sábado, novembro 05, 2011

O HOMEM QUE ABALOU OS SENHORES DA EUROPA


directórios da Europa

Alguém disse, a propósito da crise em volta do euro: «Eles não sabem o que fazer. Mas a Europa só tem um caminho para sair do pântano da sua escassez e chefes menores. A Europa tem que ser refundada. Eis o que parece uma ideia acertada. Porque o desacerto em que se caíu é de tal forma profundo e desrespeitador das regras e instituições europeias, incluindo tratados, onde não se vê nada no fundo da caneca. A Comissão ou o Parlamento praticamente não contam para nada e o directório Merkel/Sarkozy ostracizam o que for preciso para defender a sua parte (parte de leão) e ditam ordens por sua própria iniciativa, sem que se saiba onde está o Presidente (talvez os presidentes) e que passos encobertos os leva aqui e além, lado a lado, com o seu ar patético e periférico, em demanda de novos arranjos, novos modos de manipular o poder. Entretanto, sempre em sufocação, a Grécia mal dava conta dos problemas internos, com uma direita quezilenta e indiferente aos procedimentos para uma verdadeira salvação, país da periferia (como os nórdicos gostam de chamar à malta que bodeja o Mediterrâneo e o Atlântico, a sul). Para essa gente, a periferia, que foi esbulhada da sua cultura produtiva, não tem importância nem verdadeiros direitos, irracionalidade que tem infectado a vida dos países em geral, enquanto a Alemanha mantém, subjacente ao seu projecto, relações com os países nórdicos e com todos aqueles que, tendo aderindo à União Europeia sem entrar no euro, são agora enteados do Poder Germânico, vendendo o que podem, governando independências, conservando o gosto pela soberania tantas vezes rasurada.
Perante as dificuldades da Grécia, guardando um tratamento imperial desse país doente, Sarkozy teve o destempero de dizerque a salvação do euro não passa por resgates inesgotáveis, enquanto a Chanceler da Alemanha vagia: «O euro pode viver perfeitamente sem a Grécia».
E de súbito, depois de reuniões à margem, preparatórias da intervenção no G20, a Grécia lança o caos e o pânico no mundo político e financeiro. Assim titulava o Diário de Notícias a sua primeira página do dia 2. Papandreou determinara um referendo que parecia poder perguntar ao povo Grego se concordava ou não com as novas medidas da troika ou se mantinha interesse em continuar no euro. E o pequeno país do sul (periférico e arruinado) pôs Sarkozy em sentido, com as sobrancelhas mais descaídas que nunca e a senhora Merkel a andar em círculos. Os chamados mercados, essa entidade obscura cujos centros técnicos e tecnológicos a comunicação social não tem coragem para investgar, fotografando monitores, decisores, nomeando empresas e gestores em forma de polvo, saltaram de irritação e medo. O euro está a ser destruído, para um lauto banquete, a longo prazo. De um momento para o outro, as tão faladas contaminações podem precipitar tudo, fazer explodir o euro e a Europa, pulverizar as próprias dívidas. É perfeitamente surreal como a chamada civilização ocidental, tão senhora de si e dos seus antigos impérios, cerra agora os dentes, puxa as orelhas aos seus próprios líderes (incompetentes) e estes convocam Papandreou a fim de lhe puxar pelos colarinhos e obrigá-lo a desdizer-se. Não pode haver referendo, o euro não pode ser posto em causa por um aleatório juízo popular. Ninguém esquecerá essa vingança ferida que Papandreou atirou à grande Europa, a dos grandes Mitos e Pequenos homens (entretanto). É que essa gente, pasmada como está, sem inciativa e capacidade refundadora, precisa afinal que a Grécia não saia porta fora e os deixe com uma virose de todo o tamanho.
Aqui se pergunta, por nossa conta, quando é que a Europa se regenera, se refunda, quando entra em verdadeira solidariedade e se liberta de tanta hipocrisia? Quando é que as verdadeiras democracias lutam contra os monstros do dinheiro, as empresas de julgamento AAA lixo, as caprichosas agências de rating a decretar níveis de miséria por toda a parte, no escândalo dos juros a 80%? E quando é que os grandes países, todos os emergentes fortes rebentam com todos os offshores, recuperando para o mundo os biliões de euros e dólares escondidos?
O que aconteceu entretanto, e enquanto a Grécia se encolhe e manobra saídas da sua actual tragédia, foi um aviso laminar. O pânico regressou às bolsas, coisa que podia ser varrida da face da terra, e que me perdoem os economistas tal heresia, pois quem somos nós sem bolsas, sem perdas de dinheiro e de valores por uma espécie de batota?
Mas veja-se: a Grécia apenas não ficou resignada com um perdão que a coloca permanentemente num limbo de indigência (disse Viriato S. Marques). Tudo está a serenar para uma pasmaceira de morte lenta (se não houver, dentro em breve uma luta a sério) e, como diz Vasco Pulido Valente, a «Grécia pode destruir não só financeira mas politicamente, a União Europeia. O que não deixa de ter uma certa justiça poética, porque a Grécia foi metida quase à força na "Europa" por puras razões políticas. Até Staline, na famigerada divisão que fez com Churchill do império de Hitler, reconheceu que 100 por centro da Grécia ficava para o Ocidente.» E hoje, depois das horas de desprezo e desespero, os europeus, por medo de um provável contágio, pretendem, seja como for, salvar os gregos de si próprios. (V.P.V.)
O pior é que a luz muda de valor, o tempo amortece a vista, e a dificuldade que o pintor sentia em fixar a beleza instantânea do marmeleiro (no célebre filme de Victor Erice), será maior para os europeus mal comandados, comendo dívida ao jantar, um champagne à mistura, vivendo à custa de um fundo monetário contrafeito pelos chineses.

1 comentário:

Miguel Baganha disse...

Abalou, pois. Mas foi um abalo de curta duração, controlado pelo dito puxão aos colarinhos de Papandreou. Resta saber se irão ocorrer réplicas de maior intensidade no futuro.

A sua análise sobre o estado da Europa, João, é tão boa (e infelizmente verdadeira) quanto preocupante. Eu diria mesmo: assustadora.