Algum tempo depois do 25 de Abril de 74, aparentemente vários anos após aquele memorável Primeiro de Maio, mãos dadas e flores, canções de epopeia, Zeca Afonso ao amanhecer, começaram a emergir azedumes na força irracional dos desencontros, obscuras conflitualidades. Um fio de mágoa tocava o coração dos velhos, de alguns resistentes carregados de inocência, a tropa trotando pelas cidades em nome do PREC, ao dizer-se capaz de ajudar a «reconquistar» as coisas do povo, terra, casas, caminhos, o gado. Os latifundiários, diziam os novos comunistas, de casacos aos quadrados, têm de partilhar as terras com o processo revolucionário em curso, com os camponeses e as camponesas. As casas devolutas ocupam-se. As falsas fortunas, fugindo a más horas, nacionalizam-se, toda a banca e todas as fábricas, e quem o disse melhor o fez, arrastando dependências por todos os cantos do país. Houve a Fonte Luminosa, uma resistência com outro nome, enquanto novos partidos, à esquerda e à direita, se fundavam num cada vez maior afrontamento. Da extrema direita à extrema esquerda, 42 grupos procuravam expressão em conteúdos políticos quase todos gastos ao longo do século XX. O CDS, novíssimo à direita, era perseguido como os antigos homens da esquerda. O PCP, com Álvaro Cunhal, fazia uma estratégia institucional e opunha-se ao poder cada vez maior de Mário Soares e do PS. O PSD chamava-se PPD, altura em que perdeu, num sinistro desastre de avião o seu maior expoente, Sá Carneiro. Amaro da Costa, do CDS, também faleceu. Alguns nomes, riscados nas paredes, siglas e contra-siglas, produziam estranhas iconografias, testemunho da fragmentária existência dos partidos políticos. Esquerda, Direita, Centro e extremos, tudo isso se transformava em ansiedade conflituosa, incandescente. Houvera e havia pinturas parietais, muros cheios de riscos sem nexo ou ilustrações «didácticas» que a massa do povo mal aprendera.
Aí as temos, as letras, as siglas, PPD vandalizado com uma violenta suástica, enquanto um vagabundo, em certa vila do interior, se senta por baixo daquela simetria e limpa o nariz, indiferente, assimetricamente. Será este, ainda, o povo português? Este homem tinha vindo à praça, comera pevides e bebera um copo de três. Fazia calor, era um verão quente daqueles que os políticos inventaram. E então, sem nada saber de nada, nem da sua fome, o homem sentou-se no chão, por baixo daquilo, refrescando o corpo e a fervura do vinho. Uma verdadeira e cândida criança dos destinos anónimos.
Aí as temos, as letras, as siglas, PPD vandalizado com uma violenta suástica, enquanto um vagabundo, em certa vila do interior, se senta por baixo daquela simetria e limpa o nariz, indiferente, assimetricamente. Será este, ainda, o povo português? Este homem tinha vindo à praça, comera pevides e bebera um copo de três. Fazia calor, era um verão quente daqueles que os políticos inventaram. E então, sem nada saber de nada, nem da sua fome, o homem sentou-se no chão, por baixo daquilo, refrescando o corpo e a fervura do vinho. Uma verdadeira e cândida criança dos destinos anónimos.
2 comentários:
O que mudou mesmo foram algumas siglas, porque o povo, os partidos e as ideias continuam iguais. Estáticas.
A "limpeza" dos salões foi muito bem apanhada...
Um abraço,
Miguel
P.S. O Obama que se acautele. Nem todas as moscas são fáceis de apanhar.
O povo português é mesmo assim.
Prova-o quando não vai às urnas, ainda não percebeu que também se vai lá para dizer simplesmente «não».
Reclamou por demasiado tempo o direito de votar que não tinha.
Agora que o tem, manda-o às urtigas.
Eu acho que este povo merece o que tem.
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