segunda-feira, março 31, 2008
TECTOS PROVISÓRIOS E LIXO DE ZINCO
terça-feira, março 25, 2008
ATÉ OS ACTORES VIRAM ESTEREÓTIPOS


sexta-feira, março 21, 2008
O LONGO CAMINHO PARA AS ESTRELAS
terça-feira, março 11, 2008
NA MORTE DO PINTOR ROGÉRIO RIBEIRO
domingo, março 09, 2008
ENSINAR NA RUA: O SACRIFÍCIO
terça-feira, março 04, 2008
ARTISTAS PORTUGUESES CONTEMPORÂNEOS | Pedro Chorão

DERIVA DA JANGADA DE PEDRA
Estabelecido na ilha espanhola de Lanzarote, José Saramago, prémio Nobel Português, tomou a iniciativa de aderir à Plataforma de Apoio a Zapatero, o líder do PSOE que se recandidata a um novo mandato. Trata-se, bem vistas as coisas, de uma opção política estranha, sobretudo tomando na devida conta o facto de que este escritor é um dos mais distintos militantes de base, há várias décadas, do Partido Comunista Português. Com efeito, somada esta intervenção com outras demonstrações do tipo de afecto que Saramago mitigadamente nos confere, a posição que assumiu parece permitir que os seus concidãos se interroguem, nomeadamente como aconteceu no blog «resistir» (próximo dos sectores intelectuais comunistas portugueses) pelo artigo de Cristóbal Garcia Vera intitulado «A discreta deriva de José Saramago para a outra margem». E mesmo nessa perspectiva, os argumentos são brandos: evocar o facto de que Zapatero, apesar de haver retirado as tropas espanholas do Iraque, foi um fiel aliado dos EUA na guerra global contra o terrorismo, parece pouca coisa para reparos ou indignações. Nem isso, nem o facto do exército espanhol continuar ocupado no Afeganistão, com aumento de efectivos. Para o jornalista Cristóbal Garcia, importa também o facto de muitos considerarem o mandato de Zapatero pouco louvável para os cidadãos em geral, não tendo havido a melhoria da situação do país, em termos de bem-estar, como referem os seus correligionários. São aqui introduzidas outras observações negativas, e graves, sobre o que terá acontecido entretanto, incluindo a saúde e a educação no país vizinho. «Com a injustificada vénia que costuma conceder-se aos ícones da esquerda (escreveu Cristóbal), o escritor português tem protagonizado um paulatino processo de deiritização, com episódios especialmente infelizes» E aponta a posição tomada por Saramago junto ao grupo PRISA, numa das suas mais agressivas campanhas contra o governo cubano ou a sua desqualificação da guerrilha colombiana das FARC como meros bandos armados, atitude que provocaram as primeiras críticas isoladas contra o Nobel Português. (1) Estas questões, entre outras, não inquietaram os intelectuais portugueses, nem mesmo, seriamente, o Partido Comunista. Mas essa aparente indiferença, num país onde se faz capa larga a pequenos casos do dia-a-dia da política, teria aqui uma grandeza superior se não acontecesse pelas piores razões do nosso redutor comportamento sócio-cultural. Muitas das atitudes de José Saramago, cujas mágoas interiores são insondáveis, devem-se mais ao seu mal disfarçado azedume pelas críticas e avaliações soprando, breves, entre nós, do que por uma guerra política contra personalidades do país que adoptou como país de acolhimento, aliás bem mais generoso do que Portugal em termos de benefícios materiais e largueza das mediatizações. O rectângulo onde Afonso Henriques iniciou um reino historicamente importante não vale pela sua dimensão, nem pelas suas mazelas, mesmo que o reivindiquemos maior do que Lanzarote. A grandeza que Saramago deveria reconhecer-nos é aquela que nobilita (sem bajular o poder) o seu livro «Memorial do Convento». Talvez essa seja a sua melhor obra, e tem Portugal nos feitos, na raiz, no povo e no sangue. Ter-se-á Saramago enganado ao virar a esquina, durante a cegueira branca que laboriosamente descreveu numa das suas obras posteriores ao Nobel? O seu amor por Vilar não explica tudo, nem ausência, nem impaciências, nem descrenças. Portugal está na língua em que ele se exprime e seria porventura mais natural, em jeito de referência dignificante, que reflectisse sobre as suas raizes, que se empenhasse publicamente, sem desvarios, no aprofundamento da natureza desta sua Nação, a do Convento e das Caravelas, a de hoje, na Europa, pobre, discutível, mas digna de ser olhada e pensada pelo seu primeiro Prémio Nobel em literatura. Apoiar o PSOE seria, com natural justificação, um recado a sua mulher, sem interferência pública no aparentemente seu país de culto. Imaginem que o rei, como na Venezuela perante outra personagem, lhe dissesse: «Esses são casos da nossa conta. Porque não te calas?
(1) em referência ao artigo de Cristóbal e ao tratamento do assunto no Diário de Notícias 3.03
sábado, março 01, 2008
NUNCA SABEMOS O QUE É A VIDA
O título deste pequena homenagem ao escritor Lobo Antunes veio da sua própria boca, numa entrevista a Catarina Homem Marques. Ele acabara de dizer, um pouco antes, que «a morte tem os nossos olhos». Tenho lido, com regularidade, a obra deste homem invulgar no ser e no aparecer, um cidadão que se assume como o melhor escritor português vivo, que considera tal qualificação «uma evidência», e que, em todo o caso, diz com alguma simplicidade perturbadora: «Nunca sei se sou capaz de escrever ou não, tenho medo». Adianta, ao bater da mesma pergunta, se ainda tem esse medo: «Cada vez mais. Cada vez me é mais claro que sei muito pouco sobre o que quero escrever. Escrever é muito difícil.» Em face de um cancro que o surpreendeu a meio deste percurso, o escritor, cuja reflexão sobre a vida e a morte é eloquente, considerou que, naquela situação, somos confrontados com muitas coisas, refazendo os habituais alinhamentos sobre o futuro. «Ninguém é mais crédulo (disse) do que um desesperado. A minha experiência o dita, e percebe-se então que as pessoas são de uma fraqueza absoluta. Ninguém sabe o que é a morte, mas não faz muita diferença porque também nunca sabemos o que é a vida.» Sobre as pessoas, Lobo Antunes diz que gosta de algumas . Não muitas. O seu coração não é assim tão grande. «Gosto dos homens mais velhos do que eu. Sinto que tenho com eles uma amizade fraternal muito grande». Em relação propriamente aos escritores, Lobo Antunes pensa sobretudo naqueles com quem teve mais dificuldades, cuja leitura era no início complicada, difícil de comprender. Parecia-lhe vogar no nevoeiro. Depois, e como que de repente, tudo se iluminava, o caminho abria-se. «É preciso ler sem ideias preconcebidas». Ao ser questionado sobre o modo como os outros, ou as pessoas em geral, o vêem, o escritor foi determinante ao pronunciar que lhe era indiferente. «Não sei se já percebeu que me é completamente indiferente a imagem que têm de mim. Da mesma forma, a melhor maneira de lidar com os outros é tomá-los por aquilo que eles acham que são e deixá-los em paz. Isso não me preocupa». Lobo Antunes aceita que é um homem reservado e sobre os jornalistas pensa que só tem direito aos livros que escreve e não à sua vida. E, a propósito das entrevistas, diz que a verdade delas, se forem bem conduzidas e sem gravadores, está nos livros e não no autor. «Eu gostava um dia de fazer uma entrevista, a sério. Deve ser muito difícil. O entrevistado conta, obviamente. Mas o resultado depende sobretudo da empatia estabelecida. Já me perguntaram se percebo melhor os livros quando encontro os meus leitores. Há sempre muita coisa que me escapa nos livros. Não estou preocupado em compreendê-los. Aliás, a minha única preocupação é escrevê-los. Estou tão preocupado com os problemas técnicos que a cada passo o livro traz que não tenho tempo para me colocar esse tipo de interrogações». Do seu último livro, «O Meu Nome É Legião», o escritor é sensível à ideia de uma enorme fatalidade que recai sobre os meninos perdidos de si e da sua herança, embora não saiba se essa é a palavra certas para caracterizar as situações dos reformatórios. Em todo o caso, quando começa um livro, e isso é significativo, não dispõe de nada. Está só consigo mesmo. As coisas vão surgindo a pouco e pouco. O processo, contudo e por seu lado, não lhe parece do âmbito da fatalidade. A angústia, sim, ocorre. Espera sempre que haja, em volta e dentro das palavras, outros sentimentos, alegria, esperança, desespero. Isso pode decorrer depois com a leitura dos olhos de quem o lê, previsivelmente, ou da disposição com que se está a ler. «Há certas pessoas que dizem que os meus livros são polifónicos. Não me parece que sejam, mas a minha opinião é só uma opinião. Eu não os li, só os escrevi. De qualquer maneira, é cedo para se fazer um juizo em relação a esse livros. Há muitas coisas neles que escapam a um controle racional da minha parte. É-me difícil teorizar sobre eles».
Estes fragmentos e arranjos sobre a entrevista de Catarina Homem Marques, incluindo necessariamente os pontos mais ou menos fortes das respostas de Lobo Antunes, deixa-nos a alma um pouco seca. Talvez ele tenha razão sobre a necessidade de ser lido e sobretudo bem lido. Perante muitas coisas que ocorrem neste universo de confronto do homem com a sua própria obra, por vezes tem-se a sensação de que o livro está votado à indiferença dos outros, e que o seu verdadeiro destino é servir como objecto de leitura do próprio autor. Lobo Antunes já falou desta impressão, tão anónima é a minoria de quem (nos) lê. O modo como este escritor se exprime nas entrevistas é desconcertante, por vezes tocado de pontos de intensa luminosidade ou de uma partilha lassa e sincera, como aconteceu na conversa que manteve com Ana Sousa Dias. A televisão permitiu-nos ver o autor questionar-se, fazendo correr na voz macia sobre a mesa invisível ,presenças de dúvidas fugazes, obscuridades, cintilações, a entrega de quem sabe o peso da escrita e o seu efeito de libertação. Os seus livros têm vindo a tornar-se mais complexos e tecnicamente mas difíceis. As vozes cruzam-se, mesmo quando graficamente parecem vir da mesma pessoa. E é verdade que vêm. Lobo Antunes deixa-se assaltar pelas memórias e observações mais diversas, enveredando por vezes pelo caminho da engrenagem poética: certas frases que se alternam, lúcidas e retidas de um fragmento da fala enquanto decorre, lembram alguns versos de uma poesia que nos parece conduzir ao interior de nós mesmos, como descobrimos no teatro do absurdo, de Beckett. Um grito. Uma resposta. Uma incerteza. Uma impossibilidade. Entre a morte e a vida, sem futuro.