sábado, novembro 29, 2008

O BAZAR LABIRÍNTICO DA VIZINHA PATRÍCIA




Este bazar ou coisa desse género, excessivo, por vezes como um campo de flores ao semi-cerramos os olhos, existe há cerca de cinquenta anos ali para a ponta da Ferreira Borges. É fascinante procurar coisas de que não precisamos naquela selva de latas, alumíneos, plásticos, vidros e madeiras. Para não falar nas caixas de cartão pintadas para quartinhos com bonecas. Já adquiri nesta casa transcendente alguns objectos mais comuns e recorrentes: caixotes do lixo e adereços funcionais para garrafas e especiarias. É tudo inútil e demasiado, pitoresco e avassala-dor, o comércio de bugigangas e de non-sense. Há dias procurei, numa parte do labirinto, encalhando em espelhos e baldes de plástico, um conjunto de pratos da Secla, objectos que eu já vira alinhados numa das montras iguazinhas ao interior. Patrícia sorriu e disse: «Já não temos material da Secla. Há tempo que a fábrica fechou».
Fiquei fulminado, como quem sabe da súbita a morte de um amigo. Quando olhava para as coisas da Secla lembrava-me das visitas que fazia à fábrica, com os alunos e com a televisão, para uma série documental. Onde estariam aquelas raparigas pintando pratos em série, num truque de mágica sempre a bater certo? Os rostos pálidos, as mãos precisas e finas, a pasta cerâmica cor de café com leite, nem escura nem clara, apenas no tom certo que o forno iria petrificar e encobrir com o vidro fosco.

3 comentários:

vida de vidro disse...

Na sua diversidade caótica esses bazares parecem-nos sempre excessivos. A verdade é que, por vezes, aí descobrimos preciosidades.
Gosto das fotos, imagem do caos. **

bettips disse...

Tão diferente, o que sobra!
Prendeu-me o nome da R. Ferreira Borges, C. Ourique que tão bem conheço há 2 anos!
Hei-de ir espreitar...
Abç

Júlia Coutinho disse...

Querido amigo, e eu que sou de Caldas da Rainha e desde que me conheço convivi com a Secla, com a louça da Secla, com familia e amigos ligados à Secla... imagina como me senti quando soube da noticia. Ainda coloquei um post no meu blog...
Agora anuncia-se que também a Bordalo Pinheiro vai fechar. Encerra-se assim a última das fabricas de faiança artística caldense... perante a indiferença geral, sem nada se fazer para conter esta sangria patrimonial. Já em Alcobaça é o mesmo... e os vidros da Marinha Grande, idem, idem.
É como dizes: um baque fulminante no coração, uma dor como se nos arrancassem um orgão vital. Mas isso só acontece a quem pensa com o coração e tem uma réstea de sensibilidade, o que não acontece com os nossos governantes nem com os homens do dinheiro...
Grande abraço e Feliz Natal!