terça-feira, novembro 25, 2014

UMA QUARENTENA POR DOENÇAS DO CAPITAL





O thriller desempenhado pelo ex-primeiro Ministro José Sócrates ocorreu à sua chegada de Paris, tendo sido usada a manga de evacuação por emergência. Ele sabia que seria detido no aeroporto: entidades policiais e tributárias, carros ligeiros, descaracterizados, as televisões e os jornais, todos parecendo seguros do que se passava, na hora certa. Estavam lá. O segredo de justiça era, mais uma vez, divulgado  e envolvia  presunções graves sobre crimes cometidos por José Sócrates: fraude fiscal, corrupção e branqueamento de capitais. 
No Campus da Justiça, ao qual aportaram os carros, autoridades e o indiciado daquelas acções verdadeiramente graves e surpreendentes, toda a gente dos noticiários e jornais da manhã mostrou-se paciente, profissional, durante longas horas. Entre as dez e onze horas daquele dia, uma funcionária leu o comunicado do juiz inquiridor, Carlos Alexandre, no qual se esclarecia, em nome da tranquilidade pública e do interesse das investigações, que a José Sócrates era desde logo atribuída a medida de coação correspondente a Prisão Preventiva.

Nos dias seguintes, jornais, televisão e rádio dedicavam as mais diversas abordagens sobre tão excitante assunto. Eu próprio cheguei a descrever aqui a acção rocambolesca da detenção de Sócrates e da sua ida, naquele mesmo dia, para a Penitenciária de Évora, recentemente cuidada e dedicada aos detidos de especial importância nos domínios sociais, políticos, económicos. Desde então, houve especiais cuidados no Partido Socialista, à beira de um Congresso, e debates os mais diversos. A minha atenção fixou-se ontem, dia 30, na conversa em que participou, com especial relevo, António Vilaverde Cabral: a sua análise das situações relativas ao regime português, ao comportamento da justiça, às sequelas de muitas derrocadas nos últimos tempos, incluindo  ilicitudes agravadas e um desgaste geral cujo aprofundamento começa a abrir espaços problemáticos ao futuro do país, tudo isso me deixou assombrado, numa espécie de revelação iluminada.
Por isso achei curial sintetizar a notícia que detalhara sobre a viagem de Paris para Lisboa do ex-primeiro ministro José Sócrates. É verdade que não concordo com acções deste género provocando demasiados efeitos de ricochete. De resto, não sei se a Justiça está agora mais rápida perante os crimes de colarinho branco e novelas sucateiras. Pode parecer mas não sei, não posso afirmar, embora me pareça que o país precisa cada vez mais de clareza nas decisões e de um forte entrosamento das diversas áreas de criação e produção. Fico gelado quando me anunciam crimes hediondos preteridos por gastos de tempo de pesquisa e escrituração. 
Apreciei, no seu primeiro mandato, muitas das ideias avançadas por Sócrates, aliás numa altura em que a própria União Europeia abria fundos para o desenvolvimento de infra-estruturas modernizadoras, projectos sociais ou de qualificação, bases de melhor sustentação quanto à escolaridade, ensino superior, planos tecnológicos. Depois desse tempo, quando as eleições deram ao partido Socialista, e a Sócrates, uma vitória relativa, a crise começava a cavalgar na mobilidade grosseira da  globalização. E cá estamos nisso, num tumulto de guerras e fanatismos sem limite. A Europa perde uma boa parte da sua luz.
Qualquer processo desta natureza, há muito anunciado e hoje ancorado tecnologicamente no maior vórtice, massifica quase tudo, baixa os indicadores culturais, os índíces de desenvolvimento em harmonia. Talvez tudo, assim. deva recomeçar por vastas áreas de  inquérito e avaliação. A comunicação social tem de regular as suas fontes, sem bolas de cristal nem dinheiro mal parado.  
Não é meu intuito afirmar o céu na terra, nem qualquer favor público a certas personalidades cuja acção ou obras atraíram muita gente e levaram outra aos domínios da ira e da negação. Há sombras e claridades um pouco por todo o lado. Dentro de um mundo assim é nosso dever avaliar com propriedade quando figuras de perfil histórico nos conduzem a tomar as nossas próprias decisões comportamentais, de cidadania, perto ou longe da política. Se é que se pode despolitizar a vida em comunidade e o desenho intrínseco da nossa identidade.

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