Sei muito pouco o que dizer perante a morte, entre familiares e grandes amigos da nossa história contemporânea, como é o caso de Raul Solnado. O que me vale, nesta situação de Solnado nos pertencer a todos e todos lhe pertencermos, é que o vazio provocado pela morte, absurdo da própria criação, distende-se por uma obra que ele nos deixa e que podemos visitar de várias maneiras, segundo meios muito avançados. Um dia isso será para todos, se chegarmos a esse dia, mas o actor pensou sempre em nós e tinha um apreço muito grande pelo lado mais humano e mais modelar dos seres que vivem, num certo abismo, nas margens da sociedade, quase párias, velhos perdidos na orla da calçada, artistas que morrem sem uma brisa de presença e de amizade. Mas em boa verdade, esta atitude solidária estendia-se a toda a gente, sem subserviências e com um grande sentido de solidariedade.
Desde muito cedo que recebi, calorosamente, este gesto, como outros, o triunfo do riso sem vaidade e os efeitos de um grande currículo profissional, no teatro, nas rábulas, na extraordinária criação de personagens em que nos reconhecíamos, a nós e a muitos outros, no cinema que vem desde o D.Roberto e que alcançou domínios de seriedade exemplar, de rigor, de contenção, aliás na mesma medida de importantes entrevistas. Sobre ele se escreveu talvez menos do que era preciso, pois Solnado, além de ser um dos maiores vultos na história do seu género mais conhecido, em Portugal, países lisófonos, Brasil em particular, era também, por excelência ,um personagem humano digno de estudo, de aprofundamento técnico e sociológico. Sempre lutou, mesmo nas peças de verdadeiro non-sense, pela afirmação do homem, dos seus valores, da ética e de uma afirmação da liberdade responsável a todos os níveis. Dele nos fica, com efeito, uma obra significativa. Um testemunho de humanidade. Um facto de arte limpa, apesar de, tantas vezes, ser inspirada na incultura e no analfabetismo do país, politicamente esfacelado.
Morreu o nosso amigo Solnado, um amigo em quem podiamos confiar. Talvez alguma perplexidade o assaltasse nos últimos tempos. Mas não era (disse) por medo da morte, coisa universalmente inevitável, antes porque gostava imenso de viver. «Viver é bom»
Morreu o nosso amigo Solnado, um amigo em quem podiamos confiar. Talvez alguma perplexidade o assaltasse nos últimos tempos. Mas não era (disse) por medo da morte, coisa universalmente inevitável, antes porque gostava imenso de viver. «Viver é bom»
3 comentários:
Em nome da humanidade possível:
Vivamos pois, enquanto é possível.
O abraço de sempre,
Miguel
«Viver é bom».
Solnado soube viver e dar vida aos outros.
Obrigada a ele por isso e a si por nos lembrar.
Obrigada,Professor,por em nome dos homens nos fazer entender tão bem a vida.
Obrigada também por nos dar esta possibilidade de subscrever a sua homenagem ao Raul Solnado .
Maria João Franco
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