sábado, outubro 16, 2010

ARTE COMO ESTATUTO SOCIAL E VERTIGEM

Leonor Nazaré

Num recente programa de televisão dedicado à situação do ensino artístico em Portugal, com a colaboração da Sociedade Nacional de Belas Artes e algumas personalidades do contexto,ouvimos coisas bem interessantes e a confirmação de que os governos que nos governam têm vindo a contrair a presença da Educação Visual, as bases do ensino artístico até ao 12º ano, bem como o valor formativo, em termos gerais pluridisciplinares.
Falando com os críticos e curadores, a coordenadora do programa, entrevistou brevemente Leonor Nazaré, do CAM, e por ela ficámos também informados de que o peso das instituições de prestígio, Gulbenkian, Culturgest, Serralves, é determinante para o sucesso de muitos artistas mais ou menos dotados. Os jovens sim, porque já não se praticam actualizações sobre o que estão a fazer os mais velhos (dotados de obra séria), e nenhum artista hoje pode dar-se ao luxo de não tratar, com os meios inerentes ao meio, do seu próprio marketing. Mais: as instituições vocacionadas para o serviço público, como as que citámos, têm todo o direito de enveredar por uma tendência, estudando-a e propondo-a com prioridade cultural. Mas a Leonor está enganada, no seu plinto dourado: são essas organizações as que mais têm o dever de formar públicos, de ser plurais na qualidade e na publicação pedagógicas das artes em geral. Grupinhos de curadores, sedentes de voltar a dividir (para reinar?) aquilo que é aberto e indivisível nas suas semelhanças e diferenças, disso já vimos as consequências, lutas, razões cegas, injustiças.
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Leonel Moura

Leonel Moura, artista plural, incisivo e por vezes impertinente com aqueles que não saúdam a sua intocável razão, tem feito percursos interessantes nas artes plásticas, desde a bad painting à recente exploração da robótica. Não sendo uma descoberta isolada, esse trabalho com robots, ele aprofundou variantes e criou uma realidade sua, apelativa, que produz efeitos (não bem resultados) de grande interesse visual e susceptíveis de alcançarem melhores performances.
Também entrevistado naquele programa, Leonel Moura, como habitualmente, falou em geral de instituições ligadas ao ensino artístico e da sua dificuldade na procura dos acompanhamentos das rápidas mudanças dos novos paradigmas neste domínio. Paradigma, para tudo e todos, eis a questão. Mas sim, as escolas e outras instituições ligadas às artes devem acompanhar os novos valores, novos métodos e novas tecnologias. Os computadores são uma ferramenta de eleição, mas a massificação da sua presença tem perigos evidentes. É verdade, contudo, que o próprio computador pode fazer de pincel, pode criar formas e figuras inusitadas. Eu próprio já apresentei experiências desse tipo, com obras inteiramente trabalhadas através do computador enquanto ferramenta principal. Mas isso, num campo não dogmático como a arte, não tem nada a ver com instrumentos obsoletos ou de última geração. Pode trabalhar-se com pincéis, rolos e ferros de soldar. E com as mais invulgares matérias sustentáveis. O que é lamentável é a afirmação peremptória, e destituída de qualquer verdade estético-funcional, com que Leonel Moura mimoseou os telespectadores. «A Arte tem de acompanhar a velocidade das transformações técnicas e de conteúdo da criação artística no presente. Um pincel, por exemplo, é já, sem dúvida, um instrument o obsoleto».
Um pincel é um instrumento como qualquer outro. E se hoje usamos o machado de aço e madeira para cortar certos materiais, isso deve-se ao fascinante património que bem conhecemos -- o coup de point. Magritte representou mimeticamente um cachimbo e legendou esse trabalho da seguinte forma: Isto não é um cachimbo. Hoje podemos fazer o mesmo com a representação de um pincel (isto não é um pincel) e trabalhar com ele logo a seguir: a grande capacidade do homem em recorrer a ferramentas inesperadas ou antigas, torna os aparelhos obsoletos paralelos a um bisturi electrónico.

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