sábado, setembro 29, 2007

VANITAS, VANITAS, VANIDADE


Há representações de certa época que se consolidaram em torno da sagração e da morte, emblematizando na composição e nos símbolos do esquecimento, dos vagos sons, dos textos preciosos, de uma acumulação de coisas pertencentes à vã glória, o crâneo indispensável e o apelo à memória petrificada, perene. A verdade é que a origem desta moda, indício da natureza morta, envolve em véus sumptuosos esses sinais de vanglória superficial, a exibição, a frivolidade de quem ostenta no vazio, vanidade ou estultícia, um protagonismo fora do real, do discernimento e do bom senso. A música entrará no cerimonial assim edificado, a encher de vibrações as órbitas do rosto ósseo, melancólicas harmonias de timbre grave, para além do pó que desce sobre a própria obra, tornando-a baça, verdadeira ostentação do vazio, na beleza chorada de inépcias outrora, muito do que nos acontece hoje, coroas de flores sobre o mármore, à superfície dos cemitérios e por vezes na grandeza desconcertante dos jazigos, vanitas abarcando áleas de ciprestes, glórias inúteis das vanidades moldadas na pedra e nos vitrais de janelas góticas, vencimento glorioso e solene da morte. O infinito é uma mentira.

5 comentários:

jawaa disse...

A lamparina e os livros são os símbolos desse infinito que não passa de um sonho dos homens.

Betty Coltrane disse...

Reflexão sempre presente, esta...

No sábado, ao assistir num colóquio a uma comunicação acerca da evolução da crítica de arte em Portugal, o seu nome foi brevemente referido... Fez-me aperceber do quão fácil se torna a comunicação neste mundo da internet, quando partimos para uma relação cibernética sem qualquer constrangimento de idade ou estatuto.

Só me senti mais grata, por poder de quando em vez trocar algumas ideias consigo.

bem haja

um abraço!

vera

miruii disse...

Um dia não muito longe pediu-me um endereço... que nunca usou.
Por mim, andei indeciso, quis mudar a vida, mas ela é boa assim.
Picada, belo quadro e bela spalavras!

P. Guerreiro disse...

Excelente ilustração para um romance policial de Conan Doyle. A morte sempre presente, os sinais que devem ser lidos interpretados quem sabe se induzidos. Transformo-me em Holmes, entro nesse cemitérios, e já foram tantos, percorro essas alamedas, tento adivinhar vidas por entre placas e mármores, nasceu em, faleceu em, eterno amor, de pai, de mãe, de filho, de tudo um pouco.
A minha avó vivia no Cercal do Alentejo, Concelho de Santiago do Cacém. A casa onde morava tinha um quintal comprido que afunilava, apertado por um silvado e por um alto muro de cemitério. Todas as pessoas que morreram na aldeia vieram morar para ao pé de mim, quando era pequeno era assim que eu pensava, antes de saber que o coveiro os desenterrava e roubava quando os sabia “gordos”, ou talvez não fosse esse o nome que lhes chamasse, não importa.
Também na morte a vanidade não é um bem democrático. As mortes não são iguais e as suas celebrações também não. Lembro-me de Diana, o carro preto, Mercedes de marca, último modelo com certeza, a caveira dos tempos modernos. Revejo na minha cabeça as fotografias a preto e branco do holocausto, aí as caveiras ainda com pele e esqueleto.
Vanidade porque somos muito pequenos, inconscientes, aprendizes de feiticeiros neste Universo que ainda agora começamos a entender, porque inventamos importância na morte para a dar aos que ficam, a nós que os vemos partir.
Um quadro é isto, a sua interpretação fez-me delirar, se fosse caso para rir diria que andei às portas da morte.

A sua visão da morte através deste post não me deixou indiferente. A escolha do tema é sempre pertinente, fonte inesgotável. Por detrás da história e da maneira como outros olharam para a morte fica a nossa própria realidade. Desapareceu o traço fino e nobre na morte dos artistas nossos contemporâneos? Outras máquinas nos fazem matar, em mundos virtuais que eu também visitei, sim eu também matei no meu computador, mas ai eu posso morrer as vezes que quiser. Quais os artistas que produziram tais Mundos, o seu nome aparece nos créditos mas eu nunca reparei.
Apenas peguei no seu excelente comentário e deixei-me levar, como homem dos números preciso do infinito, pelo menos do seu infinito.

Um abraço amigo.
Até sempre!

Carla disse...

No infinito... a vida é uma mera ilusão do homem... nenhum homem é imortal...
Beijos