sexta-feira, outubro 21, 2011

A MORTE DE KADHAFI SOB A RAIVA IRRACIONAL

a ostentação do poder

instantes da morte de Kadhafi

A vida e a morte na plenitude das suas redundâncias, o poder patético, os golpes impiedosos de gente que nem a sua própria história percebe, embora a esteja, em tais instantes, a torná-la mais viável. Morto kadhafi, a Líbia pode aspirar a mudanças positivas, se os povos se entenderem quanto às suas necessárias formas de solidariedade constitucional. Hoje, as multidões festejam o fim do ditador. Gritam, enquanto disparam as espingardas para o ar: «Chamava-nos ratazanas, mas ele é que morreu como uma». E morreu em Sirte, sua terra natal, depois de uma perseguição que o fez sair de um esgoto (Fotos da AFO) onde se escondera a título muito provisório. Os revoltosos instaram com ele para que saísse, abrindo fogo. Então Kadhafi saiu da moldura redonda, segurando os símbolos da sua alucinação ditatorial: uma kalashnikov na mão direita e a pistola dourada na outra. Olhou para a esquerda e depois para a direita e perguntou: «O que é que se passa aqui?» Os rebeldes dispararam de novo, ferindo-o num ombro e numa perna, ataque que o fez tombar. Dois outros tiros atingiram-no no temporal e no peito. O assalto convulsivo ao corpo, com os batimentos mais diversos, é visível num vídeo amador, testemunha que de tanto querer mostrar, oferece-nos um hediondo desfoque de bocados do real, onde uma cabeça ensanguentada rola, é arrastada, aparece e desaparece. Há mais tarde um documento de vídeo em que um homem inanimado e seminu é arrastado pela rua. Fotos da AFO mostram um jovem transportado em ombros por outros homens e ostentando a pistola de ouro que pertencia ao ex-líder da Líbia. Na cadeia destes acontecimentos, vários líbios pintaram a spray grafitis em volta dos canos, junto à auto estrada, em que Kadhafi se recolhera. Algumas palavras dizem: «Aqui escondia-se a ratazana Kadhafi. Deus é Grande».
Esta versão dos factos é «contradita» por um outro vídeo em que se vê Kadhafi ensanguentado, ainda vivo, a ser batido e empurrado por rebeldes junto de uma carrinha pick-up. São fragmentos temporalmente distintos mas não distantes. Há uma informação de um rebelde que assistiu a tudo e declarou à BBC que Kadhafi foi atingido por alguém com uma bala de 9 mm.
Pouco depois das primeiras imagens, na sequência da montagem televisiva, foi possível ver imagens do cadáver já limpo e que mostravam um ferimento de bala na têmpora. Os médicos que acompanharam Kadhafi na ambulância declararam que ele morreu com dois ferimentos de bala, o primeiro na cabeça e o segundo no peito.

Todo este detalhe, baseado em jornais de hoje, dia 21, sobretudo do «Diário de Notícias» não procura vilinizar o homem, nem mesmo a convulsão dos circunstantes. Pela minha parte, sei que a maior parte destas questões acabam assim, sem dignidade de parte a parte. Vimos isso com o tratamento na selva do corpo de Savimbi, rolado sobre cartões, cheio de pó e sangue, filmado pela voragem impiedosa dos que se «livravam» de um herói e o mostravam indigno de si mesmo. De resto, o assassinato de Ceausescu, na Roménia, dado quase em directo pela televisão, é outro exemplo eloquente de tais casos. Ninguém desculpa a vida sangrenta e genocida de tais figuras, mas a grandeza de os julhar, mesmo a título póstumo, é respeitar os seus despojos. Não é vão nem pueril escrever estas palavras: o mal não está só nesses personagens, está em cada homem, mesmo quando não o parece. E não inventamos a cremação para acabar com os nossos concidadãos, já mortos, como a Inquisição acabava com antepassados nossos, vivos e na fogueira.


detalhes do ataque final a Kadhafi


Savimbi exposto às moscas, como peça
de caça que vai ser avaliada e esquartejada

sexta-feira, outubro 14, 2011

APESAR DA EUROPA, A PÁTRIA NÃO MORRE

António Barreto

António Barreto, figura grande da cultura portuguesa, que participou em governos pós-25 de Abril, Professor e intelectual com importante recorte filosófico, pronunciou-se há pouco sobre a situação de Portugal na Europa e a fragilidade quase abismal em que parece termos caído. Dir-se-à que é um pessimismo recorrente, ainda que justificado. Ora o dr. António Barreto, no seu lamento, disse que Portugal poderia vir a não ser um país numa Europa diferente e, presumivelmente, reformada. É caso para perguntar se a Alemanha, configurada depois do nosso país, teria direito a continuar a ser o que é. Vasco Pulido Valente, na sua coluna Opinião, anotou o efeito de desagrado que tais palavras terão provocado em certas pessoas. E, embora não conhecesse todas as palavras da intervenção de Barreto, colocou algumas hipóteses. Seja como for, ainda disse não ter percebido «com toda a clareza onde ele queria chegar. Mas percebo, pelo menos, que não percebi nada. Há três possibilidades. Ou o dr. António Barreto se esteve a referir a Portugal como nação, ou seja, como entidade cultural, e, nesse caso, não tem razão ou se estava a referir Portugal como Estado soberano, e, nesse caso, desde o século XVII que não tem razão. Ou ainda se estava a referir-se à autonomia económica de Portugal, e, nesse caso, nunca teve razão.
«Na primeira hipótese, é óbvio que dez milhões de portugueses, com uma língua única, uma literatura erudita, uma religião maioritária (e pacificamente aceite), uma história comum, um império de que restam respeitáveis vestígios (como, por exemplo, Angola e Brasil) e sem qualquer diferença étnica notável formam uma nação. Nenhuma outra unidade política nos quereria absorver. Seriamos sempre uma fonte de conflitos, pior do que os flamengos na Bélgica e muito pior do que os bascos ou os catalães em Espanha. A nossa separação, sólida e formal (não escrevi: independência) garante a tranquilidade dos vizinhos. As nossas desordens domésticas devem ficar rigorosamente domésticas.»
Pulido Valente analisa, com a mesma pertinência as outras hipóteses que colocou para contraditar o fim de Portugal profetizado por António Barreto. Bem vistas as coisas, é fácil fazer tais afirmações de apagamento, porque o próprio planeta já não está muito longe de poder albergar uma espécie em vias de extinção, o Homem. E não se aponta aqui para uma catástrofe demográfica natural.

sexta-feira, outubro 07, 2011

ARRUMAR O IMPÉRIO NUM CAIXOTE DE RETORNO



Dulce Maria Cardoso

Vinte anos depois de ter passado à «disponibilidade», entre as primeiras tropas regressadas de Angola, reuni apontamentos tomados nas viagens pelos Dembos, apontei a memória a tudo o que estava então bem arrumado no meu espírito, escrevi o livro «ANGOLA 61, uma crónica de guerra» e a "Contexto" arriscou a publicação, numa altura em que havia ainda poucos testemunhos daquela terrível descida aos infernos, a despeito da sua beleza, com excepção da inicial prestação escrita de Lobo Antunes. Eu já tinha, portanto, assistido ao regresso compulsivo das populações das colónias, a famosa ponte aérea, os dramas e as tragédias daqueles que chegavam todos os dias, muitos esperando porventura os caixotes enviados por via marítima, cidade de madeira que tantas vezes visitei em Alcântara. Dulce Maria Cardoso decidiu uma aventura ainda mais densa, baseada também nas memórias e no sofrimento daqueles tempos, pois agora, 40 anos depois (embora haja escrito outras peças de verdadeiro interesse testemunhal e literário), publica O RETORNO, o «primeiro caso sério de reflexão literária sobre os 500 mil retornados que aterraram em Portugal em 1975.» Vinda de Angola, a escritora foi um desses retornados, mas neste seu livro não pretende «um ajuste de contas» com o passado. José Riço, no «Público», anota que a escritora, noutro sentido, talvez procure um ajuste de contas com a sua própria obra, a anterior. Citando Dulce Cardoso, sente-se o que já muitos disseram, de outros modos: «Era-me muito penoso visitar o passado. Eu vivi parte dos acontecimentos que a personagem principal narra, portanto tive de revisitar esse passado, e também o outro que ia descobrindo. E isso magoava-me. Mas não era isso que me impedia de escrever. O que impedia era não ter encontrado uma proposta de reflexão. Foi um tempo de muito sofrimento para muita gente, e eu não queria usar o sofrimento sem que a ele estivesse associada uma proposta de reflexão».
O problema aqui enunciado pela escritora foi também sentido no meu caso: só vinte anos depois é que tudo ficou claro, certos acontecimentos transformada em alegoria, o visível e o invisível no bater dos corações sob o medo e um dia sob a melancolia das distâncias relembradas. Quanto à entrevista concedida por Dulce Maria Cardoso ao jornal «Público», não é fácil segui-la sem voltarmos a sentir nas mãos o pó das picadas e na memória as imagens multirraciais que povoavam, em gritaria de crianças brincando, as cinco estrelas do Altis.

BASTAM SETE PRÉMIOS NOBEL PARA A SUÉCIA?

O Prémio Nobel da Literatura, em 2011, coube ao poeta sueco, Tomas Tranströmer, quase um desconhecido para a grande maioria das pessoas. A escolha é falhada: um homem traduzido, é certo, mas apenas com 15 obras durante a sua longa vida e feitor de uma poesia que não se pode comparar com a qualidade do nosso Herberto Hélder. É difícil concordar com a afirmação de que Tomas Tranströmer tem uma obra vasta e é o maior porta vivo sueco. Mas para além dos grandes talentos vivos da Suécia, há muitos outros, e maiores, fora da Suécia. A poesia regressou ao Nobel, mas, pela nossa parte, estava aberta, descaradamente, a porta da Academia. A Suécia já tem, apesar do frio e da vida sedentária dos génios nas suas ilhas, sete prémios Nobel. Há aqui uma estranha assimetria e o gosto de Academia cada vez mais informado sobre o gosto no mundo.

MORREU STEVE JOBS, E TALVEZ COM ELE A MAGIA

grafismo do «Público»


«Morreu o homem que transformou as máquinas em objectos íntimos», título de hoje, no jornal «Público». Em certa medida, o homem da APPLE, parecia confundir-se com a empresa que fundara, humanizando os computadores, criando aparelhos únicos. Transformou-se ele mesmo num outro, um ícone que mordeu a maçã e assumiu essa suprema sabedoria. Os diversos modelos dos aparelhos criados e aperfeiçoados pelo seu espírito, vivem certamente numa sequência cinética depois da sua morte. Mas um grande número de admiradores começa já a duvidar que o espírito transmitido por Jobs às suas criações se mantenha por muito tempo. O mundo consumista tem razões caninas imparáveis e banalizantes. Imaginem a maçã em vermelho sobre preto ou adocicadas variações tonais conforme o «gosto» das pessoas.

quarta-feira, outubro 05, 2011

COINCIDÊNCIAS VOLUNTÁRIAS, UM LIVRO RARO


Um livro que se recomenda a todos os que gostam das artes e das letras, mesmo que, para isso, tenha de telefonar para a editora, aproveitando, enquanto pede o envio do livro, para protestar pelo facto de uma obra deste tipo não tenha lugar (pelo menos à vista) em Lisboa. Aproveitamos para publicar um pequeno excerto, talvez bastante para aguçar a vontade de «intervir».

«Tenho a manta sobre as pernas, os dedos frios, e uma dor nas costas que me anuncia, sobretudo nos dias húmidos de inverno, os desacordos do meu corpo com a Natureza. Olho para o texto que sobra no écran, já alinhado, e coloco o queixo sobre os dedos erguidos e dobrados da mão direita, talvez para saber se tem algum préstimo, mesmo em jeito de rascunho, escrever assim um atalho na direcção da alma ou da memória lacunar, coisa repisada de notas antigas e depreciadas.
Revisitação, escrevi no início. Mas é sobretudo um exercício contra a perda, as mãos separando papéis, fotografias, livros anotados, rascunhos de actas sem data, projectos inacabados de visitas verdadeiras, porventura a confirmação de que avistadas em certos lagos significam ainda, ao sul, um apelo utópico de solidão e permanência, contra a morte».
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autor Rocha de Sousa, Editora Edita-me, rua Barata Feyo, 140-Sala 1,10
4250-076 PORTO
tel: 965393431

quarta-feira, setembro 21, 2011

MORREU JÚLIO RESENDE, BEM VINDA A SUA OBRA

JÚLIO RESENDE 1917 | 2011

obra prima de Resende (Ribeira Negra) talvez
a nossa condizente Guernica

anos 50 | 60
neo-realismo e reforço expressivo

uma certa lembrança de Chagall

a evolução para um «impressionismo» diáfano

Homenagear Júlio Resende em vida, perante a sua obra mais recente, luminosa e pacificante, era para todos nós um dia de festa. Não só atendendo às obras, grupos de pinturas abertas e leves, memórias de viagens, entre os trópicos, próprias de quem sonha pelo mundo, com o mundo, como sempre se resolveu em concordância com o tempo e as ideias passando. Resende assumiu um percurso forte nos anos cinquenta, abordou o neo-realismo e as sínteses expressivas que se lhe seguiram, desempenhando, ao mesmo tempo, um importante papel como docente da Escola Superior de Belas Artes do Porto. E acompanhou importantes personalidades desse seu tempo «inicial», autores como Carlos Ramos e António Pedro, Augusto Gomes, Barata Feio, Dórdio Gomes, Lanhas, Camarinha, entre muitos outros, atravessando várias gerações -- as de Ângelo de Sousa e Eduardo Batarda, por exemplo.

Júlio Resende foi um dos maiores autores da arte portuguesa contemporânea, influenciou muitos pintores, receber condecorações e prémios. Nunca insistiu em quaisquer oportunismos daí derivados. Tinha uma personalidade ao mesmo tempo forte e amável, com ele sentia-se o afecto da voz e das formas de estar ou de dialogar. A sua arte libertava-se cada vez mais, chegando aos breves apontamentos a pastel e em torno dos povos que visitava, sobretudo Cabo Verde e o Brasil.
Daqui volto a rever Júlio Resende, um espírito tranquilo e sensível, um professor com quem tive oportunidade de trabalhar, em júris das antigas Escolas de Belas Artes e já depois, em actos de avaliação nas Faculdades, entre os doutoramentos e a anterior agregação. A sua actividade integrada não se limitou ao espaço académico. Ele trabalhou para o espaço público e colaborou nas buscas cénicas do Teatro Experimental do Porto. Viajou e viu gente de «outros lugares», esboçando a sua vida e muito da realidade antropológica envolvente. Numa das suas vindas, em serviço, a Lisboa, fui levá-lo ao Hotel e ali estivemos horas em amena cavaqueira, com ele aprendendo a sentir o que pode ser a arte e a importância dos afectos na qualidade dos métodos pedagógicos. É comovente relembrar essa noite. Como é comovente rever o dia em que apresentei uma exposição numa galeria do Porto, dia chuvoso, pouco público. E de súbito, amparado por uma pessoa de família porque ferira um pé, a visita de Resende, o gosto de me ver e de ver as minhas obras que pouco conhecia, tudo numa nota de superação do desconforto e de pontuação atenta do tempo a par da arte que passaria a pertencer à sua memória estética.

Estes foram os Mestres. Estes conheceram bem o fio das regras no plano da liberdade

sexta-feira, setembro 09, 2011

UM BELO CINEMA PORTUGUÊS CEGAMENTE BANIDO

Cisne, filme de TeresaVillaverde
Belíssimo desempenho de Beatriz Batarda

Desde 2006 que Teresa Villaverde não filmava uma longa metragem. Desde «Transe». Agora aparece «Cisne», uma obra em que Beatriz Batarda interpreta a personagem de uma cantora em crise íntima. Menos «pesado» do que em peças anteriores, sobretudo «Mutantes», Teresa conseguiu gerir por completo as vertentes de uma realização deste género: o filme passou na terça-feira, dia 6, no Festival de Veneza, na secção paralela Horizontes, e, surpreendentemente, estreia-se já, hoje, quinta-feira, em Portugal. Esse «fenómeno» sopra nos distribuidores, nos intermediários, em todos os contactos, por vezes obscuros, que as próprias artes, todas, carregam sobre as costas. Teresa lembrou-me a minha própria aventura, quando fiz filmes que só vieram a lume nos circuitos universitários, não tendo nunca, em volta, um simples aceno de alguém que os achasse transferíveis para nova realização profissional, pronta a aceder aos circuitos profissionais. Nunca soube os naipes das cartas nos secretos jogos de fascínio e influência do nosso liliputiano meio financeiro, das alavancas culturalmente capazes de abrir espaços, entre a criação e vários planos de oportunidade. Digo isto a propósito de obrazinhas que fiz em solidão, desde a produção, o financiamento, os actores, a escrita do roteiro, as filmagens, divindindo-me em fotógrafo e realizador, depois em editor, em curiosos zelos de montagem e finalização, ou seja: trabalhava como director executivo do som e das bandas musicais.
Não estou a fazer o meu auto-elogio, embora pareça. Estou a rever fascinações que me são agora,
a um nível de outro peso, por Teresa Villaverde: ela fez tudo do princípio ao fim, imaginando esta bela viagem, assumindo-se realizadora e câmara, a par do trabalho de edição e do som, incluindo, por fim, distribuir a obra (três cópias apenas), tanto em Veneza como em Lisboa. No plano a que ela trabalhou, superando a crise, merece que a olhe mos com atenção e na bofetada enluvada que foi espalhando pelos perfumadas instituições, Estado, Lobys, Figuras do dinheiro e do tráfico destas mercadorias -- um horror que emigra das grandes capitais e manipula o público português, aquele que se deixou cair no lado rasca da cultura e que ainda se dá ao luxo de misturar o colonialismo guerreiro, monopólios, com as serenas reflexões sobre a condição humana e os erros do árbito.
O cinema de Teresa Villaverde sempre de configurou numa aproximação dramática, senão mesmo trágica das vidas no limite. Mas, neste seu último filme, uma certa pacificação abrange a teia de conflitos existenciais em torno da personagem central. Não sabendo explicar muito bem porquê, a autora chama a atenção para questões relativas aos níveis etários em filmes como «Os Mutantes» e o actual. No anterior, as figuras de crianças ou gente de uma puberdade ferida, eram confrontadas com a fealdade do contexto, a degradação dos dias e dos lugares. Em «O Cisne», sem que a base do humano passe pela inspiração de alguém, a realizadora lida com pessoas mais velhas, o que tende a um caminho mais reflectido ou a lutas interiores mais controladas. Vera, assumida por Beatriz Batarda, é desde o início uma cantora. Tal facto não aparece cristalino, mas a verdade é que ela escreve as suas canções, Villaverde vive a sua vida, a suas inquietações. Quando Vera está no palco, Beatriz dirige o que há para dirigir, gera uma fonte de angústia.
No «Cisne», diz-nos Teresa numa entrevista que deu ao Diário de Notícias, o meu entendimento com Beatriz foi enorme, muito profundo e construtivo. Ela trouxe muita coisa ao filme, uma energia muito dela, e tornou possível uma calma que me permitiu escrever durante a rodagem, refazer materiais, mudar diálogos.
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Estas breves impressões baseiam-se, em parte, na entrevista referida, com Eurico de Barros.

domingo, agosto 21, 2011

A EUROPA ONDE VOLTAM A MANDAR OS MESMOS


Chegámos a casa embrulhados em papel de jornais, papa já quase reciclada sob a flagelação da chuva. A ideia de ver e ouvir a senhor Angela Merkel e o senhor Sarkozy, ali convencidos do que diziam, e diziam pouco, não foi grande coisa, embora os anúncios nos indiciassem novos métodos a fim de travar a derrocada da Europa, tão outra relativamente à inicial e aos grandes homens que a pensaram. A congregação multiforme mas numa união solidária surgira mais no início, antes da concepção do euro. Tudo configurava outros modelos de avanço comunitário, assente noutros pilares e numa linha perspéctica de contextualização relacional humana, quer de um ponto de vista político, quer em ordem a dimensões económicas e sociais. Pensava-se então numa mais equitativa repartição dos tempos e fundos ligados ao pagamento das dívidas soberanas, algo que mereceu uma veemente recusa da senhora Merkel, em plena conferência pública, comunicação assumida por ela e pelo Presidente Francês, um ao lado do outro em sínteses que faria sorrir em prosa o fundador Delors, figura angular do verdadeiro espírito da construção da Europa, perante um mundo e forças demográficas ou económicas a que era preciso fazer frente, reafirmando a harmonia e a paz.

Sarkozy e Angela Merkel

Esta Alemanha tem que se lhe diga, teve sempre, e bem se recordaram algumas personalidades de verdadeira grandeza no país como, depois da guerra, houve nessa área manejos na linha de especiais, negócios, créditos e engenharias financeiras, criando expedientes para seu crédito, algum tempo depois da guerra, contornando regras de produção. Este tipo de «agilidades», projectando-se na realidade industrial e na economia, à margem do que que faziam as outras potências, porque conservavam princípios éticos que a situação havia aconselhado, ao contrário do que fizeram os alemães.
Significativamente, enquanto recusava a ideia dos eurobonds na televisão, viram-se saltar da boca de Merkel partículas de saliva: ela parecia nervosa porque advogava primeiro a disciplina e certamente já ouvira comentários aos disparates inerentes às ideias que apregoara, sempre colada a Sarkozy. Sobre os chamados eurobonds, onde alguns economistas advogam potenciais e positivos efeitos, Merkel remete o problema para uma década de distância. Excita-se: «que querem de nós aqueles que nos apontam tais caminhos, o das obrigações europeias, agitando trocas em benefício dos trabalham menos, processo que nos impediria de castigar os que se orientam com pouca disciplina»
Esta senhora, contrariando a estabilidade de Europa com a centralização de poderes, aliás partilhados com os franceses, determinou a criação de um novo governo para a Europa, taxas sobre operações financeiras (bolsas) e dois presidentes que se reuniriam duas vezes por ano com o governo, incluindo um segundo ministro dos negócios estrangeiros.






















Ninguém percebe a invenção de um novo ministro dos NE da UE, a enquadrar porventura no tal governo do dueto, aliás possivelmente em regime de passear pelos tais países periféricos, com as suas imposições, com os seus alarmes. A crise acentua-se em todo o mundo. Os governos do futuro, ainda infederados e vítimas de grandes massas de poder exógeno, dilacerando as utopias e as constante renovações de penúria, estarão ameaçados de perder as suas âncoras de relação solidária, estruturas mal reguladas pelos peixes gigantes dos grandes fundos marítimos. Delors sorri. Não haverá mais a ideia do mil anos para a Europa unida em certo sentido. Delors sorri. Alguma vez a Europa poderá consolidar um projecto assim, comportando-se entre assimetrias e complexas fugas às massas humanas que emergem do sul e do leste? O projecto de uma forte e consequente área de civilização está de pé em muitas consciências mas esboroa-se noutras. A ideia inicial passava pelo número de ouro e pela estabilidade onde convergiam ciências, artes e gestores de sociedade, homens sábios e do espírito. Disfarçadamente ou não, os povos continuam a querer mais meios financeiros, mais poder, mais delírio consumista. E quando tais povos somam mais de metade da demografia do planeta, incapaz da minimização dos sonhos autofágicos, bizarro seria que alguma coisa se salvasse.
Na Europa, eventualmente num lugar assimétrico e pacífico, com um plano técnico e de excelência, todos os governos e sábios convidados devem reunir-se para resgatar valores e projectos em perda, tratar de ratificações e rectificações, em larga reconstrução de novo começo, livre de burocracias obsoletas, de planos risíveis como vimos há pouco de um casal impetuoso e divertido, algo bem dirigido contra os rápidos atritos entre ricos e pobres, atritos do sonho e tendo em conta as graves humilhações que rapidamente se instalaram na chancela dos documentos sem fim.
Ao contrário, as apodrecidas periferias da Europa, ideia xenófoba que os aristocratas do Norte dizem abanando cada vez mais a cabeça. Esquecem-se que a pobreza, há anos situada abaixo do Norte de África, já se encontra acima do Mediterrâneo, proeza que os próprios sistemas ricos, de orelhas tapadas pelas peles dos desportos sumptuosos e caros. Acabarão por deixar-se mudar ao acaso e a a Alemanha terá fronteiras sem nada em redor, sozinha, periférica de si mesma diante do pântano de que falava António Gueterres. Os alemães serão vítimas da sua própria grandeza (o que já aconteceu por mais de uma vez), vivendo ainda os gostos e os abusos da civilização global. Tudo o que cresce assim, enterra-se no lixo e contrai doenças novas. Obama que o diga, parece um esquecido grande jogador de basquet isolado e fora de moda. Sentir-se-á fustigado por gente que não sabe o valor dos lugares e das culturas, sem perceber o sentido da geografia humana, da saúde, dos mercados regulados a sério e fornecendo ao indivíduo não apenas crenças e mitos mas sobretudo o espaço da Educação vivida também para fora e fornecendo ao indivíduo uma espécie de criação de sortilégios, no bom sentido, ou seja a fecundação dedicada a quem somos e não ao consumismo que nos impingiram e nos vai destruindo.

sexta-feira, julho 22, 2011

UM ROSTO NOVO E ESTIMULANTE NA REPÚBLICA

Assunção Esteves, nova presidente
da Assembleia da República Portuguesa

«A primeira mulher a integrar o Tribunal Constitucional entre 1989 e 1998, foi eleita Presidente da Assembleia da República. Deputada pelo PSD desde 1987, foi eleita para o Parlamento Europeu em 2004 e hoje, com mais de 80% dos votos, tornou-se a Primeira Mulher eleita Presidente da Assembleia da República e a Segunda Figura do Estado, com o aplauso unânime das bancadas parlamentares. Está de parabéns Assunção Esteves, a Assembleia, todas as pessoas que valorizam a cultura de mérito e, por razões por demais conhecidas, as mulheres, a quem dedicou este momento: em especial às mulheres anónimas e oprimidas... Portugal, todos os seus cidadãos registam, em particular a frontalidade e harmonia desta personalidade excepcional, e agradecem a sua escolha, desejando-lhe as maiores felicidades.»
Como se pode ver, em muitos aspectos, entre os principais, Portugal assume por vezes actos nobres, escolhas lúcidas, entregando à cultura e à razão de uma das suas mais notáveis cidadãs o segundo mais alto cargo da Nação. Não se trata de um louvor, trata-se de uma especial subtileza.

NA MORTE DO NOTÁVEL PINTOR LUCIAN FREUD

auto-retrato de Lucian Freud

Lucian Freud, nascido em Berlim, a 8 de Dezembro de 1922, Londres, 20 de Julho 2011, e é tido como um pintor e gravador britânico. O modo de formar que usava, num trabalho brilhante de acentuações, é bem mais germânico do que inglês.
Para além das controvérsias, uma maioria de observadores considera este artista como génio. Numa época de NEGAÇÃO, em que tudo o mundo queria ocultar a realidade, autores como Lucian Freud colocam os nossos olhos diante da vida: beeza, fealdade, paixão, desamor, juventude. O seu avô Sigmund Freud psicoanalisou mediante a psiquiatria o seu neto, a face bem simétrica aos olhos.
Lucian Freud aproximou-se da estética do surrealismo mas, durante os anos 50, mudou de registo, explorando a pintura de retratos, geralmente nus humanos. Filho de pais judeus, Ernst Ludwig Freud, arquitecto, e de Lucie Brasch, era, como vimos, neto de Sigmund Freu e irmão do escritor político Clement Raphael Freud e de Stephau Gabdol Freud.
Frequentou e concluíu estudos de arte em duas brilhantes escolas inglesas. O seu trabalho terá recebido daí muitos ensinamentos técnicos e de atmosfera, mas os nus de corpo inteiro, patéticos, e os retratos surpreendentes, a começar por si mesmo, têm sintomas germânicos e sobretudo a força afirmativa dos sentimentos ou, em certos casos, os olhares imóveis de uma lembrança impossível.














sobreposição fotográfica de
dois registos em tempos diferentes

(exploração do autor do blog)


terça-feira, julho 12, 2011

LOUVOR AO CORPO, PINTURA PORTUGUESA HOJE

Pintura de Duarte Vitória

A pintura tem alcançado novas dimensões do imaginário e de relação com o real. O real, perdido para as artes, em grande medida, nos espaços teóricos e especulativos do século XX, parece retornar à necessidade da representação, à necessidade do realismo, entre outros modos de formar, mas de facto numa infinidade de tipos de remake, num universo que pulsa, abre, selecciona, desprende parte de si num misterioso intuito de criar réplicas da sua pulsão interestelar.

segunda-feira, julho 11, 2011

AS PEDRAS DA CALÇADA VINDAS DA MÃO HUMANA

Desenho de Paula Prates

As pedras de calçada parecem ser assim, mas não. A verdade vem mais da natureza e da mão dos calceteiros, artesãos do princípio do mundo. Aqui temos apenas uma representação em grafite feita por Paula Prates.

quarta-feira, julho 06, 2011

ENTRE O PROGRESSO, PERIFERIAS E MONSTROS


obra de Cabrita Reis
Usemos um novo Título
ENTRE A PERIFERIA DA LUZ E O MONSTRO INSTÁVEL


Razoavelmente antes do TGV, comboios a vapor gastavam seis horas para cobrir a distância entre o Algarve e o Barreiro. E mesmo assim houve desastres monstruosos, arrasando muita ou pouca gente. Toda a Europa, que guerreara desde a antiguidade, embora muio desenvolvida com as tecnologias do século XX, gerou nesse século, a partir da Alemanha, sobretudo duas hediondas guerras mundiais, umas das maiores tragédias da humanidade, feita pelas mãos humanas e cabeças superiores, da engenharia às artes. A II Guerra Mundial foi servida com as mais devastadoras armas inventadas pelos homens. A Europa ficou pulverizada em ruínas, sobretudo na Alemanha, onde o belicismo alcançou grandezas e poderes de destruição aparentemente imparáveis. A vida é má para os pobres, mas as gerações recentes não podem imaginar os efeitos da II Guerra Mundial, fronteira do horror. Já na I Guerra se haviam usado gases dizimantes, a morte em combate por gases, enquanto os sobreviventes dessa loucura ficaram para sempre presos às sequelas de tais armas. E mais tarde, pior ainda, a todos os níveis dos efeitos produzidos, a bomba atómica, lançada pelos americanos em Hiroshima e Nagasaki, continua activa nos resultados sobre a contaminação da terra, o que não impediu os mais poderosos de engendrarem energia eléctrica por centrais nucleares, cujos percalços cravaram em certas regiões a marca indizível do Mal, desde Chernobyl ao Japão, recentemente.

Todas estas coisas, e todas as posteriores bombas que são potencialmente as grandes empresas transnacionais, a invenção fútil e por vezes mortal de matérias utilizadas em vários géneros de construção, tudo isso arrasta o mundo para uma voracidade consumista acima dos recursos aqui e além disponíveis, pelo que os Bancos inventaram Donas Brancas universais para que o dinheiro corresse, fosse donde fosse, enchendo os impérios adicionados às Mega Empresas, acicatando consumos aberrantes, trocas virtuais de dinheiro, nas Bancas de todo o Mundo, onde se ganham e perdem por dia, sem trabalho nem qualquer virtude para além do risco, biliões e biliões de unidades monetárias. Prontas a explodir na cara ingénua dos americanos, europeus, asiáticos e outros, de súbito percebeu-se que, nas caves da corrupção e de todas as armadilhas, se inventavam operações financeiras perigosíssimas, produtos ditos «tóxicos», que foram levados para os balcões onde as frenéticas populações arriscavam ganhar depressa o mais possível, para encherem de automóveis as estradas e auto-estradas, veleiros inacreditavelmente inúteis, usados em nome do prazer, que enchem hoje milhões de marinas em todos os continentes, a par de uma das maiores crises financeiras de sempre, da qual ainda não se reabilitou a América e a partir da qual a sofisticada Europa, na qual se tentaram edificar uma união de Estados sob o a força do euro, moeda única e a esperança da partilha de trabalhos, de desenvolvimentos, num espaço alargado de meios e interacções, a solidariedade gerida entre tratados de invulgar complexidade e futuros anunciados acima das utopias do século passado.

A crise geral infectou quase o mundo inteiro, fez os seus prisioneiros nos EUA, deixou o continente Europeu a tremer de operações icontáveis, barcos nas marinas, gente igualmente a turisticar como se tudo fosse breve e controlável, enquanto umas brughelianas entidades de rating, situadas no continente Americano mas abarcando o mundo inteiro, se encarregam de espreitar a movimentação financeira e económica um pouco por toda a parte — e, como num mero jogo de cartas, esses limites do imaginário, gente que trabalha para inomináveis forças do poder, pelo dinheiro, decretam diariamente, em joguinhos de letras e de + ou -, aquilo que apregoam ser a situação dos países em termos de moeda e de credibilidade financeira. Isto permite fazer guerras muito perigosas e injustiças ainda maiores: centenas de comunidades são atacadas por classificações que flutuam entre o «excelente» e o «lixo», ficando prisioneiras de dívidas colossais e juros que nem Pilatos cobrou. O que se vê através das televisões leva à indignação muita gente: porque os operadores de rating não foram formados especificamente nem recrutados com transparência, de forma democrática, enquanto os monstros do lucro se escondem atrás de empresas colossais, brilhantes e com clientes de inocente zelo. É só roubar. E depois sujeitar os países, de forma o mais aviltante possível, a entrar em recessão com a obrigação de pagamentos de megatoneladas. O FMI, eficaz e de receitas sempre iguais, ajuda os países em dificuldades a mergulhar até ao fundo das suas fezes, na esperança de que, em breve, a superfície ficará limpa, lisa e com os seus Bancos floridos.

Portugal tem andado numa roda viva e já entrou em recessão. Corta-se em tudo e privatiza-se o que quiserem. Os ministros vão a Bruxelas por tudo e por nada, voltam com uns tostões sob a marca de juros a 15%. E continuam a ter esperança.

Mas há pior: a Europa de tom federativo, de partilhas e solidariedades, capaz de irmanar os povos demografica e geograficamente menores aos maiores, tendo em contra proporcionalidades e grandes cerimónias de tráfego de divisas, tem estado a colar-se à Alemanha, a França pelos ajustes, nada de irradiante, moral e criador. A Grécia praticamente rebentou e a Comissão Europeia, além de outros patamares, atrasaram o auxílio, enquanto a Irlanda tinha de manobrar juros a 30%, sendo tais países alcunhados pela esferas nórdicas de periféricos. Os periféricos ou se governam ou vão à vida e sucumbem. E ninguém vai preso. Merkel, que às vezes acaricia os nossos ministros, acusou-nos de termos de trabalhar mais. «Ui, aquela gente periférica é uma peste que nos está a estragar o negócio». A falta de decoro, como aconteceu com o Presidente da República Checa e Cavaco. Estes mimos animam-se. Não fazem nada para refrescar as relações de países que aceitaram tratados ilegíveis. E agora? Já dizem, alguns meliantes, que a Grécia deve estudar o seu abandono do euro. Querem limpar as periferias. Nós ainda sabemos navegar em caravelas e fazer um manguito à III Guerra Mundial. A periferia é donde vem quase tudo, senhora Merkel: representa os rostos da Europa; sem periferia restariam uns países bem pen- santes que o mar virá submergir em breve. E de resto, porque é que a Alemanha não se considera a periferia do Norte? Já passei por aí e descortinei uns portos negros, poluídos, importadoramente grandiosos. Cuidado com as raças, a geografia e a xenofobia.

domingo, maio 22, 2011

REFUNDEMOS A IDEIA DE PERIFERIA E DOS POVOS


Angela Merkel


Ninguém entrou na Europa de pé descalço e ranho no nariz. A periferia de que se fala hoje, à medida que a UE baralhava a fruta calibrada com zelo e dentro do maior rigor comercial, perdia ganhos e sobretudo nexo. Não demorou muito tempo para que os tratados, uns atrás dos outros, apenas parecessem votados a consultas na diagonal, folheados na oblíqua descendente de cada página e os sublinhados substituídos por chavetas destinadas a agarrar montes de notas em modelo, entre carimbos envelhecidos, entre durezas chauvinistas, ordens vindas de um tal senhor Big BROTHER, em grandeza aproveitada por Angela Merkel a fim de brincar com bolas das inquietantes chuvas de granizo, bolas cada vez maiores, catapultadas na direcção dos «irmãos» periféricos, isto é, europeus pequenos ou distantes, gente não nascida na devida genética, colada às precárias e tormentosas fronteiras de um mundo imaginado por centros imperiais, memória de outros séculos.

Portugal (para a senhora Merkel, divindade que governa a Alemanha) é sem dúvida um resto de nação a seguir à Espanha, área periférica, velha glória geróntica com mais de oitocentos anos como Nação, coisa que o mundo moderno, maneirista e redutor, tem vindo a colonizar, apagando uma História indelével. É afinal um território que muitos milhões de turistas partilham em visitas sasonais, costa visitada por povos de ontem e de hoje, costa, enfim, voltada para o Oceano Atlântico, o rosto da Europa, como reparou e exaltou um grande poeta do mundo, português genuíno e conhecedor de outras fronteiras, Fernando Pessoa, poeta raro, inventor de si em vários heterónimos igualmente geniais, cada um nascido na maior credibilidade, Álvaro autor da «Ode Marítima,» Bernardo Soares o do «Livro do Desassossego.» Essa realidade (que abarca o mundo) não pode ter a alcunha de periférica, expressão capciosa ou perversa que deseja insinuar lugar da margem, sítio distante e meio alienado, a quem a geografia política volta as costas, deixando-o rente ao mar quer como que a dispensar os restos da Grande Barca da mitologia bíblica, Nave que aterrou nos baixios em perda, segundo a grande Alemanha do Euro. Ancorada no rosto da Europa, ali a barca desceu emissários, recolhida nos areais donde partiram importantes navegadores, argonautas já com o futuro nos olhos, homens aos quais a História Universal deve mais do que à regente alemã, factor de duas aterradoras guerras mundiais, hoje querendo recentrar antigos aliados e velhas nações numa arena que tudo determina. O uso da palavra periférico, relativamente a países que fazem e destinam o limite notável da Europa, territórios imprescindíveis à compreensão de outros tempos, imperdíveis assimiladores de culturas de antigas civilizações, intérpretes iniciais dos direitos e juízos greco-latinos.



perigosamente, Merkel não sabe bem o que diz

«Em países como a Grécia, Espanha e Portugal, as pessoas não devem poder ir para a reforma mais cedo do que na Alemanha. Todos temos de fazer um esforço, isso é importante, não podemos ter a mesma moeda, e uns terem muitas férias e outros poucas»

Sem graça nem verdade, uma frase de ignomínia. E até errada. Não periferia e primaveril, mas enterrada na ignorância centralista e na arrogância de um poder neste caso sem eloquência. Ora a Alemanha, que se reconstruiu com a ajuda dos seus adversários, organizando-se (com mérito) sob a cobertura do famoso plano Marshall, tem de acertar a geografia social. Desta vez, nem sequer foi Portugal que provocou a odiosa e actual crise; há responsáveis intercontinentais, lá fora, nos horizontes de outras «periferias». Apesar de tudo, a Alemanha não é o exemplo que Merkel pretende apresentar. O problema deveria ser mais estudado, sobretudo na actual situação e perante triunviratos europeus sem legitimidade, apostados na força do dinheiro e de um divisionismo que em nada se parece com o sentido da frase: União Europeia. A comparação feita pela chanceler sustenta-se no facto de a Alemanha ter dos mais curtos períodos de férias para os trabalhadores
20 dias. Em curso, este país aproxima a idade da reforma dos 65 para os 67 anos, enquanto os países do sul contemplam os 65 anos. Diz a senhora: «A Alemanha ajuda. Mas a Alemanha ajuda se os outros se esforçarem mais. E isso tem que ser demonstrado». Ora estas questões não podem avaliar-se assim nem numa ideia redutora de unicidade.



Quando se desmontam os esquemas que iludem certas quantidades e minimizam qualidades, podemos verificar o seguinte, nas médias: Alemanha 30 dias de férias; Portugal 25 dias; Alemanha em horas de trabalho 1380; Portugal em horas de trabalho 2119: Alemanha, reforma (65 em trânsito gradual para 67); mulheres (em trânsito para 64).

Infeliz relação esta: a grandeza geográfica, no poder de compra e matérias primas não legitimam, em nada, e muito menos numa Europa que se pretendia solidária, assimetrias radicais, autoridade política de uns para com os outros e não aprovada por todos. A utopia pode consolidar-se numa vontade real e sólida; mas não a pesar batatas segundo a demografia, o rendimento per capita, os doutores existentes, os favores dos tratados. Os portugueses sabem bem o que é o mar, por exemplo: é nele que a sua riqueza transcende muitas zonas da Europa. Mas isso não legitima que tais zonas inventem cotas mais do que suspeitas e tenham imposto aos periféricos atlânticos o abatimento de frotas de pesca e corte de milhares de hectares de vinha. Todos sabem aonde isto leva, a médio e longo prazo. A emigração para a Europa não tem aqui, apesar dos princípios, um ancorador humanitário e eticamente impoluto. O escrutínio do mal, dos emigrandes sem verdadeira reparação, esse sim, pode reger-se por uma contextualizada racionalidade de cotas.

terça-feira, maio 03, 2011

BIN LADEN MORTO AO SEU NÍVEL:COM PRECISÃO

restos de uma das torres destruídas
em Nova Iorque pela Al-Qaeda



Osama Bin Laden, líder da Al-Qaeda foi abatido no Paquistão por um golpe assente em boa informação, rapidez e excelência técnica: como ele gostaria de infligir aos outros, com bom planeamente e bom nível de devastação. Aqui, essa devastação não existiu senão na medida da escala mítica atingida por este homem quase inverosímil. O atentado às torres do World Trade Center foi trabalhado com grande rigor, com operacionais infiltrados em áreas diversas dos Estados Unidos, incluindo cursos de pilotagem de alto nível, como se procura para as enormes aeronaves que circulam os céus. A complexidade dessa operação, que durou anos, obrigava a um exigente esforço de coordenação, tempos, factores técnicos e psicológicos. O seu apocalíptico resultado matou mais de 3000 pessoas e provocou algo nunca visto em edifícios desta avançada estruturação: as torres, trespassadas cada qual por um avião, quase ao mesmo tempo, começaram a arder, produzindo temperaturas muito altas: em relativamente pouco tempo, fumegando de maneira avassaladora, os edifícios começaram a ceder por amolecimento dos materiais estruturantes. Foi um espectáculo inesquecível e um símbolo de guerra e de ódio jamais imaginado em tamanha grandeza.

Conhecido o esconderijo de Bin Laden, surpreendentemente quase «à vista de todos», tudo era preciso acautelar: a operação que abateu o líder da Al-Qaeda teve início há quatro anos e foi agora liderada directamente pelo chefe da CIA. Ao fim de 40 minutos tudo terminara: morria o homem que «odiava mais os inimigos do que amava os filhos».

Tanto como as populaçõoes que apoiavam Bin Laden exprimiram a sua alegria pelo sucesso do atentado em Nova Iorque, em ondas de furiosa alegria e queima de muitos símbolos americanos, assim a bandeira dos E.U.A., entre o júbilo de populações daquele e de outros países, serviu entretanto de estandarte de vitória, réplica dita justa. Não é bem assim, mas alguma simetria nos permite aceitar a expressão. Bin Laden não era uma figura extraordinária e a «teoria» pela qual procurava arrasar o Ocidente, tornava-se pueril, expremia mais ensandecimento do que um quadro de ideias que reflectissem a importância do conhecimento humano a todos os níveis, incluindo na margem irremediável dos erros.

Durante a guerra que a União Soviética travou no Afeganistão, não se pode falar em Bin Laden como um assinalável combatente. A sua fanatasia minimizava a mediatização que os próprios ocidentais punham à disposição das suas ameaças. Seja como for, os que aplaudem a sua trajectória e dizem empenhar-se no mesmo projecto obrigam o mundo a prevenir-se contra actos terroristas ferozes, que matam milhares de inocentes, e, em boa verdade, nada explicam nem ajudam a construir. Veja-se a tristeza e o vago luxo do casarão onde vivia Bin Laden, reforçado, envolvido por um muro de mais de três metros de altura e arame farpado. Não era muito difícil, em certo sentido, confrontar aquela construção bem vasta, isolada mas a cerca de cem metros de um quartel da guarda paquistanesa.
Financiando e mentalizando uma larga quantidade de soldados fanáticos, niilistas e prontos a morrer pela Causa, embora bafejados pela promessa no valor do martírio e da oferta de dezenas de virgens celestes, logrou apuramentos especiais para a grande prova. Usando a tecnologia e o capitalismo, pôs o seu império do dinheiro ao serviço de várias células, ao mesmo tempo que libertava vídeos e mensagens contra os Estados Unidos e o Ocidente, todos por ele acusados de fomentarem a corrupção, o judaísmo, a homosseualidade e a subjugação do Islão.

A morte de Bin Laden, não acabando com o terrorismo, é pelo menos uma lição da pequenez destas figuras lunáticas que têm povoado a história do mundo. Hitler foi o que foi. Ditadores, que geriam muitos países a leste e em África, distinguiram-se (ou ainda se distinguem) por concepções de poder e de imposição a toda a gente sob o seu comando as mais absurdas normas,
aviltando o ser humano. Compreende-se, embora tratando do acto com as normas religiosas da orientação espiritual do virtual Salvador do Islão, que os americanos o sepultassem no oceano. É que estas figuras, afinal patéticas, arrastam multidões para uma mitologia em torno delas.

sábado, abril 16, 2011

A TECNOLOGIA VOTADA À ROTINA DO DINHEIRO











































RATING. RATING. RATING
FMI. FMI. FMI. FMI. FMI. FMI
UE UE UE UE UE UE UE UE




As BRUXAS de SALÉM, lembram-se?
gente entre os trinta e os cinquenta anos, crentes nas modernas bruxarias e vales sombrios onde enterram plutónio e os cadáveres ocasionais após a arrumação de Chernobyl. Vai, aviãozinho, carregado de matérias cósmicas e humanos fios de disparo. Viste o que acabaste por fazer em duas grandes cidades japonesas? Ora que tem isso a ver com os dias de hoje e as bombas existentes, capazes de destruirem dezassete vezes a terra que habitamos (Terra, TNT, Tintas de escarnecer).



A tecnologia não é um bem em si mesma: os homens usam-na cada vez mais para abater concorrentes, negócios, ideias simples. Estes computadores, e uns milhões mais, têm o poder de alterar o mundo, de contrair os negócios menos lícitos. Assim se abatem concorrentes e sonhos mal começados.


As escolinhas dos talibã parecem-se com estas: badalando a cabeça, o euro está a ser atacado e os países mais fracos são metidos em água com sabão. São os homens, em coligação com Deus. Os meninos sentam-se nas mesas da escola Talibã e martelam a tabuada do Kapitalismo. Compram, vendem, juram, acham que a felicidade dos homens é comprimirem-se até lhes rebentar o sistema vascular. BLOG !

sexta-feira, abril 15, 2011

É PRECISO ACABAR COM AS AGÊNCIAS DA PESTE



Mais depressa do que se pressentia, e tendo sobretudo em conta os milhares de meios e modos de comunicação que tornaram global a vida dos povos sobre a Terra, os desastres de toda a espécie, incluindo os naturais, fazem do mundo de hoje um espectáculo carregado de ameaças, conflitos armados de toda a espécie, confrontos de povos e civilizações, aumento aterrador dos movimentos subterrâneos que dinamizam centenas de milhares de actos complexos no domínio de diferentes tipos de tráfico, armamento, droga, contrafacção, escondimento de fraudes de grande complexidade, com efeitos demolidores sobre as sociedades, as finanças e a economia. Porque, em vez de um progresso contido e estabilizado, sem os desequilíbrios monstruosos entre vastas áreas de pobreza e fome, culturas estacionárias e minorias poderosas, com acumulação de dividendos por vezes suficientes para a compra de cidades inteiras ou de geminar duas enormes empresas transnacionais.


A crise que se está a viver em todo o mundo, com pontos iniciais na América, entre bancos ensandecidos e burlas capazes de arrasarem meia dúzia de Estados, é hoje uma epidemia à escala planetária. As contracções que poderá gerar, lançando na bancarrota muitos países, além de accionarem as instituições que combatem tais situações (nunca por altruismo, naturalmente) podem vir a esmagar grandes nacões da base da nossa história e da nossa civilização. A Grécia, envolvida por constantes cercos de juros altíssimos, foi forçada a pedir a intervenção do FMI, tal como a Irlanda (tão próspera até há relativamente pouco tempo) e agora Portugal. Os bancos, muito poluídos por recentes convenções especulativas, produtos tóxicos, como é referido, foram salvos por avalistas poderosos, os próprios Estados, e estão hoje a viver (e a pedir dinheiro) numa terrível faixa de risco. Tudo se descoordenou, enquanto as agências internacionais de rating, obra tentacular de um capitalismo selvagem, avassalador, que faz crescer e morrer milhões de pequenas empresas todos os dias, cobrem jornais e televisões com as suas validações impertinentes, previsíveis, e em nada justas no campo das operações de crédito internacional com que os países, cada vez mais, se governam segundo projectos mais ou menos megalómanos. A miséria cresce, avança no ponto de 50% da população mundial, enquanto nas áreas mais ricas (tendo sempre em conta a exploração alucinatória do petróleo e de outras matérias) famílias e agentes do alto comércio, da alta indústria, engradecem e enriquecem numa escala que roça o absurdo. O capitalismo, enquanto se sofisticava nas formas de explorar clientes e accionistas diversos, tornou o mundo presa de interesses e associações capciosos. A União Europeia, lugar de uma civilização superior e milenar, começou a gerar uma área poderosa, através de tratados e projectos de entrosamento económico, produtivo, de trocas e circulação de mercadorias a par do aumento da tendência turística.


Vejamos um pouco do horror, agora que Portugal se deixou cair nas chamadas normas de austeridade, que emagracem tudo e provocam anos de recessão, pressupondo salvações equilibradas quando nada se faz para um novo paradigma de ordem equilibrada entre ter e haver.



A Moody's, Fitch e Standard & Poor's são três agências de rating visadas pela acção que dará entrada na Procuradoria-Geral da República no início da próxima semana e que é subscrita por um grupo de professores de Economia. Um acto decisivo, ético e moral. Mas o problema tem de ser debatido à escala do mundo: tudo o que aquela gente faz é crime de manipulação de mercados, acções que têm tudo menos uma base científica e uma coordenação relacionada à escala dos continentes e das uniões. Ora a verdade é que estas agências (onde o próprio FMI já denunciou irregularidades de comportamento) usam e abusam do poder que têm e necessitam de uma supervisão muito mais estreita, melhoria de objectivos, projectos de estabilidade mundial. As suas actividades têm um impacto significativo, mesmo brutal, nos custos de endividamento dos países, podendo afectar (já o fizeram) a sua estabilidade financeira e outras. Os técnicos que estão a enfrentar esta monstruosa barreira de destruições, lembram que a UE considera a possibilidade de responsabilizar financeiramente estas agências pelas consequências dos seus erros, ao que estas respondem ameaçando abandonar a actividade da Europa. Bem se vê que não se batem em estado de honra em argumentos, mas nas retiradas estratégias que, bem vistas as coisas, deviam ser pulverizadas com o esforço da UE, EU, Japão, China, Índia, Canadá, por exemplo. Há muitas coisas de que o mundo ainda precisa, mas não desta electrónica agiotagem, com «jogadores» encobertos e aos quais devia ser movida uma «guerra», essa sim, global. Até porque a globalidade é um embuste, unindo diferenças em artifícios como doenças, uma rede vil donde parecem brotar as próprias doenças modernas. Biológicas e tecnológicas.

segunda-feira, abril 11, 2011

IMAGENS E GENTE DE UM INQUIETO ACONTECER

LANÇAMENTO DESTE LIVRO NO DIA 16 DE ABRIL, ÁS 18 HORAS

NO HOTEL REAL PALÁCIO, RUA TOMÁS RIBEIRO, 115, LISBOA

Os meus apelos sempre foram de orientação pluridisciplinar, quer quando lia semanalmente «O Mundo de Aventuras», riscando, pelas horas de silêncio, perturbadoras bandas desenhadas, quer quando escrevia, numa velha remington de meu pai, histórias mais ou menos tristes, entre postais ilustrados de palácios em ruinas. Fui, desde cedo, um amador de paixões e um fabricante de brinquedos alternativos.

Terão, os amigos de agora, um fio de escolhas, aliás a oportunidade de ler este livro e reflectir sobre os modos diversos através dos quais a vida de certa gente uma família inteira, por exemplo se concentra e dissolve em planos de imagens inquietantes, a maior das nossas aprendizagens, sem métrica, matemática ou redutores automatismos. Há aqui, de certa maneira, histórias de vida, o enlace a nossa falsa inocência (em meninos) com a palpitação do desejo e do sonho na chegada da razão e da consciência, assim entre a infinidade das percepções enganadoras e os encobrimentos de uma privacidade inalienável.

Viagem dura, enquanto os parentes faleciam e eram enterrados em cemitérios de cal. O trajecto, depois de uma longa e mística travessia do Alentejo, até Lisboa, desconhecida, sem medida nem paz. O tempo, nos cadernos de confissão, voltava atrás, fazia-me visitar as praias, adiantando-se depois até aos trinta anos, para novos olhares a montante e a jusante, sob as sombrias abóbadas da Escola Superior de Belas Artes. Eis como este livro trata de um acontecer inquieto, arrancado à terra, à vida e à morte da família, enquanto se convocam, pela arte, partidas e retornos, memória dos desentendimentos entre pessoas, a sua difícil condição humana. Os velhos professores da memória académica ensinavam coisas elementares e deixavam a aula repousar em silêncio, propícia para a leitura do «Diário de Notícias». Ficávamos, pelo menos, a saber, que o valor lumínico do nariz estava bem acima dos valores baixos, sombras sob o queixo. Apesar de tudo, das acusações conra a precariedade do ensino artístico tutelado na cópia dos Columbanos e Velosos Salgados, não fui molestado nas Belas Artes, nem nada nem ninguém tentou furar-me os olhos.