segunda-feira, setembro 18, 2006

AS VOZES ENGANADORAS OU A RELIGIÃO DA MENTIRA

Öyvind Fahlström


Conhece este livro? Nem o autor? Ah, também não conhece. Eu li um artigo que falava desta obra, embora o jornalista não mostrasse grande apreço pela forma. O que o seduzira concentrava-se nas áreas mais agressivas dos assuntos económicos, das sombrias urdiduras dos mercados entre pontos decisivos do mundo, estratégias das transnacionais e do tráfego de estupefacientes, coisas imensas e indizíveis, a vida dos ricos, o porquê dos pobres, doenças avassaladoras que devoram continentes inteiros, como no apocalipse. O que disse? É tudo maquinação dos jornais sensacionalistas e contra-informação das máfias em sucessivos desdobramentos - é essa a sua ideia? «Mais ou menos» não configura qualquer resposta. Ou então direi como Frédéric Beigbeder: «Se os pobres morrem é porque os ricos têm razão para viver» Imaginemos que eles têm razão mas em geral falta-lhes o direito, consoante engordaram e acumularam secretos proventos já lavados. «Em África, um branco que dirige a palavra a um negro já não tem a condescendência racista dos antigos colonialistas; agora é muito mais violento. Agora tem o olhar compadecido do sacerdotde que ministra a extrema-unção a um condenado à morte». De maneira nenhuma, esta agressão de que fala Beigbedec não se resume apenas aos casos verificados em África: o colonialismo vai e retorna, assume novas formas de reiterar falsos princípios, trafica armas e fomenta guerras humanitárias. Não há guerras humanitárias? A televisão, apesar de tudo, mostra-nos a deriva dos monstros. «Toda a gente que critica a Sociedade dos Espectáculos tem televisão em casa». O aborrecimento é inextricável da rede de todas as dependências a que chamam desenvolvimento e que não passam do mais decorativo dos novelos, crescimento apenas, lado a lado com os velhos trapos dos velhos vagabundos, milhares de negros a morrer todos os dias, crianças também, novos autos-de-fé para limpar o mundo dos que caíram em desgraça, etnias empobrecidas e por fim sujeitas ao pragmatismo de meia dúzia de genocídios . O totalitarismo publicitário chega até este inferno, parece o acto de Poncio Pilastos a lavar as mãos diante da decisão sangrenta, rasgada sobre os ombros de Cristo. O sistema que rege o mundo, hoje, vende gatos por lebres, entre representações persuasivas. «Vivemos no primeiro sistema de dominação do homem pelo homem contra o qual até a liberdade é impotente.» Não me olhe dessa maneira, não estou no domínio da heresia. «Os nossos destinos são destruídos e descritos de uma maneira bonita» Lembro-me de Calígula, não sei porquê, quando ele desejava a lua e quebrava todos os dias o espelho da noite. As necessidades não desabrocham do chão, nem da alma, inventam-se e comercializam-se. Imagens que dizem valer por mil palavras e que normalmente só se significam para nós através de nomes e adjectivos. «Nada mudou desde Pascal: o homem continua a fugir da sua própria angústia, entregando-se ao divertimento». Não acha? «O mundo é irreal, salvo quando é chato» Não volto a Beigbedec para dizer frases assim como verdades insofismáveis da nossa filosofia ou para alargar o seu sorriso céptico. Céptico sim, porque se curva na liturgia católica e pensa confusamente em Deus, em todo o caso sem meios para aceder a Ele. O homem inventou-O com a ideia perversa de O substituir um dia, todo poderoso. A fé está sob a alçada da publicidade e das grandes operações comerciais. É tudo nítido quando vemos a multidão na Praça de S. Pedro, em Roma, esperando a imitação do espírito supremo. Não quero ofendê-lo, tento apenas perceber os fios que ligam o Bem e o Mal, que enleiam doutrinas no mais decorativo dos novelos, lado a lado com os velhos trapos dos velhos vagabundos, milhares de negros a morrer todos os dias, crianças também, novos autos-de-fé para limpar o mundo dos que caíram em desgraça, etnias empobrecidas e por fim sujeitas ao pragmatismo de meia dúzia de genocídios. O totalitarismo publicitário chega até ao inferno, parece Poncio Pilatos naquele acto de lavar as mãos diante da decisão sangrenta, rasgada sobre os ombros de Cristo. O sistema que rege o mundo, hoje, vende gatos por lebres, entre representações persuasivas. «Vivemos no primeiro sistema de dominação do homem pelo homem contra o qual até a liberdade é impotente». Não me olhe dessa maneira, não estou no domínio da heresia. «Os nossos destinos são destruídos e descritos de uma maneira bonita». Lembro-me de Calígula, não sei porquê, desejando a lua e quebrando todos os dias o espelho da noite. «Não nos safamos de nenhuma maneira. Está tudo aferrolhado, com um sorriso nos lábios. Bloqueiam-nos com créditos a pagar, mensalidades, rendas. Têm estados de alma? Lá fora, milhões de desempregados esperam que vocês libertem o lugares. Podem refilar o que quiserem, Churchill já respondeu: é o pior sistema à excepção de todos os outros. E não nos apanhou à traição. Não disse o melhor sistema, disse o pior.»
«Em breve os países serão substituídos por empresas. As pessoas já não serão cidadãs de uma nação, mas habitarão marcas: viverão em Microsófia ou em Mcdonaldlândia; serão Calvin Kleinianas ou Pradaisas».
Veja como é inevitável e simples: sempre soubemos que há várias espécies de apocalipses.
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Extractos em colagem do livro de Frédérico Beigbeder, «14,99, a outra face da moeda».

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