UM CÂNTICO PARA AS QUATRO ESTAÇÕES
Aqui estamos de novo. Agosto é uma ficção. O tempo não pode decidir em meu nome o que devo fazer ou quais as escolhas que podem caber-me em manhãs assim. Mas eu posso perceber os sinais dele, do tempo, a favor de quem fui, e contra a definição cronológica das cicatrizes, rasuras imprecisas na vagarosa presença dos muros ou das portas que se fecharam para sempre. Eu sei que estas coisas nunca tiveram um nome verdadeiro, contentam-se com alguns adjectivos. E sei por isso que elas não se olham da janela em movimento, entre as lágrimas produzidas pela brisa. São precisos os passos, a contemplação, o apelo à profundidade do olhar. Passos e paragens decididas, o corpo oferecido à exigência de cada situação, quer na obliquidade que nos permite observar a branca oscilação das paredes empobrecidas, quer nos vestígios de tintas assim. Posso dobrar a coluna para a frente, na aproximação óptica em direcçãao ao objecto, fenda, pedra, um pouco de cal, o cristalino a mover-se para fingir o que fingem as máquinas fotográficas partindo daquela relação orgânica ligada tanto à arquitectura do olho como à sensibilidade do ver.
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Um dia os passos vão acontecer fora do tempo e o olhar terá de perceber o cerco do mundo numa guerra e cheio de lixo. Não bastará a fenda exposta no muro de qualquer fábrica corticeira. Tudo será aburdamente tudo.
O sol queima a pintura antiga das paredes, abrindo pequenas crateras, casca breve e solta, desprendimentos reveladores de outros rostos já sem data, à clara luz do dia. Na esplanada, a manhã ainda fresca, os jornais dizem parcialmente, como é habitual, em página efectivas e titulares...
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