quinta-feira, setembro 21, 2006

ESBOÇO PARA UMA POESIA INICIAL

VARANDA
Sorte vã na varanda do entardecer, um caminho talvez,
Sorte entre sombras e verde e laranja nas veredas do céu
ou nas encostas assim ainda salpicadas de luz,
portal, limite, lugar de partidas entretanto.
*
Oiço passos raspando a terra,
trabalhadores retornando do alto da serra,
dedos sobre a carcaça das roupas velhas,
velhos são os trapos que os dedos dedilham,
tudo devagar, em lassidão, perto do fim.
*
A varanda foi parte de certa casa colonial,
é agora amurada de um posto altíssimo e vital,
muito longe a cidade perdida das horas e dos sinos tocando,
embalada de brisas,
sonhos praticamente vogando
com a aragem trazida por milhões de insectos,
sempre acordados,
preparados,
a respirar num ranger afinal manso,
sons breves e surdos, ainda quentes,
entre outros emergentes.
Coisas que o chão abriga, encobre, esconde,
nessa geografia feita de arestas cortantes,
riscos coincidentes,
varanda afinal já cercada de ventos.
*
Oiço entretanto o batimento excessivo das minhas botas
memória de velhos camponeses e das enchadas deles
enquanto misturo a lembrança do areal cinzento
às dunas e encostas e juncos a convidar ao recolhimento.
Por aqui, antes do assalto da morte,
recejo mitos e ritos de quem colonizou a terra em volta,
heróis talvez para anfrentar no futuro a revolta,
cabeças inesperadamente expostas,
a rolar, a rolar, de olhos abertos e cegos.
*
Amanhã vou enterrar o que resta dos meus mortos,
tantos e tão poucos no jardim queimado,
por forma a ver depois,
da sorte vã da varanda ao entardecer
as cruzes toscas da espera inútil
por um verdadeiro dia de ressurreição.

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