Dubai faz a admiração e o nojo de muita gente. Esta concepção dos espaços para milionários, em pleno mundo da crise, é sem dúvida aberrante e coloca os problemas do lazer e do território novamente na balança das avaliações. As mais atrevidas, luxuosas e caras ideias do espectáculo, dos exclusivismos do bem estar, tudo isso, exposto aos nossos olhos, obriga-nos a passar depressa a barreira dos mimetismos gulosos, a impossibilidade moral de tanta riqueza para nada, e confrontar-nos com esses desastres principais que tomaram conta do mundo e do próprio planeta, entre avalanches de gelo a desfazer-se e chuvas diluvianas que arrasam populações, alojamentos, estruturas logísticas, uma inquietude cósmica, perante a qual, a médio e longo prazos, a ideia da sofisticação urbanística, engenhos conquistados ao oceano, terão de soçobrar em nome da sobrevivência. As antecipações da ficção científica deverão, em certos casos, aparecer como profecias, embora todos saibamos que muitas dessas obras partem de conhecimentos consolidados, restando-lhes a verdade da matemática para dizer o resto dos números. Dubai pode ser uma experiência cheia de erros e de surpreendentes ofertas, feira de propósito para negociar cinicamente com os clientes ricos, susceptível de declarar plausível mercados assim, prontos para receber o dinheiro sujo dos prepotentes do mundo, daqueles que governam povos em estado de miséria no interior de uma redoma imensa, no fundo da qual pode cheirar a petróleo ou existirem caixas blindadas carregadas de diamantes e de armas.
Lembro-me da Idade Média: é como se estivesse a ver e a rever o anverso e o reverso de uma medalha, talvez da moedsa que nos controla. As obras megalómanas, ou simplesmente públicas, colidem com a urgência em mudar os objectivos das sociedades e das civilizações, não apenas segundo a estranha mistura de desenvolvimento com crescimento, aumentando tudo, desvastando o habitat, imaginando mais poder do que mais equilíbrio.
Relendo a importância da reflexão sobre esses problemas, Miguel Sousa Tavares escreveu no «Expresso» sobre vários aspectos desta vasta lista de questões partindo de notícias locais, provincianas e talvez aterradoras. A propósito de obras públicas e privadas (ou tudo à mistura, como também acontece), ele começou por noticiar: «O primeiro Ministro foi ao Algarve anunciar mais sete megaprojectos imobiliário-turísticos, os quais, segundo acusações do engº Macário Correia, determinaram o adiamento da entrada em vigor do PROTAL, o plano de ordenação do território aprovado pelo próprio Governo: é que, à luz das normas do plano, e se este já estiver em vigor, os projectos não poderiam ser aprovados, nem como PIN. Assim, movido pelas melhores intenções, o Governo dispõe-se a pôr alguma ordem no ''desenvolvimento'' do Algarve. Mas, movido ainda por melhores intenções, trata primeiro de aprovar aquilo que possa contrariar as suas próprias leis. Na ria de Alvor, uma das raras paisagens naturais ainda preservadas de Portugal, o primeiro ministro deleitou-se a ouvir sete empresários chegarem-se sucessivamente ao microfone para elogiar a grande compreensão demonstrada pelo Governo em prol do ''desenvolvimento''. E, imaginando já uma paisagem PIN, semeada de hotéis, golfes, vivendas e milhares de camas, onde antes só havia verde, Redes Natura, ''habitats'' protegidos por directivas europeias e ''obstáculos'' quejandos, José Sócrates contemplou este Portugal do futuro e, embevecido pela sua visão, exclamou: Haverá sempre quem faça críticas, mas é disto que o país precisa»
Agora direi eu: como é que este primeiro-ministro, cujo programa inicial apontado ao país parecia incluir uma concepção geral, e bem contextualizada, da tecnologia correctamente aplicada à construção equilibrada, vem agora confundir as normas e as coisas, aceitando Dubais absurdos para uma província cujos erros no território obrigariam a implodir pelo menos metade do caos estabelecido? Picasso sabia bem o que dizia ao afairmar: «Um quadro é uma soma de destruições». O assessor do senhor primeiro-ministro para os assuntos das artes não lhe falou destes temas? Apetece recorrer de novo a Sousa Tavares: «O Governo encomenda, os bancos financiam, os escritórios de advogados do sistema fazem os contratos, as construtoras constroem e os contribuintes pagam. O país está cheio de porches e ferraris que sairam directamente do nosso bolso para ajudar a ''desenvolver'' Portugal.»
2 comentários:
Todo o dinheiro gasto naqueles projectos megalómanos, porque vindos do ouro negro, só deveriam ter um caminho: financiar projectos pró-natureza por todo o planeta.
As concepções faraónicas são prolongamentos do nosso eterno sonho de imortalidade, mesmo que cientificamente este não deva ser possível. O Dubai, parafraseando Fausto, o cantor Português, bem entendido, é um sonho lindo quase acabado. No caso português não se trata da conquista do mar pela terra, trata-se da destruição do paraíso.
Tive oportunidade de ver um programa sobre a construção das ilhas artificiais no Dubai e as que ainda estão para construir. Qual a moral necessária para os julgar? A Europeia? A Americana? Fica a curiosidade dos números e do trabalho de engenharia.
Em Portugal o ordenamento geral do território ficou de fora das prioridades do governo. Não ajuda, não baixa o deficit, até prejudica se for demasiado exigente. Continuamos escravos do betão. Espero que outras medidas nos tragam a libertação.
Continuo muito céptico. Espero estar enganado e não me ter transformado num Velho do Restelo.
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