sábado, dezembro 30, 2006
NOTÍCIA SOBRE A AULA EXTRA
sexta-feira, dezembro 29, 2006
JANELAS PARA UM MEMORIAL DA INDÚSTRIA CORTICEIRA
fotografias
de Rocha de Sousa
AS JANELAS DO TESTEMUNHOMEMORIAL DA INDÚSTRIA CORTICEIRA
AS BARCAÇAS FLUVIAIS
AS MIGRAÇÕES DOLOROSAS
As ruas ribeirinhas da pequena cidade do sul, tortuosas, recebiam as grandes vias verticais, radiantes, que desciam o monte arábico. Entre camiões velhos e artesanais carros de tracção aninal, os assalariáveis deambulavam por ali, horas a fio, à espera das barcaças que subiam o rio e vinham carregar fardos de aparas de cortiça. Portugal tem sido o maior produtor dessa matéria vegetal, em quantidade e qualidade. Fechado à exportação do produto virgem, a fim de segurar uma exclusividade transfirmadora, o país retirava deste sector parte importante das suas receitas, rolhas, bóias para redes de pesca, placas para a feitua de tapetes de banho, ariculáveis. Mas a grande concentração de operários, cerca de cinco mil, pelo menos, criava ali um polo de tensão. Nem sequer os salários eram a questão maior deste espaço social.
Manhosamente, oferecido a pressões exteriores e combatendo a força reivindicativa das unidades fabris do sul, o governo decretou no sentido de abrir ao mundo a exportação da cortiça em prancha, preciosidade arancada às árvores de nove em nove anos, com reservas de alternância durante esse tempo, e levada para os cargueiros que a esperavam perto das praias. As barcaças recnvertiam-se para este serviço, aliás praticamente igual, e apontavam, em vabas, aos costados dos navios. Por seu lado, os camiões, com ganhos relevantes, também transportavam as pranchas de cortiça, atadas em torre à caixa traseira do veículo, levando-a para o porto de Lisboa, mais seguro e operativo relativamente a estas operações de grande calado.A crise fora desencadeada depressa, politicamente, e as fábricas assim acossadas começaram a arder, uma após outra. O material que detinham permitia provocar incêndios colossais, assombrosos, sem que se conseguisse descobrir de forma irrefutável a causa, um processo natural ou provocado. Tudo ardia a velocidade indiscritível e erfam chamados de todos os lados bombeiros para tais batalhas, não tanto a fim de apagarem o fogo mas de evitarem que ele saltasse para outras fábricas e casas em redor. Dias depois, com velhos rebuscando as ruinas fumegantes, os operários partiam para o note, para o Montijo e Alhos Vedros, entre outros sítios. Os donos da empresas deslocavam-nas, com o dinheiro do seguro, para lugares mais compatíveis com a competição dos custos de transporte. Entretanto, os trabalhadores migrados chamavam para junto de si a família, mulheres e filhos. Mas a sua vida profissional abreviava-se: hove bem depressa novos fogos e novas deslocações, fábricas repartidas em unidades menores, salários encolhidos. Na pequena cidade do sul, as ruas estavam desertas e nunca mais tocara o sino ao meio dia, nem se viram os grupos de trabalhadores deslocando-se então, na hora do almoço.
Os potugueses viveram longamente assim. Circularam amplamente nos mares e traziam para o país especiarias do Oriente. Mas não passavam desse lucro para o investimento na transformação e distribuição das novas matérias. Dois milhões de almas, apenas, fizeram o Brasil, usando tudo e todos os escravos possíveis.Quando se lê a história de Manaus, na área da borrecha, onde foi mesmo construído um teatro de ópera, com pedras trabalhadas idas de Lisboa, percebe-se que o sonho é grande demais para sobreviver aos poços que lhe seguem no tempo. Lá ficaram, no Brasil, cidadezinhas interiores, com a sua igrejinha, e engenhos e fazendas, porque, enquanto isso se fazia, o negócio intercalar absorvia toda a criação futura. Como os citrinos do Algarve, que os produtores, incapazes de criarem empresas absorventes da laranja local, bemcomo a sua distribuição, foram soçobrando aos intermediários e muitos deles vendem hoje nos mercados as pequenas e luzidias laranjas vindas de Espanha. Que farão eles, os espanhóis, das nossas belas laranjas?
Presos a uma crise, presos à cauda desta Europa mole e sonolenta de mordomias, os portugueses continuam a traficar: vem jogadores de futebol, com intermediários e tudo.
Rocha de Sousa
quarta-feira, dezembro 27, 2006
UMA GUERRA SEM INIMIGOS
dos jornais
Se, durante a longa guerra colonial, o nosso país registou, em catorze anos, cerca de nove mil mortos, imangine-se quantas perdas se registaram na antiga Metrópole, nas estradas, em igual período de tempo. Por outro lado, antes das auto-estradas (e mesmo com estas) as filas de trânsito foram alcançando densidades irreparáveis e muitos acidentes. Causas: cansados, os portugueses ouvem há dezenas de anos, invariavelmente, as mesmas -- velocidade excessiva, abuso do alcool, manobras perigosas.
Esta sinopse da tragédia revela-se claramente redutora e peca pela falta de uma análise mais exaustiva: em Portugal, por exemplo, é possível enfrentar uma ultrapassagem em rampa limpa, sem sinalização, que afinal, e de súbito, se trata de uma lomba e oferece hipóteses terríveis de desastre.
Os sinais dentro das localidades constituem uma espécie de jogo do adivinha, labiríntinco, sem nexo, nem o devido escalonamento no sentido das saídas ou das entradas. Nas estradas os pecados institucionais são muitos: falta de sinalização, nenhuma razoabilidade das nuances de cada percurso. A velocidade máxima é única para todo o lado, quer num percurso de curvas, quer numa recta de oito quilómetros, aberta de ambos os lados.
E quanto à metodologia da polícia de trânsito, ao contrário do que se diz, a «prevenção» é feita de esperas, armadilhas mecânicas ou estratégicas. Parar. Vasculhar tudo. Criar tensão e nunca distensão. Radar, vídeo, carros disfarçados a duplicarem a infracção de quem perseguem. Além do mais, patrulhas estacionadas entre os arbustos, na berma da estrada, na modorra da tarde. Ao lado é o trânsito denso, os camiões e as filas de carros por quilómetros. Tudo isso ntraumatiza e leva facilmente o condutor a cometer erros. A polícia não tem que esperar ninguém, de radar na mão. A polícia tem que dispor de meios móveis (motas, por exemplo) para acompanhar o trânsito, o seu pulsar, decidindo quando deve desfazer uma fila, parando os camiões durante minutos e descomprimindo os ligeiros da excessiva pressão acumulada. Assim abrirá espaço e gestos soltos, evitando-se os disparos de irracionalidade dos condutores enlatados.
Aqueles carros estacionados, com agentes por ali, que levantam de tempos a tempos o sinal de paragem, são uma forma arcaica de exercer vigilância. O sinal de paragem usado assim é psicologicamente errado, simula a vontade totalitária, torna-se aleatório em demasia. Nada disso tem a ver com a vigilância e tratamento do trânsito rodoviário, nem com a necessidade de minimizar as estatísticas da morte. É preciso estudar toda esta problemática, a par dos traçados e outros aspectos das rodovias, acabando-se com as confusas explicações para a habitual carnificina.
APOCALIPSE NOW
quinta-feira, dezembro 21, 2006
PREFERÊNCIAS
Quero deixar aqui bem expressa a minha confiante admiração
por estes dois jornalistas e colonistas ou comentadores.
Quero declarar que a voz certa de Sousa Tavares
tanto nos alerta
seriamente para os bens e os males do mundo
como sobretudo a escrita de Clara Ferreira Alves
numa espécie de nomadismo antropológico e sociológico,
nos compromete através das suas crónicas na Única.
Digo assim a minha posição, num voluntarismo que a alguns
pode parecer mitificante ou político,
mas que se circuncreve ao olhar e à percepção
que tenho das coisas,
o gosto por elas, e também a viagem através da escrita
destas pessoas
invulgarmente apetrechadas no seu campo de trabalho.
A lucidez de ambas, passando pelo nosso crivo de avaliação,
convida-nos a melhorar a nossa própria prestação
nos meios e pelos instrumentos
onde e com que nos afirmamos.
domingo, dezembro 17, 2006
AS NOITES DOS SEM TECTO
O que vemos aqui é apenas o que resta de uma sociedade profndamente marcada por processos de exclusão, cujas noites albergam milhares de pessoas sem tecto, os sem-abrigo, vidas inteiras dormindo nos recantos da arquitectura, sob a bruma das luzes ou a claridade das montras ainda acesas. As fotografias aqui propostas são da autoria de Paulo Alexandrino, a quais, entre outras, ilustraram um trabalho de entrevista a sem-abrigos desenvolvido por Carla Amaro. (revista do Diário de Notícias, 3 de Dezembro, 2006.
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A CÉU ABERTO
Jacinto achava soberba a reabilitação do Carlos ao livrar-se da dependência do álcool. A sua língua, enregelada pelas drogas, não deixava por isso de chalacear sobre o papel dos ricos nessa reconversão. Mas há códigos de honra entre esta gente da noite, os sem tecto, os sem-abrigo, o que implica a partilha de certos valores e bens -- a comida, por exemplo. Jacinto só leva a comida que lhe é distribuída «para evitar que uns comam duas ou três doses e outros nenhuma» Tem as suas exigências: «Este pão não é de hoje. E ouça lá, trouxe-me os pijamas que lhe pedi? Onde estão os cobertores casaco-cama que me prometeu na semana passada? Os que tina roubaram-me. A mim roubam-me tudo. Mas não estou para apanhar porrada dos meus semelhantes, já bastam os pontapés que às vezes levo dos putos ricos que saiem bêbados das discotecas. Que é isso do albergue. Já lhe disse que não me deixaram ficar nesse sítio com a desculpa de eu ter abandonado o programa de desabituação do consumo de álcool.Também não me quiseram nos Ascólicos Anónimos porque não gostavam que eu usasse nas reuniões a bomba da asma. Nunca mais lá pus os pés. Há vícios e vícios. No Intendente, contam-se pelos dedos os que não são viciados em heroína. O padre Henrique aparece por aí. Diz que a sua missão é tirar da rua os que puder. Mas os nossos traumas fazem com que gostemos destes cantinhos em pedra, sentimo-nos com mais liberdade. Que raio, o pão está mesmo duro. Eles pensam que, lá por não termos onde cair mortos, perdemos o paladar, comendo por comer, comendo tudo só para encher a barriga. Digo mesmo que alguns desses pãozinhos-de-leite que andam a dar-nos sopa, mais valia que se metessem nas casas deles, confortáveis e quentinhas. Como isto anda, é caso para lhe dizer: aproveitem as casinhas enquanto as têm. A mim já me tiraram tudo, só não me tiraram a vida. eAí a sonhora da máquina fotográfica o que pensa que anda a fazer. E aquele que escreve tudo o que digo? Vieram espreitar a pobreza alheia? Se calhar ainda a acham bonita, era só o que nos faltava. Ó minha senhora, para que quer saber a minha história? Vai resolver o meu problema? Arranjar-me um emprego? Vá-se lá embora que a minha miséria não interessa a ninguém,
Esta recriação em torno da entrevista já referida respeita as frases citadas, embora aqui aglutinadas em forma de fala única como reforço da sua intenção expressiva e de testemunho.
3 de Dezembro de 2006
dois graus positivos
segunda-feira, dezembro 11, 2006
PROJECTO K
O Cidadão, chamado ao Palácio, como o agrimensor do Castelo, em Kafka, era consultor do Projecto K. Mas, quando chegou ao Palácio, ninguém lhe respondeu, apesar da sua longa insistência. Usou as campainhas e o forte batente do portão mas, com efeito, não obteve resultados. Resolveu então descer o caminho até a aldeia, no sopé do monte, e foi sentar-se num café que por lá havia. Bebeu leite fresco, esperou o tempo que a paciência lhe consentiu e acabou por fazer uma primeira chamada para o número de telefone que lhe haviam confiado quando da solicitação dos seus serviços. Ao cabo de um ou dois minutos de espera sob a monótona repetição da campainha, retinindo renitente na distância, ninguém veio atender-lhe a chamada. Ficou surpreendido. Fumou um cigarro e esperou um pouco mais. Quando accionou o telefone pela segunda vez, pareceu-lhe que o toque era mais forte, e dispôs-se a falar. A campainha retinia de cinco em cinco segundos, obviamente remitente, e o tempo parecia uma toalha de àgua espalhando-se pelo chão do café, obrigando os freguese a sairem dos lugares, alcançando uma especie de palco onde havia igualmente mesas e um móvel antigo cheio de loiças. O cidadão esperava, desesperava, aterrado com o destino de quem o chamara e lhe dissera da urgência em tratar novos problemas do Projecto K. Pensava, ao fim de três horas de telefonemas, que vivia num Estado de Direito, beneficiando da liberdade própria do regime democrático, e isso conferia-lhe o poder, nestas circunstâncias, de retirar-se. Contudo, procurando achar um pouco de calma, voltou ao Palácio, premiu as campainhas com força e usou o batente do portão com grande veemência. Mesmo assim, nada obteve através dessa mudança no uso dos meios. Olhou para as câmaras de vigilância, imóveis, mas claramente apontadas ao lugar em que se encontrava. Pareciam mortas, as lentes estavam cheias de pó. Ancioso, o cidadão decidiu rever os dados que apontara, retirando da algibeira do casaco um pequeno maço de papéis, nos quais, logo na primeira folha, podia ver as notas que tomara durante a chamada do Palácio - o lugar, o dia e a hora, problemas ligados ao Projecto K. Em boa verdade, ele ignorava em que consistia tal projecto, quais seriam os seus objectivos finais, após anos e anos de trabalho sectorial, em construções principalmente de metal e betão, algo que se parecia, sob o papel e nas maquetas com as antigas refinarias do século XX. O seu trabalho, circunscrito a uma determina área de terras expropriadas, estava no entanto aparentemente ligada à energia de fusão, trabalho secreto, fraccionado para despistar os intuitos mais legíveis. Tudo começara nas fundas caves do Palácio, obra que parecia revestida por sucessivas reconstruções, evocando estranhamente a Idade Média. Paradoxalmente, o primeiro piso surgia bastante iluminado, paredes lisas, paredes brancas, espaço que contornava um grande suporte central de trabalho. Esse "cenário" ocupava pouca gente, apesar da sua amplitude, embora parte dos circunstantes fossem altas patentes militares, tratados com deferência, a par de professores, ciêntistas e muitos técnicos informáticos. Essa gente não primava por grande actividade, aparecia e desaparecia tomando notas, acrescentado aqui e além simulações nos módulos de trabalho e nos computadores portáteis espalhados pela mesa. O cidadão convocado era especializado em fisica das particulas, trabalhara em estudos de fusão atómica, mas ali pediam-lhe sobretudo que operasse cálculos do efeito de certas forças em modelos naturais minuciosamente elaborados à escala.
Naquele dia, suscitado cada vez mais pela importância de tudo o que podia abarcar relativamente ao trabalhos ali em curso, o cidadão decidiu permanecer mais tempo na zona e foi hospedar-se num pequeno hotel da aldeia, espécie de residêncial do século XX. Aí tomou um banho quente, procurando aliviar o corpo e o espírito, acedendo entretanto aos jornais do dia, aos noticiários da televisão, e dispondo-se finalmente a dormir na comodidade desta insólita solidão. Não deixou de telefonar, por vezes e de novo, para o Palácio. Não obtendo nenhum sinal desse lugar, resolveu dormir e esperar tranquilamente pela manhã. Mas não dormiu de forma satisfatória. Estava perplexo. Afinal desejava com impaciência que a luz do dia surgisse. Já estava sentado na cama quando o telefone, colocado sobre a mesa de cabeceira, tocou. O cidadão levantou rapidamente o auscultador e ouviu o recepcionista a anunciar-lhe uma chamada. Depois, do outro lado da linha, a voz de um homem solicitava-lhe que confirmasse com quem falava e disse depois, apenas:
"Diga-me o seu código, por favor".
"Não sei a que código se refere".
"O código de enquadramento no Projecto K".
O cidadão ficou supreendido.
"Mas eu não tenho esse código".
"Não tem? Que quer dizer com isso?"
"Que não tenho nenhum cartão de código respeitante ao Projecto K".
"Mas é a primeira vez que vem trabalhar no Projecto?"
"Não. Trabalho desde da primeira comissão."
Silêncio do outro lado da linha.
Alguém parecia ter tocado na porta. Só então ele acordou de uma noite agitada. Olhou em volta, com a graganta seca. Estava no quarto da sua casa e a mulher (o seu anjo da guarda, como ele a nomeava por vezes) trazia um tabuleiro com frutas e sumos, hábito que mantinha aos fins de semana, desde de sempre.
Rocha de Sousa
segunda-feira, novembro 27, 2006
MORREU MÁRO CESARINY DE VASCONCELOS


Filho
de ourives
joalheiro,
o poeta da
«Pena Capital» e
«Nobilíssima Visão»,
além de tod o espólio
que aí fica a
enriquecer-nos,
passou do literal
ao simbólico: da
ouriveria à alquimia
das teclas à que na
poesia incorporou
dos jornais
domingo, novembro 26, 2006
SAUDANDO ÁLVARO LAPA E A SUA OBRA


sábado, novembro 25, 2006
HOMENAGEM A ÁLVARO LAPA
Quem não considera o não-ser compreende a arte sem distância,
O não-ser corresponde à imaginação que trabalha e ao animal.
Emociona-me a palavra «lenda» como sentido do que faço.
Naecicismo do indivíduo ou da Natureza tanto faz.
Entre a elite e a claque a escolha impõe-se.
Trabalhanos em ultrapassar os nossos limites ou trabalhamos em amar.
sábado, novembro 18, 2006
MEMÓRIA RURAL NA LINHA FÉRREA



A nossa viagem pelos testemunhos do passado, entre utensílios comuns e patrimónios quase lendários, implica um projecto cultural sem preconceitos, alinhado pela longa parábola que o tempo parece descrever. Num velho estaleiro de ferramentas agrícolas, este velho carro de tracção animal oferece-nos a beleza da idade, dos materiais, do design que os formava e funcionalizava. Penso que estas imagens não são para esquecer
A MADRASTA

sexta-feira, novembro 17, 2006
EM TUDO HÁ DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS
FEIRA DE VAIDADES E RECOMPOSIÇÕES POLÍTICAS

segunda-feira, novembro 13, 2006
domingo, novembro 12, 2006
EM BUSCA DAS MARCAS PRINCIPAIS
quinta-feira, novembro 09, 2006
A MEDÍOCRE FALA COMO CULTURA POPULAR

quinta-feira, novembro 02, 2006
DESCONSTRUÇÃO/RECONSTRUÇÃO
domingo, outubro 29, 2006
terça-feira, outubro 24, 2006
A PORTA ENCOSTADA E A MÃO DE FERRO

suscitado por algumas sequências de «A CASA REVISITADA», de rocha de sousa
segunda-feira, outubro 23, 2006
UM INCIDENTE PROVIDENCIAL
sábado, outubro 14, 2006
OS RESTOS COMO REQUIEM URBANO


reciclar, perder, recuperar, abandonar, ser, restos como requiem urbano, cascas de casa
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Andavam os vagabundos e os sem abrigo pesquisando o conteúdo das sargetas quando lhes caíu um motor de avião em cima. Sábios, logo disseram que nada daquilo pertencia a Bin Laden, pois o expediente era demasiado pobre e pouco matador para que se fizesse tal juizo. Tratou-se apenas de um incidente, espécie de terrorismo ocidental . A ordem ocasional das coisas pode ser estudada na complexidade crescente dos excessos degradados do lixo, caixas, cartões, vómito guardado em plásticos, o tempo que leva à mudança dessas despaisagens.
sexta-feira, outubro 13, 2006
A ORDEM NATURAL DAS COISAS

A ordem natural das coisas é não haver nenhuma ordem natural das coisas. Lembram-se do Noivo, um homem de meia ideia, vestido de smoking, pasta na mão, cabelos sedosamente puxados atrás, como nos velhos tempos da brilhantina - esse excluido que vogava pelos cafés de forma altiva e inabalável? Assim ficara desnatural, com efeito, pelo facto de ter sido abandonado pela noiva em pleno altar. A súbita vontade alheia, contraditória de mil promessas entretanto feitas, implodira a própria cerimónia do casamento e o Noivo perdera-se dele mesmo. Hoje, olhando para o mundo em redor, a verdade é que nos tornámos todos noivos, sem smoking. Convertidos ao desleixo global, luxo aristocrático invertido, homens e mulheres usam calças de ganga das mais diversas maneiras. A rapaziada, entre os jovens semi-universitários e os parlamentares de gabarito, usa barba crescida, aparada uns milímetros acima da pele por uma nova invenção no meio industrial das máquinas de barbear. Mas não se pode assegurar em rigor que tais máquinas tivessem nascido depois das barbas haverem crescido mal aparadas. Pela ordem natural das coisas, primeiro teria crescido a barba, depois a tecnologia para o tratamento da sua qualidade. Nos cafés, no intervalo da discussão sobre futebol, alguém, mais afoito e porventura mais culto, assegura que a máquina apareceu primeiro, que acontece em muitos outros casos, propondo aquele bizarro tratamento da barba. A propósito dos cafés, cada vez mais raros, improisados e de menor gosto, há neles uma persistência curiosa, mais antiga do que as calças de ganga: o hábito de quase toda a gente tomar ali o seu pequeno almoço, café com leite e pão com manteiga, enquanto alguns outros só consomem um copo de vinho, uma dose ou duas de três. Nas tascas também ressoam os telemóveis, há telemóveis por toda a parte, e muitos e muitos jovens passeando com os aparelhos colados às orelhas, passando para as namoradas palavras obscenas. O mundo, aliás, ficou cheio de telemóveis, de primeira, segunda e terceira gerações. Os pais fotografam os filhos quando os levam para a Escola, braços levantados, câmara de telemóvel eficiente e silenciosa - Deus olhando do alto o funcionamento do Seu quotidiano. Apesar de tudo, o país está empobrecido, garantem os economistas e os políticos. Mas as terras estão atulhadas de cidades a perder de vista, paisagens de betão onde abundam o lixo e os consumos, uma pressa de convocar o futuro. E isso caracteriza bem, paradoxalmente, os cidadãos que ainda não chegaram a uma mais profunda consciência do tempo, ou seja, da morte. Náo é por acaso que amentou o número de vagabundos e os sem-abrigo, todos os que, mesmo na enxovia das camas de cartão, deliram com os principais clubes de futebol, desdobrando longos discursos que invadem territórios alheios - até lugares electrónicos como este - para criticarem arbitragens, faltas mal aplicadas, lesões de jogadores, políticas da Federação, da Liga, da Fifa, uma corrupção que deslisa no intervalo dos jogos e nos bares do norte. Exclamam por vezes, num caso de contusão mais grave, que não há Serviço Nacional de Saúde capaz, que os Centros não têm funcionários nem aparelhos, que as urgências migram para o litoral e para as grandes cidades, que as maternidades foram fechando, sobretudo no interior abandonado, ficando assim os doentes e as grávidas a dezenas de quilómetros dos sítios próprios das suas necessidades, o que fez duplicar, só num ano, o número de óbitos e partos nas ambulânvias do INEM e dos Bombeiros. Ao lado dos incêndios, bom negócio de sobras e novos pobres. A par dos lixos atirados um pouco por toda a parte. Ou dos produtos venenosos que fábricas e suiniculturas despejam nos rios e lagos do jardim à beira mar plantado. Nas praias também, calor a prumo, milhares de pessoas encalhando na areia, a lembrar terrivelmente os campos de refugiados de que África está repleta, entre guerras e ditadores cegos. Afinal, somos pobres ou ricos? Talvez remediados, como no tempo rural de Salazar. Havia crianças com a bandeira da Mocidade Portuguesa e cantando o Hino Nacional. Hoje as crianças são geniais, embora banqueteando-se com tecnologia alienante (jogos apocalípticos) e sandes americanas - produto que nos vai colonizando e tornando obesos. Ah, o nosso rico caldo-verde, com uma rodela de linguiça a meio. Os mais pequenos são transportados nas manhãs de folga em carrinhos tipo new look, enquanto os pais ainda vigiam os fotógrafos das redondezas, por causa da pedofilia e do eterno processo da Casa Pia. Há muitos arguidos em Portugal, gente de acasos e da candonga, ricos cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres. Porque os pobres desempregados preferem vender umas gramas de droga a juntar-se à tarefa camarária do lixo, um lixo urbano sempre acumulado, publicidade rasgada com ele, ou nas paredes, em sucessivas gerações desde o 25 de Abril. Nessas noites de bruma, para além das escassas árvores da cidade, há gatunos roubando carros ou assaltando apartamentos, na melhor das imitações das escolas estrangeiras, Nova Iorque e Chicago, por exemplo. A GNR e a PSP são polícias que costumam passear de carro desportivo, linhas azuis e verdes, mas os agentes pedestres, quando se encontram com um bandido, têm de fazer contas para saber se estão em situação de legítima defesa ou não. Antes disso já comeram com um balázio na barriga e as suas velhas armas, encravadas, nem puderam responder. Cada tiro de um polícia é um polícia em tribunal. Mais arguidos, cadeias onde a sobremesa ao almoço pode conter pequenas doses de cocaína, e depois a sida, a tuberculose, coisas assim. Os filhos dos filhos de alguns dos presos mais velhos pagam taxas moderadoras, agora de utilização, são metidos em Casas de integração, dormem lá uns tempos, cortando cartolinas, e depois fogem pelo muro descarnado e ficam adstritos a uma zona de vagabundos, a trabalharem bem a solidariedade dos grupos que andam durante a noite distribuindo mantas e sopinhas quentes. O pior é a televisão, não há sítios para ver os jogos, excepto algumas tabernas, e o futebol, além do eixo do mal, é a sua mística, o país chega a parar, a assembleia nacional faz pausas apropriadas. As rixas repetem-se todas as noites. Os médicos de família não passam de uma ficção. Se não há futebol na televisão, há porrada e notícias com crimes hediondos, já de marca portuguesa, e publicidade a espectáculos que enchem estádios ou novelas cheias de armadilhas onde os bons actores portugueses perdem o seu tempo e a sua dignidade. A balbúrdia dentro e em volta de Lisboa cresce de minuto para minuto, as pessoas mais velhas ficam perplexas, e aqui há dias um velho de setenta anos perdeu-se lá para as bandas do eixo Norte-Sul, Cril, Crel, andou em contramão por estradas sem sinais, ou com poucos sinais, errados, mal escalonados, o que de resto acontece por todo o país e é causa importante dessas tragédias do asfalto, diagnosticadas sempre pela polícia como devidas ao alcool e à velocidade excessiva. O velho deixou o carro num recanto inócuo e voltou de táxi, no outro dia, para o recuperar. Mas o carro tinha desaparecido e o pobre homem nunca mais o viu, perdendo assim o negócio de batatas que transportava de um produtor dos arredores para a zona das Olaias. Nesse dia, quando chegou a casa, lá estavam os papéis do IRS, um pedido por conta, uma esmola solicitada pelas Finanças. Ainda pensou em falar com o filho, mas o desgraçado acabara a licenciatura e estava desempregado há mais de um ano. As Universidades haviam perdido o tino, julgavam-se produtoras de elites cordenadoras, afastando-se do mundo real e procurando assegurar-se de que os Politécnicos iriam produzir tecnólogos, num país a abarrotar de engenheiros, nas empresas, nas estradas, e sobretudo nos Governos. Como os professores dos primeiros níveis do ensino eram nómadas, andavam a ensi-nar um ano na Lousã e no ano seguinte a leccionar em Ourique, o insucesso escolar talvez comece logo por aí. Que não, diz o Ministério. A estratégia da rede escolar tem de ser vista, programas, livros, autonomia das instituições, mesmo aquelas que restaram perdidas no mato. Perdidas na memória daquela paz e daquela medida que faziam das brincadeiras, no recreio, uma verdade calorosa.
Nesta ordem natural das coisas, que não é ordem nem natural, os velhos atrasam-se no caminho para a morte, atrapalhando a Segurança Social. E os meninos, nascendo cada vez menos em nome da cidadania da mulher e de uma escassa procriação, com raízes genéticas mirradas pela economia, vão crescer sem afectos, mordendo o isco dos matulões e dos cigarros. Os velhos esperam sentados nos bancos das ruas brancas do Alentejo ou nos escassos jardins onde ainda podem jogar às cartas. Alguns pensam: a morte nunca mais chega. E outros dizem aos seus botões comprados há muitos anos na retrosaria do Sequeira: deixam atrasar tudo e não há listas que cheguem para tantos atrasos. Sousa Carneiro escreve: desfizeram-se os pomares, abriram cotas estreitas na agricultura, largaram o mar salgado e afundaram as traineiras, perderam a guerra em África e as pistolas que restaram oferceram à PSP; queimam as florestas e toleram os negócios obscuros, falam em mobilidade como se tivéssemos que voltar ao paleolítico e regredir em caminhadas imensas, enquanto o trabalho falta e se apregoa com pompa que nunca haverá mais empregos estáveis, tudo rodará em volta de tudo. Os psiquiatras não, esses não rodam, nunca mais voltarão a ser nómadas: os andarilhos da indústria ou do ensino, e quem sabe, um dia, se da saúde, esses sim, globalizaram-se e frequentam psiquiatras por causa das bipolaridades incandescentes, da nostalgia, e da falta de apoio aos mortos na estrada.
Mas Almada Negreiros disse um dia, e com razão, por três vezes seguidas, entre minutos, sobre a urna de uma celebridade: Há pontos finais.
quarta-feira, outubro 11, 2006
TODAS AS LISTAS DO ATRASO

Assim: muitas aldeias do norte, perto umas das outras, perderam as escolas, todas as escolas, e os meninos andam agora a pé ou de camioneta, entre os medos da estrada e da chuva, para acederem a uma escola grande, da sede do Concelho, onde as salas têm de ser divididas com armários para albergarem, abarrotadas, duas turmas. Os professores vão permanecer ali durante três anos: alunos e professores perderão os afectos desse tempo para se adaptarem a outras situações.
Sousa Carneiro explica no seu livro «Todas as Listas do Atraso» que o desenho e tais destinos têm contribuído largamente para o insucsso Escolar.
mas entretanto é preciso adquirir: escolas, estradas rurais, centros de acolhimento, residências para estudantes, equipamento escolar básico, iluminação e aquecimento, rede informática entre universidades e centros de pesquisa, além de laboratórios e linhas de vídeo conferência entre nós e o estran- geiro, estruturas e suportes arquitecturais para a pesquisa artística e sua aplicação ao espaço urbano, exterior e interior. As autarquias têm de ser mobilizadas para estes critérios de relação, transformando a cultura numa relação profunda com o meio, não em festividades caloiras ou cortejos de carnaval.