terça-feira, maio 08, 2012

MIA COUTO: ENTRE LEÕES, HOMENS E MITOS

Mia Couto
Dir-se-á que este é o verdadeiro Mia Couto, inspirando-se na sua amada e bem conhecida África, zelando pelas inspirações literárias e pelo estado do território, como preservá-lo, como o ocupar com gente produzindo sem vandalizar.
A verdade é que, como dizia o outro, Moçambique é o país deste escritor e Portugal é o seu refúgio. Talvez mais do que refúgio, porque também se transformou em loja, livraria, parque de relações sociais. E não estou a dizer isto por ironia: raramente um escritor da língua portuguesa, vivendo fora do espaço original da Língua, terá tido tanto ruído à sua volta, honrarias, sessões solenes, tempos de antena (televisiva) em horário nobre, entrevistas, cartazes, montes de livros em todas as livrarias importantes do país. Em princípio, isso não é mau. O pior é a sua singularidade, a sua raridade, mais do que um Prémio Nobel que nos caísse em sorte.
Sou leitor da obra de Mia Couto (não lhe outorgava o Prémio Nobel, embora ele viva num sítio que estará à bica do acontecimento. Prémio Nobel emergindo entre leões, homens e mitos. E Mia Couto é bem comportado, inova até onde pode e deve, não esgaravata revoluções. E, pelo meio de tudo isso, um escritor que humaniza a escrita e a leva muitas vezes, foneticamente, à boca. O actual livro («A confissão da Leoa») é, creio, o segundo romance de Mia Couto. É pena que ele não nos fale mais profundamente das suas experiências pessoais, o tempo, a natureza dele e do povo em volta, os conflitos e a empobrecida vida do campesinato. Mas desta vez,  origem de um certo comportamento dos leões e o seu avanço no território que lhes é próprio, gera uma parábola que se abre aos mitos, aos sonhos, aos fantasmas, depois dos leões, descendo sobre a miniaturização dos homens, ferindo a sua fragilidade, gente a sangrar de facto, caçadas improváveis, palavras novas menos ou mais acertadas. A sociedade dos homens não sai muito bem tratada desta simbologia e da força ancestral desta raça de seres que pode agora caçar os homens em vez de ser caçada por eles. Porque os homens, imitando manias coloniais, correm para as cidades e abandonam o território à Natureza. As sociedades em Angola ou Moçambique não têm que ser amadas e desculpadas com carradas de História não sei se errada, se própria do tempo até onde a podemos narrar.
Cito José Silva Maria: «Tendo em conta os contornos da narrativa, atravessada por cosmogonias, lendas, crenças e sonhos premonitórios, havia o risco de Mia Couto cair em estereótipos ou, pior ainda, nas armadilhas do realismo mágico. Felizmente, tal não acontece. A sua prosa mimetiza a paisagem e flui como o rio que atravessa a aldeia. Não há demasiados afloramentos líricos, nem o exagero de neologismos que saturava muitas das suas obras anteriores.»
Isto quer dizer que vai no bom caminho, que a caça não acontece «nas costas da razão». Afastado o receio das «coisas invisíveis» e consciente da trágica e «infindável guerra», fica  o aviso contra o hábito dos homens sempre abusarem do seu poder e das mulheres educadas para a renúncia.

1 comentário:

jawaa disse...

Mais vale cair em graça do que ser engraçado, é sabedoria antiga.
Venha mais um Nobel para a Língua Portuguesa!