Mais tarde, quando isso me acontecia, perguntava a mim mesmo que razão haveria para aquele apreço, para aquele apelo, ao contrário do desencanto que sentia perante as flores, ornamento usual nas casas, retomado em fresco. Por mais estranho que pareça, e porque desenhava com prematura qualidade, este desapego pela beleza óbvia das flores, acontecia sempre e deixava-me intrigado. No tempo em que começou a ser um hábito os habitantes da pequena cidade do sul (onde nasci e vivi) fazerem grandes passeios aos pomares, pelo rio ou pelas veredas, ou também à serra, junto da primeira barragem ali construída. As casas de lavoura, pobres, abandonadas, continuavam a fixar os meus olhos. E foi nessa altura que descobri outras flores, lindas, mais verdadeiras do que todas as outras, flores nascidas ao acaso, secas mas vivas, ásperas, com pétalas que pareciam a protecção do milho, tufadas e coloridas em tons abertos num centro geométrico. Eram lindas as flores silvestres, essa vida muito bem integrada no ambiente e com um desenho ao mesmo tempo solto e rigoroso. Invariavelmente, quando percorro as veredas da serra, perto da cidade, apanho flores dessas e coloco-as em jarras como as pessoas fazem com as outras, decorativas, macias, e aparentemente artificiais. Mas as flores que eu arrumo na jarra não precisam de água. Meses mais tarde continuam na mesma, perenes. Também fiquei a gostar destas formas naturais, tanto como os destroços das velhas casas.
quarta-feira, junho 25, 2008
APELO POR RUÍNAS E FLORES SELVAGENS
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3 comentários:
Lindas flores secas, mas vivas, acompanhadas por uma história de extrema sensibilidade.
Duas formas de expressão, tão semelhantes no sentir e tão bem expostas aqui.
Longe de estar ao nivel da sensibilidade artistica do tio meu, confesso que sempre senti o mesmo desde muito nova, estas passagens aparentemente nostalgicas... sempre me fascinou ter dentro de mim, estas sensações. Faz-me sentir melhor um lado da vida diferente.
Não sei explicar melhor :)
Não posso deixar de dar os meus parabéns ao Miguel ;-) por este momento bonito que lhe ofereceu.
Beijinhos muitos
fique bem
Daniela
« Há por vezes, na soma das matérias ou na desistência de algumas soluções, uma incerteza dolorosa, tempos difusos, a nostalgia de muitas outras viagens assim. »
( Excerto do livro: A culpa de Deus, de João Rocha De Sousa )
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Esta viagem nostálgica só foi possível, porque as folhas onde o mestre escreveu a sua infância, são como as pétalas das flores selvagens.
Não caem, por serem perenes na sua memória.
Um abraço,
Miguel
P.S. Parabéns pelo belíssimo raccord entre texto/fotografia. Perfeito.
Boa picaretada ;-)
Tem razão quanto à verdade das flores silvestres, mas eu prefiro as coloridas e quase me revolta a adulteração que fazem com elas, presentemente.
Uma ternura, este desenhamento de si.
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