sábado, agosto 05, 2006

A CASA REVISITADA





Cheguei ontem e decidi ficar. Ficar assim, olhando os restos de quem fui, ou de quem foi por mim, entre palavras. Tenho a casa toda para esta disponibilidade porventura irreversível, com o rascunho da morte empilhado ali, num monte de papéis velhos, tinteiros, carimbos, canetas de aparo, postais já sem destinatário.

Alguém morreu no quarto ao lado, ficaram os objectos. Coisas, retratos, roupa escura, ou essas marcas enigmáticas nos calendários de cores desbotadas. Alguém morreu desse modo, um pequeno caos em volta, passos, eu chegando e partindo como se o futuro se atrasasse por cada viagem de novo. Mas o futuro chegou mais cedo, quando a casa se enchia do perfume da roseira, depois de inscrever quase súbitas rasuras no rosto de quem o esperara de outro modo. Chegou a esse rosto, à clara luz do sol, deixando-lhe estranhas assimetrias na boca, a voz soletrada, um fio finíssimo de saliva ao canto dos lábios. Assim, breve, contra a paisagem de cal.

Abertura do romance e Rocha de Sousa, A CASA REVISITADA, distribuído prla Dislivro e impresso na gráfica J&L. A obra divide-se em duas partes: 1 nostalgia dos anos intencionais. 2 reencontro no murmúrio das raizes.

3 comentários:

naturalissima disse...

Magnífico!
Um iniciar perfeito para quem começar a ler, deixar-se ficar.
Bela passagem...
Já tive o prazer de o ler duas vezes.
É simplesmente maravilhoso.

Beijinhos, tio
Daniela

naturalissima disse...

Adorei as fotografias. São de tirar o chapéu.
Adequadas na perfeição ao livro...

jawaa disse...

Belas fotografias.
Apetece ficar a ler. Vou ler!