quinta-feira, agosto 30, 2007

A GRANDEZA DA DÚVIDA

Madre Teresa de Calcutá

Esta mulher que ostentava frequentemente um sorriso, na sua aproximação aos grupos de humanos miseráveis, foi durante décadas dilacerada pela dor, pela dúvida, por uma solidão sem luz e sem a verdade de um convívio caloroso. Ao seu júbilo no entendimento de Cristo, seguiam-se muitas vez horas de angústia e de ausência. A caridade cristã é um domínio que se reveste de algumas obscuridades e que se confronta, todos os dias, com a aparente impossibilidade de minorar a miséria e o sofrimento em muitos pontos do mundo. Madre Teresa de Calcutá era conhecida como a «Santa dos Pobres» e foi-lhe conferido o Prémio Nobel da Paz em 11 de Dezembro de 1979. A sua obra humanitária, eventualmente discutível por alguns pragmatismos, é contudo de uma grandeza insofismável. Mas a sua entrega, longa e penosa, foi atravessada pelas dores da incerteza e do modo de como aceder a Deus. As cartas que escreveu e que havia pedido para serem destruídas após a sua morte, foram largamente conservadas pela Igreja e poderão, publicadas na biografia de Madre Teresa, servir de caminho de reflexão aos homens, sobretudo aos que se julgam pilares inabaláveis da prática diária do catolicismo. Quem julgava conhecer bem esta mulher, nos actos e nas palavras, tem hoje, no seu testemunho mais profundo, sinais dela num sentido por vezes semelhante ao drama do existencialismo nos anos cinquenta. «Como se um dos maiores ícones humanos dos últimos cem anos, cujos notáveis feitos parecem intrinsecamengte ligados à sua proximidade de Deus e que era habitualmente observada em silêncio e em oração, tanto pelos seus próximos como pelas câmaras de televisão, estivesse a viver em privado uma realidade espiritual muito diferente, uma paisagem árida da qual a divindade desaparecera» 1 Do léxico de Teresa de Calcutá fazem parte, numa inquietante autocontradição, palavras tão acutilantes e actuais como «secura», «escuridão», «tortura», «solidão». O sorriso, escreveu ela, é uma «máscara» ou «um manto que cobre tudo». Apesar do desenvolvimento das «Missionárias da Caridade» pelo mundo em geral, Madre Teresa interrogava-se, como que a sangrar: «Trabalho para quê? Se não há Deus não pode haver alma. Se não há alma, então Jesus Tu também não és verdade». Aqui aparece, em duas palavras apenas, a dúvida sobre a existência de Deus. Num documento assombroso, uma carta dirigida a Jesus, Teresa queixa-se de sua condição de sofrimento, de uma «agonia indescritível» E acrescenta: «Muitas perguntas sem resposta vivem dentro de mim com receio de as destapar ( por causa da blasfémia); se existe Deus, por favor perdoa-me. Quanto tento elevar os meus pensamentos ao Céu, há um vazio tão culpado que esses mesmos pensamentos regressam como facas e ferem a minha própria alma. Dizem-me que Deus me ama, mas a realidade da escuridão, da indiferença e do vazio, é tão grande que nada toca a minha alma. Terei cometido um erro em entregar-me ao Apelo do Sagrado Coração?1 Madre Teresa de Calcutá dirigiu ao reverendo Michael van der Peet, em Setembro de 1979, entre outras, as seguintes palavras: Jesus tem um amor muito especial por si. Contudo, em relação a mim o vazio e o silêncio é tão grande, que olho e não vejo, que escuto e não ouço (...) Na minha própria alma, sinto a terrível dor da sua perda. Sinto que Deus não me quer, que Deus não é Deus». Como se não existisse verdadadeiramente. Aos que ouvem assim esta mulher, a questão da vida, da morte e da salvação desfocam-se porventura na própria escuridão de cada um deles.

Madre Teresa de Calcutá morreu em 1997.

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1 Este texto foi trabalhado, além das citações, com as páginas dedicadas a Terese de Calcutá, pela «Visão», em 30 de Agosto de 2007

3 comentários:

naturalissima disse...

Deixei-me entrar neste espantoso texto e por aqui me deixarei ficar... por aqui fico alimentando-me da reflexão e dúvidas sem respostas, fazendo companhia a este grande ser humano...

eu...

miruii disse...

A escolha da foto é magnífica.
O texto... numa terra longe em que também vivi dizia-se: «não levantes a pedra; debaixo pode estar um lacrau».
Grato pela visita, tente:

metaphoricamente@gmail.com

Picada forte

Carla disse...

Chegou ao fim mais uma semana marcada pelo cansaço e pela ausência na net…
Sinto saudades dos espaços que normalmente visito e das pessoas
Hoje uma breve passagem apenas   

ღღ ¸..´para desejar¸..*´¨)*´¨)
  ¸.•´¸.•*´¨)um ღ ¸.•*¨)
  (¸.•´ ღღ (¸.•` ღღ Bom fim de Semana* ღღ
       ¸.•*¨)             
    (¸.•´ ღ (¸.•*´¨¨*Beijinhos*´¨¨*•.¸ღ .•*¨)