Aconteceu que o Presidente da República, assediado bem de perto pelos jornalistas, balbuciou que o dia não se destinava a declarações políticas; o dia era reservado à evocação da raça, aos nossos grandes homens da gesta dos descobrimentos, Camões e comunidades portuguesas espalhadas por todo o mundo.
Jornalistas e populares amargurados não pensaram em mais nada; alguém soprara: «Ouviram o que ele disse? Falou na raça. Um Presidente não pode ignorar as conotações execráveis que aquela palavra implica, desde a xenofobia, muitas discriminações, arianismo de outrora.» E não se tem falado noutra coisa. Os camionistas vão engolir a indignação pela famosa palavra, mas, en- quanto ela sobrou para a política e falta de outros avisos, viram-se coisas de um humor inexcedível: na televisão, por exemplo, um comentador da direita esgrimia argumentos com um representante do Bloco de Esquerda. Este senhor, embora com cascatas de palavras inovadoras, parecia um padre cheio de pudor e alguma indignação perante algum palavrão de certo menino ladino pousado na cauda da missa. Estive há pouco a ler o discurso do Presidente, que o Dário de Notícias publicou na íntegra e sob o título «O QUE CAVACO DISSE E DO QUE ESTAVA REALMENTE A FALAR». Entre outras coisas, e sem recurso à palavra raça, ele evoca a história do país, as quedas superadas, enviando alguns recados ao Governo e apelando para um recomeço de exigência e rigor, reapropriação do «imenso património que herdámos e de que progresso justificadamente nos orgulhamos», transformando-o num verdadeiro instrumento ao serviço da prosperidade do nosso povo».
Então e a raça? Era o Estado Novo que usava essa palavra para significar outra coisa, memória indirecta do fascismo e do nazismo? E depois? Teremos que ser reféns para sempre dessa ignomínia? Inventamos sinónimos, sucedâneos precários e pequenos? Os intelectuais que se magoaram com o perigoso «lapso» do Presidente deviam ter cultura para separar a recuperação de palavras recontextualizadas e não para, sem verdadeira alternativa, rasgarem o verdadeiro sentido dos factos. Este fenómeno, de escuras idiossincrasias, alastra cada vez mais entre nós, enquanto os seus promotores vão elegendo enviesados léxicos e muita discriminação contra os analfabetos do nosso quotidiano. É por estas e por outras que os pedagogos insistem com a Ministra da Educação para tornar obrigatória, aí pelos sete anos, a memoriação bem consolidada da tabuada. Parece que é importante para o cérebro. E para ordenar, cronologicamente, os factos históricos e o sentido das próprias palavras.
Então e a raça? Era o Estado Novo que usava essa palavra para significar outra coisa, memória indirecta do fascismo e do nazismo? E depois? Teremos que ser reféns para sempre dessa ignomínia? Inventamos sinónimos, sucedâneos precários e pequenos? Os intelectuais que se magoaram com o perigoso «lapso» do Presidente deviam ter cultura para separar a recuperação de palavras recontextualizadas e não para, sem verdadeira alternativa, rasgarem o verdadeiro sentido dos factos. Este fenómeno, de escuras idiossincrasias, alastra cada vez mais entre nós, enquanto os seus promotores vão elegendo enviesados léxicos e muita discriminação contra os analfabetos do nosso quotidiano. É por estas e por outras que os pedagogos insistem com a Ministra da Educação para tornar obrigatória, aí pelos sete anos, a memoriação bem consolidada da tabuada. Parece que é importante para o cérebro. E para ordenar, cronologicamente, os factos históricos e o sentido das próprias palavras.
1 comentário:
Esta é a grande pobreza do nosso país.
É a nossa vergonha: a iliteracia de alguns jornalistas - não direi de todos porque tenho muita consideração por alguns, poucos.
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