domingo, outubro 01, 2006

A DOLOROSA PERPLEXIDADE DA GATA

prólogo

Estamos em Outubro, escrevo no seu primeiro dia, e queria apenas agradecer a todos os que me leram ou visitaram, embora lamente que os contactos ou possíveis conversas não resultem de uma mais aturada leitura uns dos outros, independentemente da cultura redutora dos nossos dias de pressa e acumulações indizíveis. Grato por tudo, em todo o caso.
Queria contar-lhes o seguinte, ainda a propósito da morte de meu irmão, fatalidade pela qual recebi o vosso apoio.
*
Pouco depois de meu irmão se ter sentado ao computador, com o qual teqrminava um grande projecto de um grande e humanitário hospital, sucumbiu de forma fulminante, sem connsciência da queda que logo aconteceu. Em casa, uma empregada leal, feita gente de família, que tratava o meu irmão por pai, ouviu o estrondo e correu para o escritório: o pai estava deitado no chão, morto, com uma ferida na cabeça por ter colidido num vaso de flores. Ela abraçou-se a ele, chamou por ele, gritou para fora, telefonou para tudo quanto era eventual sítio de auxílio. Pouco depois, entre outros, dois médicos amigos confirmaram o óbito, ajudaram a arranjar as coisas, na ideia dos procedimentos necessários. O escritório ficou abandonado, silencioso, lavado de alguns fios de sangue escorridos da cabeça.
Daí a pouco, contudo, quando a turbulência dos humanos se diluíu e terminou em toda a casa, alguém podeia ter visto, como aliás aconteceu por acaso, a gata que vivia ali e ali acompanhava o meu irmão, num afecto interminável. A gata deitara-se, numa espécie de dor perplexa, à espera do impossível, no lugar onde o corpo estivera tombado. O nosso sentido imperfeito de transcendência fica por aqui, sem palavras.

2 comentários:

Titá disse...

Arrepiante e comovente.
Não sei o que dizer.
Limito-me então, a enviar daqui um abraço!

antonior disse...

Meu caro!

A escassez actual das minhas visitas a estes espaços impediu-me de ter tomado conhecimento da sua perda recente e de lhe ter manifestado o meu pesar pela sua dor. Faço-o agora. Deixo, para breve o meu comentário a tudo o resto que vi, porque as palavras devem ser sentidamente esgotadas no que a sentir se eleva. Os gatos têm magia e uma sensibilidade que causa estranheza, mas grávida de força e beleza.

Um abraço