terça-feira, agosto 22, 2006

TEMPO ENGANADOR DE FLORES E FRUTOS



O sol aparece então queimando vagarosamente os rostos litorais e acentuando a poética das flores. Aparecem assim os jardins suspensos das árvores, o esplendoroso amadurecimento dos frutos. E há uma luz branca que começa a respirar mesmo antes do sol nascer, lembrando a natureza da pintura antiga e o seu encarniçado empenho na representação do real impossível, a morder com ternura os muros de pedra que separam as terras, minifúndios herdados de uma gente longínqua, talvez camponeses enlameados da Idade Média.
Na esplanada, a manhã ainda fresca, os jonais exploram as mitologias do local, manipulando páginas em efectivas e titulares, enquanto os conflitos do Médio Oriente são encobertos temporariamente, nas suas histórias de loucura e barbárie, orientados os objectivos de novo para o Afeganistão, reino inacreditável onde, em nome da civilização, as potências bem armadas acharam por bem escorraçar as gentes de lá, os que mandavam, os talibãs, oa que obrigavam as mulheres a se vestirem da cabeça aos pés, e as imagens eram por sua vez interditas, as estátuas, as pinturas, as fotografias, os livros profanos, o cinema ou o teatro. Os meninos, por outro lado, recolhidos em escolinhas quadradas, em volta de mesas quadradas, aí só aprendiam oralmente o Livro Sabrado, que recitavam liturgicamente horas e horas a fio. A par disso, ouviam as vozes que sangravam o Ocidente, inimigo e senhor de todo o Mal.
Desse lado, com efeito, mal ou bem, as sociedades investem cada vez mais nos grandes espectáculos, trinta mil pessoas sob o choque sonoro de tempestades ensurdecedoras, como aliás no cinema e nos largos espaços do consumo mais frenético do que nunca, apesar de haver gente conservando a memória de uma outra dimensão sagrada e do mítico Extremo Oriente.
A verdade é difícil de iluminar. Os meninos talibãs, depois de rapazes, não confundem tanta informação e consumo como no Ocidente. Se descobrem uma Mullher da Primavera, de pés descalços e rosto destapado, havendo sobre isso indícios de adultério ou coisa muito semelhante, os rapazes quadrados levantam breves autos de acusação.
A Mulher da Primavera é então sumariamente morta à pedrada.

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