segunda-feira, janeiro 07, 2008

NA MORTE DE LUIZ PACHECO | 1925-2008


comunidade

Luiz Pacheco

O MAL-AMADO NA VIDA
E BEM-AMADO NA LITERATURA


Faleceu no dia 5 de Janeiro de 2008 (sábado) o escritor Luiz Pacheco. Comprei hoje o «Público», não propriamente para confirmar a notícia, mas para saber como os contemporâneos deste artista maldito teriam abordado, para a História, essa personalidade, a sua obra curta mas apontada a todos nós para lá da ferida, como um grito sarcástico e libertário. O jornal (este) cumpre o seu dever e a paginação sublinha-o. Sob a caixa alta do título A VIDA SOLTA pode ler-se: «Já era livre muito antes da liberdade do 25 de Abril. Foi livre na cama-jangada de Comunidade, onde chegaram a ser cinco corpos enroscados. Luiz Pacheco respirava com todos esses pulmões. Foi o primeiro escritor da sua própria vida e o primeiro editor de muitos grandes». Mais sóbrio, mas com largueza, os textos do «Diário de Notícias» dedicados a Luiz Pacheco têm como título o título aqui citado.
Embora não tenha sido um dos seus amigos chegados, aqueles que lhe ofereciam bacalhau e lhe aproveitavam gostosamente o resultado disso, tratando-o também, pelas urgências, das grandes crises de quase morte resultantes de um alcoolismo exacerbado. Crises donde ele saía rejuve- nescido (seria pior se fosse ressuscitado), entrando no restaurante onde se fazia tertúlia, o célebre 13, com um espantoso teatro juvenil. Foi daí que o conheci inicialmente. Ele achava-me porventura muito novo junto do seu grande amigo Vitor Silva Tavares, escritor que passou pela Ulisseia, para quem trabalhei, e de quem sou amigo já ausente mas verdadeiramente disponível. Claro que o Luiz me pedia os habituais «vinte paus» e eu oferecia-lhe a nota, ao que ele respondia «tão espertinho e bem comportado, e tão amigo logo à primeira». Falámos sempre circunstancialmente, na Brasileira, no Chiado, na tasca. Mas eram coisas curtas. E de nada valia apontar-lhe amoralidades, «venda temporária de um filho» e outras coisas acima de qualquer regra social ou filosófica: ele transportava consigo a experiência cega da liberdade, a própria libertinagem, despojado do respeito pelas fronteiras do regime, e escrevera para sempre esse texto já mítico Comunidade. Grande testemunho, sem dúvida, da sua forma de viver a certa altura, o amor pelos oito filhos insustentáveis, uma vida de calor e de gelo, de miséria, entre a asma, o alcool e o tabaco, sem emprego, sempre a bater no fundo, sempre ajudado contra aqueles que o davam como doido e moralmente inclassificável.
Com preguiça ou assim-assim, escrevia em direcção aos alvos certos, ele próprio, obra que troca a essência do indivíduo marginal pelo comportamento correcto da chamada sociedade organizada mas torturante. Num trajecto surreal, de assombro, Luiz Pacheco fundou a «editora» CONTRAPONTO, através da qual se publicou e publicou vários autores que vieram a honrar, como se diz pela etiqueta, as letras portuguesas. O «Público» apresenta uma página carregada de vários títulos vincados, velhos livros já, de súbito quase impensáveis: «Comunidade», «Prazo de Validade», «O Caso do Sonâmbulo Chupista», «O Teodolito», «Memorando, mirabolando», relendo-se na conhecida obra «Crítica de Circunstância» (Editora Ulisseia), «Cesariny», «Textos Malditos», «Libertino Passeia Por Braga, a Idolátrica, o Seu Esplendor»-obra esta no cume das mais controversas que escreveu, viagem ao fundo da lucidez cruel e degradação do homem, tantas vezes omitida com expedientes vagabundos. A oferta de si em pleno nojo, ora se fazia assim, ora passava pelos dias em que, meio apodrecido, das unhas e dentes, da pele, do cabelo ralo, submerso no alcool e no delírio da provocação, rindo dos próprios amigos/inimigos.

1 comentário:

miruii disse...

Parece que o tipo era meio louco, sim, mas que seria do mundo sem tipos destes?
Piquei, fui (também já postei sobre ele)