Personalidade de grande assiduidade interventiva, prestando trabalhos multimédia aos orgãos da comunicação social, instituições universitárias, forças partidárias e acontecimentos de reflexão política a diversos níveis, Pacheco Pereira tem marcado um longo período pós 25 de Abril da vida portuguesa com inusitada veemência teórica, incluindo o plano inventivo das hipóteses de transformação dos governos, sem desvios de uma democracia mais robusta de um ponto de vista ético. No último número da revista sábado, 30 de Agosto, 2007, coluna «A lagartixa e o jacaré», este erudito comentador preocupa-se com a RTP. Inquieto sobre quem manda nela, imagina-a governada por uma cadeia hierárquica que depende do par Santos Silva - Sócrates, como no passado aconteceu com o par Morais Sarmento - Barroso. Estes receios, poventura justificados, fazem parte do elenco de eventuais mordaças aplicadas ao universo da imprensa escrita ou audio-visual, que muitos apontam ao governo (leia-se Sócrates) e a uma espécie de projecto Big Brother para a nossa sociedade em geral, numa gestão orwelliana mais fina dos últimos fios de liberdade. O medo de ser português chegou às bancas em forma de livro, mas Pacheco Pereira, capaz de citar algum epifenómeno desse tipo, não é jogador cobarde, nem se furta aos possíveis ataques dos seus próprios correligonários: saltará sempre a crista da onda, criando rectaguardas demolidoras. A RTP foi sobretudo mais um pretexto para fazer política e atacar o primeiro-ministro, figura a quem reconhecerá alguns feitos e alguma coragem, mas que se aproxima cada vez mais do fim do mandato e da natural perda da maioria absoluta no Parlamento. Embora os monitores caseiros andem atulhados de futebol, como sempre, Pacheco Pereira, quanto à RTP, acha que ela está demasiado sobrecarregada de «momentos Chávez», expressão algo grosseira para caracterizar os momentos (quanto a mim, muito escassos) em que o primeiro-ministro aparece nos ecrãs. Pacheco diz que Sócrates se apresenta «compostinho e grave, a falar do palanque nas condições preparadas profissionalmente pela sua máquina de propaganda». O povo gosta desta visão chocarreira aplicada aos governantes, mas a intervenção séria sobre tais problemas, e num país ainda largamente iletrado, deve reger-se por melhores critérios éticos, não por uma espécie de hipertrofia transgénica no apontamento dos erros e dos fatinhos domingueiros. O crítico, aqui, acha que tudo é sempre encenado, calculado, incluindo figurantes, e enquadramentos de reportagem. E em todos estes aparecimentos do primeiro-ministro na televisão (aparecimentos a que chamarei, por agora, esporádicos), Sócrates «não se pronuncia sobre nada de importante, seja a 'ceifa' transgénica e a apatia da GNR, sejam as estatísticas preocupantes da enonomia portuguesa, seja o silêncio sobre as negociações do célebre 'tratado reformador', sobre o qual nada se sabe, apareceu de novo para as habituais sessões de propaganda». Depois, e na mesma forma, a frase ácida vai para novos pretextos de gabarolice saloia quando o primeiro-ministro entrega computadores ao abrigo do Programa Novas Oportunidades, «ocasião única de armazém, que pode ser repetida quantas vezes se quiser». A entrega dos computadores tem de facto um significado real de grande importância se pensarmos a sua relação com outros problemas da área do ensino, mas concordo que, repetida cem vezes, ou mesmo cinquenta, ou mesmo dez, ou mesmo cinco, pecará por redundância política. Quanto ao resta, as coisas fiam mais fino. E das duas, uma: ou Pacheco Pereira é a personalidade culta, sólida e séria que tantas vezes tem procurado fazer passar, ou o seu inegável talento analítico e literário estão enlameados pelo lado mais soez da política, precisando o autor desse género de populismo para apontar erros a Sócrates e ao Governo. Se estivéssemos em lugar e circunstância adequados, penso que valeria a pena confrontar Pacheco Pereira com as descaracterizações, distorções, mal-dizer paranóico, intencionalidades enviesadas, partindo apenas do modo de usar palavras como propaganda, máquina, recado governamental, conveniência, condições preparadas, palanque, falar do palanque, sempre com amplo tempo, compostinho e grave, mitologia ideológica do serviço público, e, entre outras falas engrenadas como vimos atrás, para terminar com o golpe fulminante «momentos-Chávez», momentos inadmissíveis em termos jornalísticos, sobretudo na «oficiosidade» das notícias. Lamento este género de colorido e de vocabulário, com a carpintaria jocosa (para dizer o menos) que nos foi oferecida em toda a crónica «Problema da RTP». Tal trabalho jornalístico, em vez de um outro mais didáctico e com menos empáfia, esse sim, é que anuncia o medo, é que engatilha a humilhação, é que borra o retrato para que nos sintamos pequenos e informes ao espelho do «Big Brother».
Rocha de Sousa
3 comentários:
Não podia estar mais de acordo consigo. Sócrates "aperalta-se", mostra-se "compostinho"? Então e Barroso como fazia? Usava trajes de vagabundo, mostrava-se descontrolado? Andar "compostinho" está mal? É costume nas análises de certas pessoas apresentar aspectos irrelevantes como se fossem "pecado", com intenção óbvia de apoucar os adversários políticos. E o dizer mal, seja a que preço for, é "obrigatório". Ninguém nos vê se não formos contundentes, bilhardeiros e não usarmos termos "exóticos" para denegrir o objecto do nosso ódio. Porque, infelizmente é o ódio que campeia por aí. É ver certos blogues, cheios de azedumes e raivas, invejas, insultos e maledicência. Assim é que se exerce a liberdade de expressão, pois então.
É medo, diz bem. Medo porque sabe que, com todos os defeitos que lhe possa apontar, não tem adversário à altura, muito menos nas hostes de PP.
E o desespero muitas vezes leva os mais sérios a perderem o controle...
Belíssima análise aqui nos oferta. Tem razão!
quanto a mim P.P. perde-se nos populismos da política barata e por vezes arruaceira, coisa de que se alguns necessitam pois mais não sabem, não é o caso dele.
fraterno abraço
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