Mia Couto
Mia Couto é um escritor Luso-Moçambicano, ou ao contrário, que viaja assiduamente em direcção a Lisboa e ao Brasil, mercantilizando a sua imagem e a sua gostosa escrita ou cortejando (no melhor sentido) intelectuais e professores de toda a parte. Os mais preciosistas garantem que o artista se trata de um dos nossos maiores escrevinhadores, desbebendo os vidros do Porto e canecando belas murraças que eu próprio já experimentei em Quelimane, logo logo e esófago enroladiço até cuspir, depois escrementando o almoço em finos cheiros azeverdes.
Aqui há uns meses, havia um certo número de bloguistas que partilhavam um jogo de palavras, as quais eram previamente propostas por um coordenador. Tratava-se de meter as palavras num contexto narrativo ou poético, mais ou menos inteligível. Fizemos um com palavras de Mia Couto, inseridas em «Cada Homem é Uma Raça» e passo ao exemplo possível:
«A miúda andava meigando pelos cantos, mas o pai estava atento, atrás do vento. Viviam na redondura das ilhas e a família era pouca. A Lauridinha gostava das cascas dos mariscos, mas o primo bebia muito e daí que a sala acabava por dar lugar à pontapesaria. As ilhas também são assim, com a maré da alma vaziando-se. A música fazia-lhes bem, aos ilhéus, todo o espaço se fabulava. E quando a morrinha prendia tudo e todos, aí pelo início da tarde, as pessoas entravam devagar, sacundindo gotas de água, todas parecendo tocadas de uma espessa sonolentidão.
De manhã, se o sol batia nas janelas, acontecia quase sempre a par de um verdadeiro chilreino.
Laurinda apressava-se, tinha que aproveitar o bom tempo, pensava me prossigo, e pouco depois voltava ao quarto.Raramente se punha a ruar, como as outras. Ía à missa, desatenta, sabia que o padre duvidava do seu joelhamento. Morrera-lhe o noivo, preferia visitar a campa para se lembrar do sabor do corpo dele. E contudo alguns choros, estremunhos. Mais tarde sonecava ali mesmo, agarrada às flores; e quando se levantava era como se sonambulassa, vaga, em deriva. E em casa, descasada, o espaço sofria de solistência. Os mais n0vos, amafengu, gingavam assim, entre a fome e a brancura. Havia um deles que sonhava com bula-bula, de uma casa onde vendiam ndoé, raranja, esperando pela voz do cocorico.
Aqui há uns meses, havia um certo número de bloguistas que partilhavam um jogo de palavras, as quais eram previamente propostas por um coordenador. Tratava-se de meter as palavras num contexto narrativo ou poético, mais ou menos inteligível. Fizemos um com palavras de Mia Couto, inseridas em «Cada Homem é Uma Raça» e passo ao exemplo possível:
«A miúda andava meigando pelos cantos, mas o pai estava atento, atrás do vento. Viviam na redondura das ilhas e a família era pouca. A Lauridinha gostava das cascas dos mariscos, mas o primo bebia muito e daí que a sala acabava por dar lugar à pontapesaria. As ilhas também são assim, com a maré da alma vaziando-se. A música fazia-lhes bem, aos ilhéus, todo o espaço se fabulava. E quando a morrinha prendia tudo e todos, aí pelo início da tarde, as pessoas entravam devagar, sacundindo gotas de água, todas parecendo tocadas de uma espessa sonolentidão.
De manhã, se o sol batia nas janelas, acontecia quase sempre a par de um verdadeiro chilreino.
Laurinda apressava-se, tinha que aproveitar o bom tempo, pensava me prossigo, e pouco depois voltava ao quarto.Raramente se punha a ruar, como as outras. Ía à missa, desatenta, sabia que o padre duvidava do seu joelhamento. Morrera-lhe o noivo, preferia visitar a campa para se lembrar do sabor do corpo dele. E contudo alguns choros, estremunhos. Mais tarde sonecava ali mesmo, agarrada às flores; e quando se levantava era como se sonambulassa, vaga, em deriva. E em casa, descasada, o espaço sofria de solistência. Os mais n0vos, amafengu, gingavam assim, entre a fome e a brancura. Havia um deles que sonhava com bula-bula, de uma casa onde vendiam ndoé, raranja, esperando pela voz do cocorico.
1 comentário:
Porque Mia Couto não é português, a coisa não assenta mal. É inofensivo para a língua lusa porque ele assume esta a sua escrita num contexto dialéctico, muito próprio do povo moçambicano, de algum modo inspirado no xangana outros dialetos.
Vejo-o como um escrevinhador, alguém que sabe brincar com as palavras. Alguém que sabe conjugar a fonética e a semântica sem danificar a nossa língua como no caso do acordão.
Texto pertinente. Escrita da boa e permanente.
Deixo-lhe um xilhanfane maningue grande, João.
Miguel
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