terça-feira, abril 13, 2010

AS SUAVES SESSÕES DA JÚLIA DOS ESPÍRITOS


Meus aigos, esta é a imagem digital do protoplasma da Júlia, distinta apresentadora de televisão e que ultimamente nos tem presenteado com sessões finíssimas da mais transcendente estrada de comunicação entre a nossa palpável e medíocre dimensão de humanos com o espaço onde se deslocam, invisíveis quase sempre, os perespíritos e os espíritos que nos são próximos ou distantes, a maior parte dos quais parecem divagar (cómoda ou incomodamente) pelos lugares da sua vida carnal, pelos sítios onde se deslocam os seus parentes queridos. Júlia dos Espíritos acompanha uma medium inglesa, soft e certeira, claramente ao vivo, todos ao vivo e no meio da maior das claridades. Como se vê, trata-se de uma espécie de laboratório nada semelhante às difusas e sonurizadas sessões dos tradicionais espiritas. Aqui pode haver gente como o Rui de Carvalho, leve, sério e confirmativo. E outra gente com a mesma placidez bonita, sem ansiedades, nem dores, nem esquizofrenias. São todos e todas como maçãs maduras, limpas e sem bichos.
Júlia Pinheiro (dos Espíritos) diz à senhora (inglesa) para começar. E ela, de pé, sem formalidades, com voz natural, aponta para um dos circunstantes: «Este, por exemplo». E Júlia diz que vamos começar e que ela será intérprete das falas da senhor vidente. Parece uma representação lindamente estudada em casa, tão bem, tão bem, que a própria apresentadora, conhecida por ser esganiçada até ao cansaço dos ouvintes, sucumbe ao milagre de falar em tom natural, na mais fluente e doce das traduções. «Aquele senhor tem uma figura de mulher junto ao seu ombro. Usa um chapéi de palinha, é branca, usa um belíssimo vestido de verão. Ela diz que continua a amá-lo muito, mas revela-se perturbada ao lembrar o filho que perderam num horrível desastre. O homem leva a mão aos olhos, também perturbado, mas recompõe-se depressa». «Que pode dizer-nos sobre isto?», pergunta a Júlia do Espíritos. Ele diz que sim, que é verdade, o filho morreu há um ano, num desastre de mota, dois anos depois do falecimento da mãe, ainda jovem.
Esta é uma narrativa possível do que acontece naquele programa. Se fosse possível ter esta internet dos mortos, com um motor de busca bem superior ao Google, um mundo já tinha dado uma volta muito grande, transfigurando-se em muitos aspectos. E teria sido prestado um serviço inestimável às religiões, incluindos aquelas que acenam céus palpáveis, capazes de convencerem o mais empedernido dos homens a se suicidarem, fazendo-se explodir com bombas, assim combatendo o inimigo na Terra e catapultando-se para lugares paradisíacos, onde o amor tem novas cores.
Esta total e grosseira falta de respeito pelos que estudam a eventual sobrevivência da alma, ou se ela existe e como, com que propriedades, porquê e para quê, é conenável. Um travestimento desta natureza, sem que ninguém se indigne, não pode passar por entretenimento: é um jogo preparado para criar expectativas palpitantes nos crentes, algo «dizível» daqueles dois mundos. Mas eu não sei se o jogo se chama embuste, ou outra coisa pior, e não percebo como se mantém em emissão, com a maior naturalidade, um tão grave atentado à nossa inteligência e condição humana. Ou será que só a política, rasteira, de idêntico nível, é aconselhada à moderação ou mesmo a sair de campo? Perguntem à Manuela Moura Guedes se quer participar no programa da Júlia dos Espíritos. Não sei se ela arrasta maus ou bons espíritos, mas repetirá sem papas na língua o que lhe comunicarem do Além, doa a quem doer. Júlia, isso não é deontologicamente aceitável, nem com falinhas mansas.

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