quarta-feira, maio 02, 2012

FERNANDO LOPES: TALVEZ UMA ABELHA NA CHUVA

MORREU  FERNANDO LOPES
 
câmara lenta

Tive o privilégio de assistir à primeira projecção, com Fernando Lopes e Vitor Silva  Tavares, do filme «Uma Abelha na Chuva», que será sempre, para mim, a melhor peça da obra do realizador de «Belarmino» e de «O Delfim», entre outros. Não é possível esquecer. Não é possível deixar de lamentar, hoje, esta morte que agrava os silêncios que se abatem sobre a nossa cultura, no cinema, na literatura, nas artes plásticas, entre partilhas e desenvolvimentos legados pelo século XX. Fernando Lopes, eu o convoco, homem sábio e sensível, referência inalienável do Cinema Novo português. Todos os lembram pelo culto da amizade, profundo saber e felicidade na vida. Segundo as palavras do seu filho mais velho, Fernando Lopes, de 76 anos, vítima de cancro, esteve sempre lúcido; depois «apagou-se devagarinho; foi uma coisa muito suave.»

 EM CÂMARA LENTA

É bom quando se pode deixar aos outros uma visão do mundo e das pessoas, seja qual for a obra «acabada». Também, desse tempo, muitos lembrarão «Verdes Anos», primeira obra de Paulo Rocha, que será depois superado em «Abelha na Chuva», no qual Fernando Lopes nos mostra como desde cedo sabia reflectir sobre a vida, como nessa aventura da personagem feminina perante a dureza do marido e a chuva envolvente, tudo nos mostra a solidão, solidão mais profunda do que aquela que «Verdes Anos» inaugurara em tempo domingueiro nos subúrbios de Lisboa. O último filme de F. Lopes («Em Câmara Lenta ») é  mais do que uma viagem ao fundo do mar, é sobretudo, pelas memórias da personagem, uma reflexão sobre a vida e a condição humana, gente que aparece e desaparece, que nos guia para a luz que deverá receber-nos.


BELARMINO

Fernando Lopes entra pela vida fora, trabalha esse boxer da margem, Belarmino, faz um «cinema da verdade», leva-nos pela mão e pelas entrevistas ao pugilista na deriva nocturna de Lisboa, uma espera, um último combate, o tempo a passar. A maturidade e a criatividade de Lopes ganham aqui uma espécie de rampa de lançamento para a (talvez) primeira obra do Cinema Novo Português, «Uma Abelha na Chuva». Peça fundamental da nossa cinematografia e cuja rodagem decorreu com meios escassos mas sob a batuta encantatória do realizador, alguém que dá ao cinema outro campo de invenção e a voz peculiar do romance de Carlos de Oliveira. Este filme tem uma sensibilidade mais rara, é em certa medida claustrofóbico, abstracto, interiorizado. «Abriu a porta à vertente obsessiva e quase experimentalista de Fernando Lopes,» algo quase mágico e surpreendente nas hipóteses formais, que outros filmes posteriores talvez não contenham na mesma dose de perturbação.


Uma Abelha na Chuva
Excepcionais interpretações de Laura Soveral, João Guedes, Zita Duarte e Ruy Furtado

Aqui deixamos uma breve homenagem a um grande artista português a quem o país tem o dever de realizar uma apresentação de toda a sua obra, menos complexo e dispendioso, creio, do que as pomposas exposições rectrospectivas de artistas plásticos portugueses e estrangeiros. O cinema é uma grande arte da comunicação, sintetizando todas as outras artes  da imagem, do espaço e do tempo.

             UM DOS PLANOS INICIAIS DE «UMA ABELHA NA CHUVA»

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