Os canais de televisão esticam todas as cordas de que dispõem para, entre alguns programas temática e formalmente sérios, inventarem coisas de entretenimento, coisas fedorentas e fedores de anedotas inócuas, novelas cada vez mais viciadas nos estereótipos da intriga banal, a cometer os mesmos erros que os brasileiros impingem às multidões, muito refugo, muitos tertulianos para falarem das «vedetas» nacionais, patos falantes e universos assim, a abarrotar de publicidade. Por estranho que pareça, e num país que precisa de trabalhar (ou precisaria) os programadores destas empresas publicam por vezes, a acabar às 2 e 3 da manhã, filmes de qualidade, algum «traficado» documentário sobre artistas plásticos, um hoje, outro daqui a um ano e assim por diante.
Os chamados programas de intervenção, também madrugadores, envolvem gente de mau humor, azedume e piadas rasteiras, com diversos percursos que julgam fazer a diferença. Não me refiro a alguns debates e tentativas de avaliar questões sociais ou de claro interesse pedagógico e cultural. Deixando de lado a majestática oratória de «A Quadratura do Círculo», encontro por vezes «O Eixo do Mal», ideia talvez trabalhável, até no clima, mas que sofre assiduamente de falta de critério comportamental e estrondosas derrapagens dos intervenientes, sobreposições e pronúncias erráticas, o que o desgastou depressa, perdendo sentido ou quase mergulhando no pântano em que é suposto todos nos estarmos a afundar, desde a demissão apocalíptica de Guterres. O eixo do mal foi buscar o seu nome a uma dessas invenções políticas, neste caso vinda provavelmente do gabinete de Bush, que traçava um eixo do mal da balbúrdia trágica do Médio Oriente até à «perigosíssima» Coreia do Norte. Mas a exploração dessa temática, que puxa pelas meninges, acabou cadáver, sem diagnóstico, e a televisão aproveitou-a no quadrado a que se deve chamar, com maior propriedade, «O Mal do Eixo».
O últino número desde «espaço de comunicação» surgiu particularmente infeliz e trouxe à superfície, simbolicamente sem a presença da Clara Ferreira, as caricaturas dos protagonistas, a sua incompetência em fazer televisão e comunicar sem se assaltarem uns aos outros numa pequenez confrangedora, nas escolhas, nas ideias, no fraco estilo performativo: a política tem muito que se lhe diga, mas neste caso tudo se resume sempre à pele risível do tablóide, aos erros do governo, a Sócrates, à queda de Sócrates, Sócrates à beira do fascismo -- e até ao declíneo de Sócrates comparado com o declíneo de Cavaco Silva. Qua raio de palavreado é este, todos a puxarem o que restava das frases alheias? Depois foi a Ota, é sempre a Ota porque sim, o povo que se ponha a pau que há conspiradores e traficantes por todo o lado. Foi a CIP que pagou o estudo de Alcochete? Não, foram os outros, os medrosos, os escondidos. Foi a CIP, foi a CIP. Já saudosa é a Portela, há quem queira Portela+1, com um campo de golfe ao lado para aterrarem as excursões. O ministro que defende cegamente a Ota é destituído de quase tudo (jamais, jamais) e o que se passa é apenas uma encenação pindérica para entreter as oposições: quando chegar ao fim dos seis meses estabelecidos, o Governo agradece e diz que na Ota é que é. E esta reboleira de inutilidades temáticas ou de reflexão, sobretudo afogada em todos ao mesmo tempo, lá vai comendo tempo, tarde, com as contas dos políticos, Alcochete, Portela+1, Sócrates vaiado em Abrantes, uns pós sobre a questão da Câmara de Lisboa, tudo errado, sem planos, tudo em arranques palavrosos ou sucintos, sem análise, sem profundidade, sem estudo alternativo, as palavras em tom acre, incandescências verbais para nada, palavras de «escárnio e mal dizer».
É difícil fazer uma ideia e é escandaloso que os gestores televisivos comparticipem nesta algaraviada redutora. A liberdde de expressão já ninguém a contesta, mas, com ela, é preciso expressar em qualidade e oportunidade. Que diabo: estava-se «sobre» a reunião para o tratado da U.E., havia o desenvolvimento da situação em Gaza e na Cisjordánia, a problemática dos jornalistas de guerra, casos importante nos tribunais, interrogações entre os favores cedidos a Berardo e também o modo como nos representamos na Bienal de Veneza e no Mundo. De resto, e se soubessem trabalhar o assunto, havia os temas das festas populares, a utilidade ou inutilidade da feira do livro, as escolhas das editoras e a queda de valores a esse nível. Já não digo que se dedicassem um pouco a meditar no buraco negro que separa cada vez mais ricos de pobres mais pobres. Mas, na oportunidade certa, agora, com as eleições para a Câmara, era bem bom falar-se dos vazios das cidades, de como encarar a ordenação e fomento da actividade humana no território, a par da enorme riqueza, pelos novos planos municipais, da construção prevista, licenciando o que acabará por atingir quarenta milhões de casas para os dez milhões de portugueses, muitos deles compulsivamente proprietários de andares comprados a crédito, com suor sangue e lágrimas.
Ó meus senhores, assim não. Nem a triste deriva sobre Berardo teve nexo e conclusão. A alucinante semelhança entre a semelhança da queda de Sócrates com a de Cavaco Silva, afirmada com dedinhos espetados de certeza, deixou-me estupefacto. Porque, além das coisas não se aproximarem assim, é burrice tratar o futuro de tal modo, em perfeita incontinência do sonho. Tudo muda, e também aqui é legítimo comparar situações, mas sem desvio rasteiro da diferença dos factos, dos contextos históricos. De bocas estamos todos fartos. Se os senhores querem falar da comunicação, restringindo os temas, anunciem o projecto: aquilo assim não é nada, passará para feira de vaidades, bocas ao acaso, oportunidades enviesadas, gaguejadas, degoladas. Comunicação? Aprendam primeiro como ela se faz e aquilo que a ela importa dia a dia.
A não ser que estejam empenhados em imitar os portugueses a discutir futebol na tasca da esquina. Nesse aspecto, entre falas sobrepostas e empirismos insuportáveis, são perfeitos.
2 comentários:
Aquilo mais parece uma mesa de um qualquer café em que pessoas supostamente informadas falam de tudo e de nada com uma despreocupação irresponsável, talvez de quem sabe que pouca gente os ouve naquelas horas tardias. Talvez seja isso que me atrai no programa. Trabalho por turnos e chego a casa muitas vezes depois da meia-noite. O cansaço leva-me a sentar-me e ligar a televisão, acto de rendição, de submissão. Passo pelos CSI’s, procuro refúgio no canal História mas sem a atenção necessária perco-me nos raciocínios do Eixo do Mal. A hora não convida a conversas muito a sério, mais o desabafo, a opinião que se ouve mas não se liga…Para mim aquilo é mesmo assim, aquilo que me apetecia dizer quando estou lixado e bebi um ou dois copos que me soltaram a língua.
Percebo a crítica porque percebo que você exige demais deste programa. Tudo o que você diz é coerente e corresponde à verdade…Falam por falar…
Como dizia Jorge Palma “Ó Portugal, Portugal, do que é que tu estás à espera, tens um pé numa Galera e outro no fundo do mar…”.
Foi mais um pretexto para uma visita e o desejo de uma boa semana.
P.S. Quando não são comentadores irresponsáveis, são comprados, é o destino. Sem querer ferir sensibilidades prefiro ouvir algumas irresponsabilidades assumidas do que alguém tão sábio como o Dr. António Vitorino. Este sim não brinca em serviço. Cada vez que o ouço sinto-me afogar entre a demagogia e a verdade sem nunca saber em qual delas perco o ar. Mais uma vez uma boa semana e não me leve a mal a sinceridade. Você continua a ter um dos blogs que eu mais procuro. Gostei da imagem…É sua?
A nossa TV, canal público em particular, é inclassificável, sem qualquer respeito por quem lhes paga os ordenados: nós o fazemos com o orçamento do Estado, com uma qualquer taxa em factura, salvo erro da EDP, e ainda há o despautério da publicidade!
Aquilo a que chamam serviço público é alterar consecutivamente o horário do noticiário (supostamente breve, conciso, independente, divulgando também aspectos positivos da nossa sociedade sistematicamente omitidos) que deveria ser «sagrado» por um qualquer jogo de futebol, em guerra de audiências pura e simples!
Programas de cultura e política séria... não é conveniente. O mau gosto impera, os tempos mudam, há que aceitar.
Obrigada por suas palavras de apreço, mais de lisonja.
Até breve.
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