terça-feira, maio 20, 2008

A ÁFRICA PERTENCE AOS AFRICANOS




O próprio Franz Fanon, apesar dos seus momentos de lucidez e prudência perante a história e o futuro, denunciou a demagogia ou a falta de rigor de frases como aquela: «A África pertence aos africanos». Slogan dos mais patéticos do tempo da descolonização selvática, pois ninguém ignorava que africanos eram e são os nascidos no respectivo continente e que tal certeza em nada envolve direitos territoriais de pertença. Apesar disso, muitos africanos brancos foram cegamente tomados como colonos perversos, responsáveis pelo atraso das etnias negras, e acabaram, nos momentos iniciais da explosão revolucionária ou independentista, chacinados das formas mais bárbaras, entre encenações mórbidas através dos seus orgãos decepados. Este caminho, nos primeiros dias do confronto em Angola, caso que conheço melhor, apanhou quase de súbito os brancos de Carmona e do Negage, por exemplo, que ficaram em choque perante a chegada de carrinhas vindas do interior, em corridas alucinadas, carregadas de fazendeiros brancos destroçados à catanada, num horror sem medida. Populações ligadas a tais vítimas, por vezes familiares, contrariaram esta onda de barbárie e replicaram com os mesmos meios ou piores, abrindo os mais terríveis acontecimentos da guerra colonial, entre a razão e a total ausência dela.
Ao tempo, apesar do apertheid, todas as pessoas que aspiravam por uma vida melhor olhavam para a África do Sul como um país desenvolvido, sem retorno negativo, lugar onde os negros, a despeito de uma segregação institucional, podiam aspirar, entre humilhações, a concluir cursos superiores.
Décadas após a descolonização, o desastre dos comportamentos e a instauração de ditaduras militares passou à regra dilatada. O exemplo de Mandela, militante contra o apartheid, muitos anos preso, chegou a Presidente de África do Sul, mas o seu desempenho brilhante não chegou para uma transição cuidada entre situações de grande discriminação. Hoje é comum assassinar brancos (lojistas ou outros) praticamente por capricho, enquanto a organização do trabalho se desfaz e as etnias se guerreiam. Segundo um balanço oficial, 22 pessoas foram mortas em Jonesburgo e arredores, nos últimos dias. Houve várias centenas de feridos e muitos foram despojados dos seus poucos haveres, assistindo, impotentes, à destruição dos seus casebres. Será esta, porventura, uma forma apreciável de oferecer África, toda ela, aos africanos de cor? E como deveremos classificar a extinção de etnias por outras, a ocupação de territórios, a instauração de regimes autocráticos, que se apropriam das riquezas naturais, entre outras, e sustentam oligarquias fabulosamente ricas, bem distintas da população pobre, doente e esfomeada?
Com a emigração de outros países para a África do Sul, um novo apertheid foi estabelecido, regado com crimes em cadeia e o alastramento do desemprego. Quatro em cada dez pessoas estão sem trabalho. A miséria atinge 43% de uma população confrontada com um nível de criminalidade recorde, cerca de 50 mortos por dia.

Crimes como os ilustrados por estas duas imagens não são raridades brutais: e veja-se, olhando com atenção e o maior despojamento possível, quando alguém se aproxima (quase fora de campo) mas logo recua, um polícia ou cidadão. E ficam a ver como nós. As imagens não representam as célebres auto-imolações do fim do século XX. Estes homens foram queimados pelos seus semelhantes, em cor e direitos. Morreram sem defesa, pacientemente.

1 comentário:

jawaa disse...

Nem sei se há comentários a acrescentar a estas imagens belas no seu horror.
Do que escreve, só sei dizer que a cultura interracial (não só brancos v/s negros, mas entre etnias) mora ainda no reino da utopia. Faltaria à verdade se lhe dissesse que foi uma surpresa. Foi só uma questão de tempo.
Nada a fazer, o poder do dinheiro corrói tudo. Altera a História também. Alguém disse que uma mentira mil vezes repetida fica com o selo da verdade. Há quem acredite. Parece que agora José E. dos Santos é o Arquitecto da Paz, e não só em Angola. É o que conta um insuspeito membro de uma ONG por lá: http://www.natedownthere.blogspot.com/