Fingimos aqui uma coluna assinada por Constança Cunha e Sá, com o «boneco» da praxe, irreconhecível. Lemos uma crónica sua, no Público de 15 de Março, e verificámos que, falando de José Sócrates, primeiro-ministro, ela procurou enganar o efeito tablóide e usar da menor petulância possível ao abordar a vida normal do homem, quer enquanto menino e rapaz, quer depois quanto à sua prestação política, embora declarando, à cabeça, que «o estilo do primeiro ministro confirma apenas a sua falta de substância».Não encontrando no percurso daquela personalidade, ao longo da vida, nada de relevante, diz claramente: «É com este extraordinário curriculum que (José Sócrates) chega, em 95, ao Governo, pela mão do eng. Guterres, de quem foi sempre um solícito boy.» Parece difícil ser mais eloquente com tão pouco assunto. Uma grande parte dos nossos comentadores de política e assuntos similares está cada vez mais parecida com os próprios políticos, os quais procuram, paradoxalmente, abater: fazem assim um papel onde abundam os convencimentos, as mentiras, as distorções da realidade, tudo isso em pleno exercício de estilo e frequente redundância, insubstância, petulância. Ora esta sabedoria instantânea, como no caso dos treinadores de bancada, começa a merecer alguma palavra de indignação. Porque o artigo de Constança e Sá, intitulado pomposamente «O Estilo e a Substância», é que não tem mesmo substância e debita banalidades sobre a pouca sorte de José Sócrates. Este político português não beneficiou, com efeito, de um destino menos cinzento, mais colorido e relevante, marcado logo após o nascimento pela predestinação dos grandes homens, alguém que bem cedo, ainda de calções, revelasse claro sentido de liderança e carisma relevante.Tudo isto é abordado, sintomaticamente, em confronto com Aníbal Cavaco Silva, de berço modesto mas cuja entrega aos estudos se fez, como o próprio anunciou, «a pulso».
O CHAMAMENTO DO DESTINO E SUA SUBSTÂNCIA COM BOM ESTILO
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A par do «menino Aníbal», Constança fala do «menino Zezito» e esforça-se, com mal disfarçada petulância, em descarnar toda a história deste primeiro-ministro não predestinado que desde novo não se lhe descortinava uma ideia, algo que o distinguisse, um esforço, «uma proeza académica ou profissional». O bacharelato no ISEC será uma coisa menor, de duvidoso valor, aliás como essa «obscura licenciatura» completada vinte anos depois. Sócrates aportara entretanto aos caminhos da política e acompanhava Guterres (senhor que parece estar igualmente votado à menoridade, a vários títulos, pelas Constanças do snobismo intelectual que atravessa a comunicação social portuguesa). Por ela se soube ontem que Sócrates «em 1987, depois de se ter enfiado no sótão do eng Guterres e numas intrigas de maior alcance, chega finalmente ao Parlamento, onde viceja discretamente durante os anos do cavaquismo». O fio de fel e de desprezo continua durante mais alguns parágrafos semelhantes, rotulando Sócrates de «estadista de última hora» e outras coisas não menos ofensivas.
Chama-se a isto encher de lixo e má fé o «espaçopúblico» do jornal. Constança, cujo curriculum deveria vir sempre anotado em rodapé, terá de procurar fazer-nos o favor de trabalhar um pouco mais à clara luz do dia, porque, em termos de jornalismo com bacharelato e/ou licenciatura, a senhora carece de autoridade ética para dar prioridade, e nestes termos, à história comum de uma hora a montante, com omissões peculiares, da vida do primeiro-ministro, desconsiderando o jornal e o seu verdadeiro público, pois nem todos os grandes estadistas foram predestinados, doutorados, rangentes de luta, chefes precoces em associações políticas, eventualmente recheados à francesa ou num estilo anglo-saxónico, linhagem superior a montante, republicanos e laicos a jusante, sob a espuma dos dias após vinte e cinco de Abril de 74.
Será melhor, minha senhora, que se dedique a trabalho mais útil e menos redutor, deixando de sujar as mãos em coisas de cordel. Imagine que o primeiro-ministro tinha um pequeno defeito congénito no polegar esquerdo: isso seria assunto para encher a sua coluna, falando de disfuncionalidades orgânicas da ordem da predestinação e dos requisitos mínimos exigíveis a um homem de Estado? É claramente aconselhável abordar teses do domínio da tecnologia avançada e da necessidade da cultura. Preferir o trajecto do debate de ideias, as suas, minha senhora, e as do próprio Sócrates, sem contribuir de forma jornalisticamente redutora para diluir o perfil genuíno da nossa cidadania. Deixe lá as cores políticas, as emblemáticas dentadas de falso humor nacional, e debata a problemática desta civilização que sufoca no próprio crescimento, só crescimento, e perante a qual não nos ocorre dar espaço de emergência a verdadeiras alternativas de trabalho, aos conceitos de ordem social, inquirindo se as actuais vias de «desenvolvimento» apontam para novos objectivos, colocando ao governo as devidas equações de uma real inovação dos meios e dos modos. Ao contrário dessa linha, e alheia à relação entre as políticas a médio e longo prazo perante o próximo glaciar, o seu texto foi manifestamente conduzido com o fim de minimizar de forma literal o primeiro-ministro, personalidade que, seja como for, mostra uma certa qualidade inventiva no quadro do processo em que o país se inscreve. Ora ao público em geral, isto importa muito mais, saber dos eventos positivos, questionar o quadro da globalização, apreciar o primeiro-ministro nos limites que herdou e dentro dos quais procura, um pouco artesanalmente, alinhar as coisas por uma ordem de melhores perspectivas.
É do nosso interesse, de futuro, cuidar melhor da sua máscara.
3 comentários:
O pior é que muitos dos ditos jornalistas, são precisamente pagos para escreverem colunas que vão sujar e destruir a imagem e a carreira de um individuo público...
Não quer com isso dizer que não haja gentinhas nos lugares errados... os mesmos devem ser denunciados publicamente!
Até...
sobrinhasua
beijinho
Só o futuro fará justiça à obra. Embora não simpatize com os políticos em questão não concordo com mentiras e juízos perconceituosos. Sei que os jornais começaram a trazer atrás de si uma série de comentadores/cronistas que fazem dos seus escritos e opiniões sobre determinadas pessoas, verdades irrefutáveis.
O jornalismo tornou-se economicista, compram-se as notícias às agências noticiosas e enche-se o resto com textos de revista. Actualmente quase se pode fazer jornalismo sem sair de casa.
Desculpe-me a divagação.
Como eu disse no início, a história trará justiça ao que na realidade foram estes últimos anos em Portugal.
Gostaria de pensar que todo este esforço valeu a pena, contudo não é fácil acreditar perante a realidade.
Um abraço de um amigo.
As pessoas menos dotadas querem por vezes sobressair e fazem-no da pior maneira.Também lamento. A Comunicação Social vai de tão boa saúde que os aldrabões deste país até se propõem para julgamento na TV..!
Guterres levou-nos ao pântano para onde já antes havíamos sido encaminhados, mas pelo menos foi honesto alertando-nos para o facto e confessando-se incapaz de desviar dele o país - um homem inteligente e bem formado. Sócrates faz alguma coisa - poderia eventualmente fazê-lo de outro modo(?)- e a verdade é que não vejo quem se proponha, honestamente, fazer melhor...
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