mas, em todo o caso, tiro-lhe o chapéu à perseverança que colocou, desde o início no seu conceito.
Entre simetrias rígidas e campos cromáticos lá se foi formando e formando outros - um percurso, enfim, rectilíneo mas riscado com alguma cor nas páginas das Belas: diga-se de passagem, acabar um curso em Belas Artes com nota vinte não é para todos (ainda para mais naquele tempo).

Prestou um breve mas bonito tributo, João.

afonso rocha disse...

Conheci o Ângelo de Sousa...e cheguei a discutir com ele o rumo da pintura e escultura em Portugal...
Gosto imenso da sua obra...e da postura que tinha em relação à Arte. O maior minimalista neste canto da Europa...

Até um dia...Ângelo!