Pacheco Pereira, figura das mais relevantes e mediáticas do nosso meio, é sem dúvida uma personalidade de grande recorte intelectual no país, senhor de diversos aprofundamentos históricos e sócio-políticos, parlamentar emérito, colaborador em jornais e revistas, comentador com larga presença na televisão, professor universitário. A sua trajectória nos meios de comunicação social (ganhou logo audiência na rádio) tem sido vertiginosa, plural, competitiva e competente, excepto no que se aponta ao seu carácter impositivo, sobreponível aos outros, que conquista adeptos e inimigos. Adeptos por vezes maneiristas e demasiado seguidistas, inimigos sobretudo de ordem política, quando Pacheco comete excessos e se reclama, sem razão, de uma razão que outros já superaram. Seja como for, Portugal de hoje só é caracterizável se se tiver na devida conta personalidades como Pacheco Pereira, o Magalhães que sempre soçobrava ao garrido palavreado daquele colega na rádio («Flash Back»), o Santana, os homens da Federação Portuguesa de Futebol, o Cardeal Patriarca e, em sisifianas tarefas, Cavaco Silva, Presidente da República, Sócrates e Passos Coelho, um em actividade controversa e outro em contraponto amuado. Em todas as importantes prestações que Pacheco Pereira tem oferecido ao país, além daquele programa da rádio, da televisão, dos comentários político-artidários, poderiamos destacar o já pesadote A QUADRATURA DO CÍRCULO, por vezes a funcionar como «Círculo da Quadratura. Seguir debates e teorias sobre a política portuguesa e política em geral, eis o que muita gente faz com a ajuda das prestações da Pacheco Pereira. Por mim, fui ganhando cansaço, porque a comunicação audio-visual de Pacheco em grupo, pequeno ou grande, tanto faz, ele rompe com todas as regras da síntese, da inteligibilidade, da desmontagem não ardilosa de um tema. Suponho que quase todos os seguidores deste protagonista da vida nacional, pelo menos os menos mitificadores e mais abertos à circulação das ideias, já se aperceberam que a notoriedade do (personagem) não corresponde à qualidade. É um mau comunicador, porque não respeita os parceiros, os telespectadores ou presentes, nem se respeita a si mesmo. O mensageiro apaga a mensagem. Pensei muito vez: como será este homem enquanto docente? Como será este indivíduo num programa de uma só pessoa? Ele-mesmo?
Finalmente, num canal televisivo, chegou-nos a resposta: sentado a uma mesa, num cenário azulado e graficamente singelo, uma perna à frente, outra atrás, evocando ambiguamente a situação de quem está num café, Fernando Pesssoa ocorre, o lettring não nos trai: o desassossego da dinamite cerebral corrobora a solidão do pensamento.
Neste programa, José Pacheco Pereira, sem arrogância e sem complacências desnecessárias, dá-nos a ver e a entender algumas questões que, no quotidiano, tantas vezes nos iludem ou enganam grosseiramente: a encenação parte do ponto comunicador e a edição respeita um certo espaço ortogonal onde o centro e o tema são convocados. Há mesmo o escrúpulo exemplar, para uma televisão em geral trapalhona, em accionar uma câmara na perpendicular exacta, que nos mostra (portanto em plongé) muitos dos materiais que o comunicador analisa. E aí vemos surgir erros gráficos e jornalísticos de uma velha preguiça do fazer ou imposta pelo negócio, o peso e a composição dos elementos, porquê e para quê. Os jornalistas têm muito a aprender nesse aspecto, embora tudo seja sucinto mas certeiro. Outros pontos e contrapontos surgem, num roteiro bem ordenado, numa abordagem isenta das coisas vistas e pensadas, como é o nosso quotidiano e a realidade em que nos movemos, entre problemas que tocam a antropologia e a sociologia, a estética e a poética das coisas e das palavras.
O tema que desmonta uma certa realidade, dinamite cerebral, conjuga-se com a solidão do pensamento, o acto de dar a ver o que é próprio da nossa condição intrínseca de ser, pensar e agir.
1 comentário:
Ainda não vi o programa de que fala, mas da forma como o descreve, tanto a nível de cenário como de temática e o respectivo modo de execução, leva-me à curiosidade.
Por enquanto posso dizer que o monólogo é um modelo à medida de Pacheco Pereira.
Um abraço, João!
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