domingo, maio 18, 2008

HIROXIMA MON AMOUR * O PESO DA MEMÓRIA

Estes documentos fotográficos são de 6 de Agosto de 1945. Guardas até agora nos dossiers secretos, entre relatórios e outras imagens de horror, dir-sei-ia que se referem às multidões dizimadas na Birmânia, ou ao genocídio no Ruanda, com centenas de milhares de mortos em pouco tempo, sem que a comunidade internacional apontasse um mero gemido. Contudo, estas fotografias brumosas pelo desgaste registam o resultado imediato, em Hiroxima, do lançamento da primeira bomba atómica. As imagens, impressionantes, são uma pequena aparência dos cento e vinte mil mortos do primeiro instante e foram encontradas, num grupo de dez fotografias, por Robert L.Capp, um militar americano que esteve em Hiroxima durante a ocupação do Japão pelos EUA, em 1945/49. O autor é um jovem japonês desconhecido que fez estes registos pouco depois do bombardeamento americano. Em Hiroxima, morreram, de imediato, 120 mil pessoas de uma população de 450 mil.
Num momento da «nova vaga» do cinema francês, Alain Resnais, reportando-se a Hiroxima, numa primeira fase quase documental, trabalhou depois, num filme inesquecível («Hiroxima mon amour») e com um texto magnífico de Margarite Duras. Poesia em prosa, voz murmurada sobre os corpos a quem cabe continuar a mensagem do amor, Resnais alcança um outro realismo, o terrível sopro de angústia sobre a condição humana. Frases, sentimentos, emoções poderosas, tão poderosas e tão humanas como quase sempre emergem das maiores tragédias que têm abalado civilizações.

2 comentários:

Miguel Baganha disse...

João,
este testemunho fotográfico de um dos mais decisivos acontecimentos histórico/políticos a par com a sua analogia pungente, leva-me de encontro ao eterno drama da condição humana e a irremediável solidão do Homem perante o sofrimento e a vida.

Neste género de angústia do destino, infelizmente contemporâneo na sua existência, sinto uma ansiedade imensa, ao constatar que o Homem não avança, não recua...apenas se mantém estático, fiel á sua natureza mais primária.

Gostei imenso deste seu texto, João. Incisivo na forma como nos leva à reflexão sobre o sentido ùnico e apocalíptico da vida humana, e muito bem relacionado com o filme "Hiroshima meu amor"- esta obra-prima de Alain Resnais.Bem lembrado, mestre!

Afinal, o peso da memória ainda se vai sentindo...pelo menos para alguns.


Um abraço, tioRocha ;-)


Miguel

P. Guerreiro disse...

"A explosão atómica volatilizou literalmente os que então passavam por esta ponte; mas os seus corpos serviram de capa e protegeram das radiações alguns pontos do solo, nos quais as silhuetas humanas ficaram desenhadas a branco."

Descrição de uma fotografia, "Grande Crónica da Segunda Guerra Mundial" vol 3, 1978, Reader's Digest.

A fotografia, aparentemente científica, apresenta o pavimento de uma ponte onde se percebe uma silhueta branca. Um homem, ligeiramente curvado, simula a posição daquele ser humano antes da volatilização, tem uns papéis na mão e olha atento para os pés, na tentativa de captar o acontecimento.
Pouco mais se vê, vislumbre de água no canto superior esquerdo, fronteira em pilares e tubos que fazem a amurada da ponte.

Apenas uma achega.

Não vi “Hiroxima meu amor”, vi as fotografias do desastre. Novo demais para ver o filme mas com idade suficiente para poder ler a realidade.