segunda-feira, dezembro 29, 2008

O EVENTUAL AFUNDAMENTO DAS CARAVELAS

CITAÇÃO DOS DESENHOS DE HELDER OLIVEIRA/WHO, PUBLICADOS
NA REVISTA ÚNICA
ao acaso dos nossos escolhos e secas


No ano 9 do segundo milénio, ainda tiritando de devaneios, Portugal está a descer aos infernos, roubado das suas entranhas, incluindo as restantes autoridades do saber. As imitações espalham-se pelas ruas, entre lojas e bancos, rasgos de violência, roubos com alguns tiques cosmopolitas. A Helder não escapa nenhum destes estilhaços, políticos inspirados prontos a um suicídio provinciano e a encalhar nas redes internacionais da intriga, da golpada, do conluio. Muitos deles, a maior parte, cuidam de viajar por tudo quanto é sítio, fazem compras, conspiram, espreitam os paraísos artificiais, fiscais.
Por estranho que pareça, o último governo tinha lançado ao ar alguns balões com as cores dos partidos, assaz carregados de ideias assim-assim: o patronato, agora com os cognomes de «empreendedores» tratou bem das finanças próprias, trocaram dinheiro por mais dinheiro, compraram belos barcos de recreio, subsidiaram novas marinas, financiaram, entre clandestinidades, os chamados agentes imobiliários, antigos «patos bravos». Muitas coisas obscuras começaram, além das outras, durante a crise: os espanhóis desataram a passear pela fronteira, a beber pinga de medronho, a mirar as aldeias quase abandonadas e outras de todo entregues ao matagal. Fizeram propostas, trouxeram vinho da Andaluzia, perguntaram pelas pessoas. Anda tudo pelas cidades do litoral, surfando, surfando. E esta casinha, o senhor vendia-me esta casinha? Ora essa, então somos irmãos, quanto quer dar? E quanto quer vocemecê? Vá lá mais um corpo, isto arruma-se. E tem sido um corropio de arrumos, os irmanos plantados em vivendas na margem do Alqueva, do lado de Espanha, e os sonsos de Lisboa do lado contrário. Afinal, a desertificação estava ali mesmo a calhar, com terras ao abandono mas cheias de sobreiros, uns vinhitos capazes. Os latifundiários, que Deus tem, deixaram cá uns delfins aparelhados, estavam quase sempre em Lisboa e arredores. Os latifundiários de Castela foram mais longe neste país caiado: só os senhores da Quinta da Marinha «apanharam» no primeiro dia de visitas cinco proprietários, uns das lezírias e outras vindos do sul do Tejo, além de um Comendador e o Presidente de Conselho de Administração de um banco de gerir fortunas, coisa fina.
Manuel Alegre, que estava a ponderar derivas políticas para rejuvenescer, ficou espalhado num sofá a chupar um charuto que o amigo Fidel enviara para uns quantos lusitos da esquerda. Estava bem de ver que a democracia portuguesa, nesta época, apanhara os fluxos e refluxos da crise económica Global e escassamente se podia desculpar, após as glórias de Abril e do 25 de Novembro, com as teinosias dos prima dona, barões do norte, nem dos comandos, nem do paleio amigalhaço do Otelo e suas Chaimites. Aliás, a comunicação social não ajudava nada, é feroz, simplificadora, interesseira, pendurada (a todos os níveis) das mais valias da publicidade, da boateira, esticando sempre qualquer fait-divers em ilustrações práticas das estratégias conspirativas, golpes do baú, aleivosias da riqueza em trânsito, de achamento e escondimento, tudo nas barbas brancas e sujas dos indigentes, dois milhões de pobres, no mínimo, e dois milhares de pessoas sem abrigo, só em Lisboa. E só quem lhes pode pisar os calos ou ir-lhes às canelas, é o homem da ilha, o Jardim.


A saúde está em greve, a ministra da Educação tem uns papéis à sueca para avaliar professores latinos, e o Dr. Cavaco Silva, Presidente da República, anda numa onda de coordenação estratégica, de boas relações com o Primeiro Ministro, engº José Sócrates. Sócrates não se fica, uma picadinha aqui, uma teimosia ali. Além do mais, apesar de alguns ministros menores que fazem parte do seu governo (dizem), tem outros de ferro, os quais fazem uma inveja danada aos da esquerda, Bloco, Partido Comunista com Jerónimo e muita disciplina, restos de outras forças boiando numa espécie de Mar fos Sargaços. PSD e PS (o CDS afunda-se com a grande oralidade de Portas, um ou outro, tanto faz) andam como carangueijos, pernas e marcha de lado, nuncam páram ao centro. Se a oposição é sempre maníaco-depressiva, podia, pelo menos, ajudar os que estão no poleiro. Era porreiro haver assim uma consertação centrada, bem apoiada, com pecadilhos à esquerda e à direita, mas sem função meramente ornamental.
Na sua base psicológica, dizem esses doutores de aviário que abundam na nossa praça: Cavaco e Sócrates não se entendem ao centro porque são os dois igualmente teimosos e arrogantes, o que é importante para estas tardes frias, com os hospitais atulhados de pessoas engripadas. De resto, eles sabem que já não há vacas gordas, ambos se bastam com jogos e picardias, enquanto os piratas trepam as escadas do poratló e da varanda do Palácio de Belém.
O Partido Socialista está pela primeira vez a governar sozinho com uma maioria absoluta; e, embora com alguns golpes de asa, alguma invenção modernizante, faz, em suma, mais ou menos o que fizeram os cavaquistas. Pacheco Pereira, comentador, é o chefe de todos os comentadores e dos árbitos, incluindo os do futebol. Ele fala pelos cotovelos e pelas cãs, numa oratória que leva tudo atrás, interrompe tudo, manda em tudo e sem estar com o rabo na cadeira do poder. É do quarto poder. Em alucinação como um F16, fala agora o nosso amigo Rebelo de Sousa, pirateando a Ferreira Leite, apoiada pelo Pacheco. E o Pulido, arfando, lá foi dar uma ajuda à enfática lâmina com que Manuela Guedes zurze os homens do poder. O Vitorino é uma peça rara, pertence à guerra de vanguarda, fala depressa, de forma exacta, e no fim a gente até o percebe. Os outros dois, para não falar nos 555 que há no país, forma grandes rolos fraseológicos, mas o Rebelo acaba por desfazer os rolos com uma previsão astral, vertiginosa, cortante. São os astrólogos da nossa política que está toda escrita nosa graffiti das cidades, mesmo as mais abandonadas no interior.
Paulo Portas está a precisar de Ana Dargo, miminhos esquerdinos para lhe endireitarem o pescoço garbosamente torto. O pobre do Menezes rói as unhas, de arrependimento e inveja, e manda Santana escrever Salmos, «andar por aí». Alguns lisboetas já compraram casa no Alqueva e em Porto Covo, para a hipótese do Santana derrotar o António Costa (anomalia pensável entre nós); se tal acontecer, Santana já foi copiar os arranjos dos Espanhóis, bairros inteiros reconstruidos, ruas inteiras para passear, tunéis em todas as direcções, inteiros, para os carros afocinharem. As caleches vêm para a baixa, Rossio, Terreiro do Paço. Manuel Ferreira Leite, desde que se fez à presidência do Partido Social Democrata, trepa escadas silenciosamente, cara do século XVII, pernas finas e firmes. Já foi secretária, ministra da Educação e das Finanças, e há quem diga (os arrumadores de carros) que o déficit que ela deixou, 6,8, foi decorrente de um pacto para tramar o Sócrates logo à primeira. Não tramou: Sócrates fez uma engenharia financeira capaz e acabou atraiçoado pelos banqueiros de todo o mundo, neo-liberais, capitalistas da ganâmcia cega. Louçã está contente: a esquerda sobe nas sondagens. Jerónimo, estátua de adamastor, acredita na disciplina: mais vale a escolinha, com carteiras em rampa, onde agarra o seu Comité Central, do que dinheiros sem nome, dinheiros que não subam do povo e pelas mãos calejadas do povo.

Upa, upa, o que é preciso é ter força e coragem para alcançar os patamares do poder e limpar o país de tantos engenheiros que andam por aí. Eu gosto da ideia do computador e um dia se verá como isso vai deixar marcas. Ao menos a ideia do plano tecnológico tem provas dadas, embora a imprensa não estude o problema e se entregue às momices pela bem encenada ascenção de Sócratas nessa «dádiva» à pequenada. Isso não me choca. Aborrece-me é aquela espuma que anda sempre atrás dele, Helena de Tróia independente, Alegre can-tando os partidos de Portugal. Como se fosse assim que se desmonta uma máquina destas! A Dra Manuela, apesar de algum derriço do Sócrates e dos ciumes do Pacheco, continua a desfiar azedume e a confundir solidariedade, companheirismo, esforços consensuais, com BLOCO CENTRAL. Ora fala, ora não fala. E quando fala aproveita-se pouco. Pouco de todos. Ela não tem que se irritar com tudo o que é do poder, acastanhando o seu sorriso incapaz de ternura. Quando se falou em pacificação e um grande espaço político governado por diversas partilhas de boa vontade, ela exclamou: «Só se eu estivesse doida!»


Doida não está, S. Rebelo nos acuda. Mas a insanidade do povo português vem de longe, das separações, das partidas nos cascos dos navios, caravelas atrás de caravelas, doidos aninhados nos porões, comendo solas e abocanhando, nos intervalos em terra, alguma nativa geradora de portugueses de segunda. Esses sim, eram de segunda escolha. Vê tudo bem, Marcelo, porque isso de ir apanhar as laranjas alheias também não fica muito bem num professor universitário nadador salvador.

Vão lá apamhar as laranjas, bem precisam. O Sócrates, que é um dos ministros mais bem vestidos do mundo, anda a olhar para as eleições e a visitar empresas de informática.


TENHAM CUIDADO COM AS LARANJAS ESPANHOLAS

2 comentários:

Lord of Erewhon disse...

UM BOM ANO, que 2009 nos traga a todos um melhor mundo.

Abraço.

P. S. Portugal resolve-se, vai é levar tempo, e não sei se vai ser pacífico.

jawaa disse...

Deliciei-me a ler estas palavras derramadas por sobre imagens escolhidas a preceito.
Para despedida do ano-velho estiveram à altura; para o ano-novo tem de escrever esperança, contra ventos e marés, ou não sejamos um povo de marinheiros.
Como diz o nosso monárquico, Portugal resolve-se, vai-se resolvendo.
E pacificamente - digo eu que não sou do dark.